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ECONOMIA E GESTÃO.

A CERTIFICAÇÃO DE DISPOSITIVOS MÉDICOS FORNECE INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES?

17 maio 2024

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Título original: Regulating Innovation with Uncertain Quality: Information, Risk, and Access in Medical Devices

Autores: Matthew Grennan e Robert J. Town

Localização da Intervenção: Estados Unidos

Tamanho da Amostra: 494.304 observações de produto-hospital-mês

Setor: Regulação

Variável de Interesse Principal: Bem-estar

Tipo de Intervenção: Regulação na entrada de produtos

Metodologia: GMM, Logit

Resumo

Produtos inovadores, embora possam representar ganhos de bem-estar para a sociedade, também representam riscos diante do seu ineditismo e, consequentemente, informação limitada. Para reduzir possíveis inseguranças dos consumidores quanto a tais riscos, regulações e certificações de produtos que ingressam no mercado podem fornecer informações relevantes aos consumidores. Para avaliar como regulações desse tipo afetam a inovação e os consumidores, este estudo comparou as regulamentações da entrada de produtos e os requisitos de informação da União Europeia e dos Estados Unidos. Os resultados indicam que requisitos mais rigorosos para o ingresso no mercado podem resultar em aumento do excedente do consumidor.

  1. Problema de Política

A inovação de produtos costuma estar associada a expectativa de criação de valor aos consumidores, potencialmente aumentando o bem-estar das pessoas. No entanto, o processo de inovação envolve riscos em termos de operacionalização, custos ou até mesmo de não adesão do público, com estes podendo estar receosos quanto à segurança de novos produtos no mercado. Nesse sentido, produtos comumente passam por uma bateria de testagens antes de sua comercialização, forecendo uma forma de sinalização em relação à segurança de novos produtos por meio de aprovações e certificações (GRENNAN; TOWN, 2020).

Em mercados oligopolizados, tais preocupações podem se tornar mais latentes na medida em que os incentivos públicos e privados tendem a divergir, ensejando o estabelecimento de regulações e certificações diante de riscos à segurança dos consumidores. Atualmente, a necessidade de certificações quanto à segurança de bens e serviços é amplamente difundida em diversos mercados, como os mercados de automóveis, eletrônicos, finanças, serviços de saúde e brinquedos.

No contexto do mercado farmacêutico, a testagem de produtos fornece mais informações aos consumidores, diminuindo a incerteza quanto a segurança e eficácia de novos fármacos introduzidos no mercado. No entanto, a rotina dos procedimentos de testagem podem acabar implicando em menor disponibilidade de produtos decorrentes do atraso na entrada no mercado e de maiores custos de entrada nesse mercado. Com relação a isso, existem diferenças consideráveis entre as regulações dos mercados farmacêuticos dos Estados Unidos e da União Europeia, permitindo a identificação da relação de custo-benefício associada a regulações mais ou menos restritivas nesse mercado.

  1. Contexto de Implementação da Política

Os mercados farmacêuticos dos Estados Unidos (EUA) e da União Europeia (UE) apresentam diferenças significativas em diversos aspectos, desde o processo de regulamentação até o acesso dos consumidores aos medicamentos. Nos EUA, a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) desempenha um papel central na aprovação e regulamentação de medicamentos, exigindo ensaios clínicos rigorosos para demonstrar segurança e eficácia antes que um medicamento possa ser comercializado. Além disso, nos EUA, os medicamentos genéricos têm um caminho regulatório separado e são frequentemente introduzidos no mercado a preços mais acessíveis após a expiração das patentes dos medicamentos de marca.

Por outro lado, na União Europeia, o processo de aprovação de medicamentos é descentralizado, com cada país membro sendo responsável por sua própria agência reguladora de medicamentos. No entanto, existe um sistema de autorização centralizada para certos medicamentos, o que simplifica o processo de aprovação e permite que um medicamento seja comercializado em todos os países da UE após a aprovação pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Isso pode resultar em uma maior rapidez na disponibilização de novos medicamentos para os consumidores europeus. Adicionalmente, os medicamentos genéricos são aprovados com base em um procedimento centralizado na UE, o que pode levar a uma competição mais rápida e a preços mais baixos para os consumidores.

Outra diferença significativa entre os mercados farmacêuticos dos EUA e da UE é o sistema de precificação e reembolso. Nos EUA, o mercado de medicamentos é dominado por seguradoras privadas e programas de saúde do governo, como o Medicare e o Medicaid, que negociam diretamente com os fabricantes de medicamentos os preços e o reembolso dos medicamentos. Isso muitas vezes resulta em preços mais altos para os medicamentos nos EUA. Enquanto isso, na UE, muitos países operam sistemas de saúde financiados pelo governo que negociam preços de medicamentos em nome dos consumidores, o que pode resultar em preços mais baixos para os medicamentos, embora isso possa potencialmente restringir o acesso a medicamentos mais caros.

  1. Detalhes da Avaliação

Para identificar uma encontrar variação exógena nos regimes de provisão de informações, os autores exploraram o fato de que o processo de aprovação da UE requer testes pré-mercado menos intensivos dos fabricantes. Essa diferença resulta em um processo mais rápido e menos dispendioso do que nos EUA para qualquer dispositivo Classe III, dispositivos categorizados como “necessários para a manutenção da vida” e que necessitam de aprovação da FDA mediante a realização de testes clínicos aleatorizados.

Neste estudo, o objeto de análise foi o mercado de stents coronários, dispositivos médicos de Classe III amplamente utilizados para tratar patologias nas artérias coronárias. Os stents coronários têm sido constantemente aprimorados ao longo do tempo e com grande sucesso em termos de venda e impacto na saúde nos EUA e na UE. Os dois tipos de stents mais comuns são o metálico simples (BMS), que foi introduzido pela primeira vez nos Estados Unidos em 1994, e o eluidor de medicamentos (DES), que foi introduzido pela primeira vez nos EUA em 2003 e era revestido com um polímero e medicamento para inibir o crescimento de tecido de cicatrização.

Segundo os autores, a diferença entre as duas regiões é atribuída a processos políticos históricos que não estão correlacionados com a demanda de mercado por dispositivos Classe III. Dessa forma, é possível observar os resultados de mercado para diversos dispositivos novos que são inventados e entram na União Europeia, onde os requisitos regulatórios são menos rigorosos, bem como examinar os resultados de mercado da UE para dispositivos que estão simultaneamente passando por testes nos EUA e para aqueles que não estão passando.

O estudo empregou primariamente dados de pesquisas internas de hospitais coletados pelo MarketTrack do Millennium Research Group’s (MRG), fornecendo dados mensais sobre preços e quantidades para todos os stents coronários implantados em um grande número de hospitais nos Estados Unidos e na União Europeia de 2004 a 2013. A amostra compreendeu 494.304 observações de produto-hospital-mês entre 372 hospitais nos EUA e 416 hospitais na UE. Para capturar o período de aprovação e o tempo de mercado dos produtos nos mercados das duas regiões, foram combinadas a variação de produto-mês na participação em ensaios clínicos nos EUA com dados datas de aprovação de artigos de jornais, resumos de conferências, comunicados de imprensa e catálogos de produtos. De acordo com os dados auferidos pelos autores, 49% dos stents usados na UE estavam indisponíveis nos EUA, indicando uma grande distinção regulatória entre as duas regiões (GRENNAN; TOWN, 2020).

  1. Método

O estudo adotou diversas abordagens metodológicas ao analisar a indústria de dispositivos médicos na UE e nos EUA. Os autores iniciaram o estudo examinando os padrões na adoção, difusão e aprendizado com relação aos stents por região e status de ensaio clínico da FDA, observando o tempo desde a introdução na região para três subconjuntos de dados: os EUA, a UE para produtos em ensaios clínicos para entrar nos EUA e a UE para outros produtos. Assim, foram considerados a média e o desvio padrão de uma medida de adesão que considera a parcela regional dos produtos em relação ao número reportado de angiografias (uma medida proxy de utilidade potencial), bem como a proporçãoda de observações com nenhuma utilização de stents no nível produto-hospital. Adicionalmente, também foi realizada uma série de análises de robustez para verificar a validade dessas estimativas.

Em seguida, o estudo forneceu um modelo empírico considerando os agentes de demanda, oferta e regulação de stents. O modelo incorporou detalhes institucionais importantes dessa indústria, permitindo decompor os diversos impulsionadores da utilização do produto, traduzir padrões em medidas de bem-estar e explorar resultados de equilíbrio sob cenários contrafactuais na regulamentação de dispositivos médicos. O modelo da demanda assume que os consumidores (médicos) têm preferências heterogêneas sobre características de design e enfrentam incerteza sobre o desempenho do stent. O modelo de oferta considera o comportamento de produção e ingresso no mercado dos fabricantes de dispositivos, e como a geração de informação dos produtos impacta o bem-estar dos consumidores diante de diferentes regulações. Finalmente, o modelo também considera o comportamento dos reguladores, onde esse agente decide pelo período dos testes clínicos e pela aprovação de determinado produto considerando os ganhos esperados para a saúde, objetivando maximizar o excedente social.

O estudo apresenta um modelo de equilíbrio de oligopólio e bem-estar do consumidor para avaliar os efeitos das diferentes abordagens regulatórias na indústria de stents coronários. Ao considerar a interação entre os fabricantes, os reguladores e os consumidores, os pesquisadores conseguem derivar conclusões através de modelos Logit sobre como as políticas de teste e entrada de produtos afetam a concorrência, a qualidade dos produtos e o bem-estar geral dos consumidores. Essa abordagem permite identificar parâmetros necessários para explicar os trade-offs entre o acesso mais rápido a novos produtos e a necessidade de garantir a qualidade e segurança dos dispositivos médicos.

Por fim, o estudo emprega um algoritmo de momentos generalizados (GMM) para estimar os parâmetros do modelo e testar as relações entre os requisitos de teste, a entrada de produtos e o comportamento do mercado. A partir dos parâmetros desse modelo, os autores realizaram simulações para testar hipóteses teóricas sobre a importância dos testes clínicos considerando diversas políticas regulatórias – com períodos de testagem variando entre 0 a 5 semestres-, e o consequente valor da informação gerada por esses diferentes cenários e os trade-offs entre acesso mais amplo a produtos e a segurança do consumidor.

  1. Principais Resultados

Os resultados encontrados apresentaram evidências de efeito informacional positivo dos testes clínicos exigidos via regulação do FDA sobre o mercado da EU. Os resultados sugerem que o padrão de aumento gradual na utilização de produtos na UE, que estão em ensaios nos EUA, não é impulsionado apenas por fatores específicos do mercado ou do produto. Para os produtos da UE em ensaios nos EUA, a adesão é comparativamente menor após a introdução e aumenta gradualmente com o seu tempo no mercado, estabilizando-se após aproximadamente dois anos no mercado. Essa tendência indica que os consumidores aprendem com os ensaios nos EUA e aumentam o uso médio à medida que a incerteza é reduzida.

A análise da volatilidade e da proporção de não utilização de stents mostra que o aprendizado ocorre apenas para os produtos em ensaios nos EUA, e não para aqueles que não estão. Isso sugere que os ensaios nos EUA estão contribuindo para o aprendizado sobre a eficácia dos produtos. Os resultados sugerem que o padrão de aumento gradual na utilização de produtos na UE, que estão em ensaios nos EUA, não é impulsionado apenas por fatores específicos do mercado ou do produto. No entanto, cabe ressaltar que os resultados indicam que o aumento da informação nem sempre resulta em aumento do uso, como o caso do produto CoStar, onde os resultados finais de testes clínicos revelaram menor eficiência em comparação a produtos de tecnologias diferentes, indicando sensibilidade qualitativa às informações.

As estimativas de demanda sugeriram que os consumidores, médicos, têm preferências claras e são sensíveis aos atributos dos stents. A demanda por stents coronários é influenciada por fatores como preço, preferências de marca e adequação do stent ao paciente. Além disso, há evidências de aversão ao risco por parte dos médicos na seleção de stents, indicando a consideração de fatores além do preço na tomada de decisão.

As estimativas da variação no desempenho dos produtos indicam incerteza significativa sobre sua eficácia percebida, indicando que os consumidores enfrentam a possibilidade de que ele não atenda às expectativas. Essa incerteza é ainda mais pronunciada para os produtos exclusivos da UE. Além disso, o modelo corroborou a existência de um mecanismo de aprendizagem significativa na UE a partir de ensaios clínicos realizados nos EUA, enquanto que o aprendizado experiencial foi insignificante. Também foram identificadas evidências de ausência de aprendizado isolado em hospitais específicos, indicando que as informações sobre o desempenho do produto são compartilhadas de forma consistente entre os hospitais.

As simulações de regulações indicaram que a política regulatória ideal precisa considerar o risco de novos produtos não atenderem às expectativas de saúde. Testes clínicos, especialmente os realizados nos EUA, fornecem informações valiosas, reduzindo os riscos percebidos pelos consumidores. Por exemplo, aumentar a duração dos testes além de seis meses não resultou em ganhos significativos de bem-estar. A falta de testes pode reduzir drasticamente o mercado de stents, ressaltando a importância dos testes clínicos para orientar as escolhas dos consumidores e melhorar o bem-estar geral.

Os resultados apresentados utilizam um modelo para investigar o impacto da incerteza na qualidade dos produtos médicos, especificamente no mercado de stents cardíacos. Inicialmente, Em um cenário com ausência de testes clínicops e mantendo as estratégias das empresas constantes, o mercado de stents diminuiria pela metade. Além disso, as simulações indicaram que um aumento de 1 semestre de testes clínicos gerariam geram melhorias significativas no bem-estar dos consumidores devido à provisão de informação extra. No entanto, não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas no bem-estar para testes clínicos com duração entre 18 e 30 meses (período máximo). Por fim, as estimativas indicaram que o excedente total de bem-estar da UE reduziria-se em 6,4% caso os EUA deixassem de realizar testes clínicos com períodos mais elevados que a região europeia.

  1. Lições de Política Pública

Esse artigo verificou o impacto da incerteza na qualidade dos produtos médicos, especificamente stents coronários, e como essa incerteza influencia o comportamento dos consumidores e as políticas regulatórias. Para tal, foram examinados o papel dos testes clínicos realizados nos EUA, com uma regulação mais rígida, em comparação ao mercado na UE na redução da incerteza sobre a eficácia dos produtos e seus efeitos sobre a demanda dos consumidores.

Os resultados destacaram a importância dos testes clínicos na redução da incerteza sobre a qualidade dos produtos médicos, especialmente os stents coronários. Descobriu-se que o aumento na duração dos testes clínicos nos EUA resultou em melhorias significativas no bem-estar dos consumidores de ambas as regiões. Além disso, a falta de testes clínicos pode levar a uma redução significativa no mercado de stents coronários, destacando a importância desses testes na orientação das escolhas dos consumidores e no desenvolvimento de políticas regulatórias eficazes. Esses resultados têm implicações importantes para a formulação de políticas públicas relacionadas à regulação de produtos médicos e a suas implicações no bem-estar dos consumidores.

Referências

GRENNAN, M.; TOWN, R. J. Regulating Innovation with Uncertain Quality: Information, Risk, and Access in Medical Devices. American Economic Review, v. 110, n. 1, p. 120–161, 1 jan. 2020.