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ECONOMIA E GESTÃO.

COMO O VIÉS JUDICIAL DE GÊNERO IMPACTA OS VEREDITOS DOS JURIS?

18 out 2024

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Título original: The Persistence of the Criminal Justice Gender Gap:

Evidence from 200 Years of Judicial Decisions

Autores: Anna Bindler e Randi Hjalmarsson

Localização da Intervenção: Inglaterra

Tamanho da Amostra: 192.701 julgamentos

Setor: Economia do Setor Público

Variável de Interesse Principal: Condenações

Tipo de Intervenção: Reformas institucionais

Metodologia: OLS, DID

Resumo

O viés judicial a favor das mulheres é um tema que gera intenso debate em diversas áreas do direito, mesmo quando consideradas as características dos casos. Diferentemente de outras desigualdades de gênero, em especial a do mercado de trabalho, a percepção de que as mulheres recebem decisões mais favoráveis em tribunais levanta discussões sobre a imparcialidade do sistema judicial e o impacto de normas sociais sobre gênero nas decisões legais. Para averiguar essa dinâmica, este estudo analisou sentenças judiciais por juri em julgamentos de Londres nos últimos 200 anos. Os resultados indicaram que o mecanismo que explica essa diferença decorre de um comportamento de paternalista de discriminação baseada em preferências, onde ambientes judiciários predominantemente masculinos protegiam mulheres das punições mais severas possíveis.

  1. Problema de Política

O viés judicial a favor das mulheres é um tema que gera intenso debate em diversas áreas do direito, mesmo quando consideradas as características dos casos. De acordo com os autores, é possível observar uma discrepância entre decisões judiciais entre gêneros favorecendo mulheres ao longo de quase 200 anos de julgamentos realizados no Tribunal Criminal Central de Londres e Middlesex, conhecido como Old Bailey, entre 1715 e 1900 (BINDLER; HJALMARSSON, 2020). Padrões similares também são observados nos Estados Unidos, onde homens recebem penas 63% maiores do que mulheres em cortes federais do país, mesmo considerando características observáveis dos casos (STARR, 2015).

Em contraste com desigualdades de gênero favorecendo homens no mercado de trabalho, a percepção de que as mulheres recebem decisões mais favoráveis em tribunais levanta discussões sobre a imparcialidade do sistema judicial e o impacto de normas sociais sobre gênero nas decisões legais. Segundo os autores, essa diferença poderia ser explicada por aspectos como os tipos de crimes, formas de sanções disponíveis à época, a possibilidade de suas aplicações e/ou as preferências dos júris envolvidos nas decisões judiciais.

Nesse sentido, mudanças institucionais inerentes a todos esses aspectos sofreram modificações desde 1715, proporcionando experimentos naturais para identificar as possíveis causas da desigualdade judicial em prol das mulheres. Assim, entender o que influencia as decisões judiciais, como o gênero do réu, é importante devido aos seus impactos sociais e econômicos no réu e na sociedade.

  1. Contexto de Implementação da Política

No contexto da Inglaterra, o Old Bailey foi palco de julgamentos ao longo de quase dois séculos, refletindo mudanças sociais, demográficas e legais em Londres. Durante o século XVIII e a segunda metade do século XIX, os crimes contra a propriedade foram os mais julgados, com um aumento expressivo no número de casos durante o início dos anos 1800, provavelmente devido ao crescimento populacional e à expansão das áreas de jurisdição. No entanto, a partir de 1843, houve uma queda acentuada nos julgamentos de crimes contra a propriedade, parcialmente devido a mudanças jurisdicionais que transferiram os crimes menos graves para tribunais inferiores. Com o tempo, o perfil dos julgamentos no Old Bailey evoluiu, concentrando-se em crimes mais graves, especialmente após 1850, quando o número de julgamentos por crimes violentos e fraudes aumentou.

A composição dos casos também passou por transformações significativas ao longo do tempo. Durante o início dos anos 1700, aproximadamente 40% dos réus eram mulheres, uma proporção que diminuiu progressivamente até cerca de 10% em 1900. Essa redução foi particularmente acentuada nos casos de crimes contra a propriedade, onde a participação feminina caiu mais drasticamente. Esse comportamento foi impulsionado não só pelo aumento no número de réus masculinos, mas também pela diminuição das mulheres levadas a julgamento. Em contraste, a participação feminina em crimes violentos manteve-se relativamente estável, girando em torno de 10% ao longo dos anos. Esse fenômeno ilustra as mudanças nas práticas de acusação e na dinâmica de gênero dentro do sistema judicial da época.

No decorrer desse período, as reformas de sentenciamento no Old Bailey representaram a evolução nas políticas penais inglesas entre 1715 e 1900. Inicialmente, as sentenças eram dominadas pelo transporte de criminosos para as Américas, principalmente em casos de crimes contra a propriedade, enquanto a pena de morte era aplicada majoritariamente em crimes violentos. Com a Revolução Americana em 1776 e a subsequente perda das colônias penais, o sistema penal inglês enfrentou uma crise que levou à utilização temporária de prisões improvisadas e trabalho forçado. O transporte foi retomado com o estabelecimento de uma colônia penal na Austrália em 1786, mas nunca atingiu os níveis anteriores. A abolição gradual da pena de morte ao longo do século XIX e o crescimento das sentenças de prisão marcaram a transição para um regime em que o encarceramento se tornou a sanção predominante para a maioria dos crimes. A substituição do transporte pela prisão e a redução da aplicação da pena de morte implicaram em mudanças significativas no sistema de justiça criminal inglês durante esse período, afetando não só as sanções aplicadas, mas a composição do gênero dos julgados.

  1. Detalhes da Avaliação

Os vereditos dos júris na corte de Old Bailey permitiam que os jurados condenassem o réu pela acusação original, por uma acusação menos grave, ou o absolvessem. De maneira geral, a condenação por uma acusação menos grave era mais comum em crimes contra a propriedade, onde o valor do bem influenciava a gravidade do crime, do que em crimes violentos. Durante o século XVIII, a taxa de condenação manteve-se estável em cerca de 60%, com uma taxa de condenação ligeiramente maior para crimes contra a propriedade em comparação com crimes violentos. No século XIX, houve um aumento geral nas taxas de condenação pelos júris, especialmente após a abolição da pena de morte para determinados crimes, o que influenciou a decisão dos júris, particularmente em relação às mulheres.

As diferenças de gênero nos vereditos ao longo dos 200 anos estudados revelaram uma diferença significativa entre as taxas de condenação de homens e mulheres. Em todas as categorias de crimes, a taxa de condenação dos homens era entre 4 e 13 pontos percentuais (p.p.) maior do que a das mulheres. Essa diferença foi mais acentuada no século XVIII, diminuindo ao longo da primeira metade do século XIX, mas voltando a aumentar no final do século. As reformas nas sentenças, como a abolição da pena de morte e a introdução da presunção de inocência, tiveram impactos diferentes nas condenações de homens e mulheres, com as condenações femininas sendo mais sensíveis a essas mudanças.

Para avaliar como a desigualdade de vereditos entre os sexos se manifestou ao longo do período, o estudo baseou-se em uma extensa base de dados extraída dos registros do Old Bailey, abrangendo cerca de 192.701 julgamentos entre 1715 e 1900. A amostra incluiu 23 tipos detalhados de crimes, categorizados como contra a propriedade, violentos, fraudes ou outros, excluindo crimes específicos de gênero, como estupro e infanticídio. Os dados consideraram vereditos, histórico criminal dos réus, e elegibilidade para pena capital. Em virtude das mudanças jurídicas provocadas pelas reformas institucionais, os dados consideraram o conjunto de sentenças possíveis ao longo dos períodos analisados. Aproximadamente 23% dos casos envolviam réus do sexo feminino, e as principais sentenças ao longo do período incluíam morte, transporte para colônias penais, prisão e punição corporal.

  1. Método

Para estimar as diferenças de gênero nas condenações judiciais, a primeira análise utilizou o método de regressão de Mínimos Quadrados Ordinários (OLS) ajustado para controlar tanto para características observáveis quanto para proxies de não observáveis. Inicialmente, foi avaliado se as diferenças de gênero nos vereditos e sentenças poderiam ser explicadas pela distribuição de crimes e características dos casos entre homens e mulheres. Foram incluídas variáveis observáveis como o número de réus, o tipo detalhado de crime, a elegibilidade para pena capital e efeitos fixos de ano, para capturar características não observáveis comuns a todos os réus. Em seguida, foram considerados subgrupos de dados com informações adicionais disponíveis, utilizando o número de palavras por julgamento como proxy para variáveis não observáveis, procurando controlar para fatores não observáveis dos casos que poderiam influenciar as diferenças de gênero observadas.

Os autores também realizaram análises considerando possíveis vieses relacionados à composição do júri e à condição matrimonial das mulheres, conhecida como "girlfriend theory." Para investigar o impacto da composição do júri, foram estimadas diferenças de gênero nas condenações dentro do mesmo júri e nas decisões de sentenças dentro do mesmo juiz, utilizando dados disponíveis entre 1751 e 1822. Além disso, foi testada a hipótese de que mulheres casadas poderiam ser tratadas de forma mais leniente por serem vistas como menos responsáveis por crimes, indicando um viés paternalista dos júris.

Adicionalmente, realizou-se uma análise a partir do método de diferença em diferenças (DID) para investigar o impacto das reformas de punições após a Revolução Americana e as subsequentes mudanças nos regimes de punição, incluindo a introdução de prisões e a retomada do transporte de prisioneiros para a Austrália. Assim, foram estimadas interações entre as variáveis de gênero e os períodos de mudança, permitindo a identificação de variações nas diferenças de gênero em resposta às novas condições punitivas. O estudo examinou como essas mudanças afetaram as diferenças de gênero em condenações e sentenças, considerando três variáveis de resultado de condenação e quatro de sentença.

O estudo também apresentou uma análise via método de DID para avaliar os efeitos da abolição da pena de morte e do transporte como punições, bem como a influência da qualidade das evidências sobre as condenações. Primeiro, a abolição da punição capital foi examinada, revelando como essa mudança impactou as taxas de condenação, especialmente em crimes violentos e de propriedade, com uma análise focada em como esses efeitos variaram entre homens e mulheres. Em seguida, o estudo abordou a abolição do transporte em 1853, investigando se a reforma teve impactos diferentes sobre as taxas de condenação e sentenças para homens e mulheres, considerando as dinâmicas de reformas anteriores e a composição dos casos. Por fim, foi analisada a qualidade das evidências nos casos, com foco em como o número de testemunhas influenciou as condenações, sugerindo um possível viés de discriminação baseado em preferências.

  1. Principais Resultados

Os resultados indicaram que a diferença de gênero nas condenações não foi explicada por variáveis observáveis nem por variáveis não observáveis além dos gêneros. Os modelos ajustados para variáveis observáveis mostraram que a diferença de gênero permaneceu consistente ao longo do tempo, sugerindo que as características dos casos não explicaram a disparidade nas condenações entre homens e mulheres. Adicionalmente, ao incorporar o número de palavras por julgamento como proxy para características não observáveis dos casos, os resultados mantiveram-se inalterados, sugerindo que fatores não observáveis também não justificaram essa diferença. Contudo, os autores destacaram que não foi possível descartar completamente a possibilidade de vieses decorrentes de variáveis omitidas.

Com relação aos resultados das análises sobre os vieses associados à composição do júri e à condição matrimonial das mulheres, os resultados identificados não explicaram as disparidades de gênero nas condenações. Ao controlar os efeitos fixos de juízes e jurados, as diferenças de gênero nos resultados de condenação e sentenciamento permaneceram similares, indicando que a leniência não estava relacionada a esses fatores. Em relação à "teoria da namorada," a análise dos dados do Old Bailey revelou que a condição de esposa ou mãe não foi o principal fator para a diferença de gênero observada. As diferenças de gênero permaneceram mesmo em casos de réus individuais, e as menções a filhos nos julgamentos foram limitadas, sugerindo pouca influência desses fatores nos vereditos.

As análises sobre os impactos de reformas institucionais revelaram que, após a Revolução Americana e as mudanças nos regimes de punição, as disparidades de gênero nas condenações e sentenças foram afetadas, mas não eliminadas. Embora essa diferença tenha diminuído com o surgimento das prisões como opção de punição, as mulheres continuaram sendo menos condenadas pela acusação original e mais propensas a receber uma condenação menor por uma acusação. Durante o período pós-guerra, as mulheres foram sentenciadas à prisão com maior frequência e menos sujeitas a punições corporais, indicando uma proteção qualitativa nas punições aplicadas.

As análises sobre as abolições de penas revelaram que a abolição da pena capital aumentou as chances de condenação para crimes violentos e crimes contra a propriedade, mas reduziu a diferença de gênero nas condenações para crimes violentos. No entanto, a diferença de gênero nas sentenças de morte foi completamente eliminada após a abolição. Em relação à abolição do transporte como punição, observou-se um aumento significativo nas sentenças de prisão, com mulheres sendo mais propensas a receber sentenças de prisão antes de 1853, mas menos propensas após a abolição. Quanto às condenações considerando evidências qualitativas, observou-se que as mulheres precisavam de mais testemunhas contra elas para atingir taxas de condenação semelhantes às dos homens. Esse resultado sugere uma discriminação de gênero por parte dos jurados, embora os autores não sejam conclusivos quanto a origem da discriminação (preferências ou estatística).

  1. Lições de Política Pública

Neste artigo, os autores investigaram a desigualdade de condenações entre gêneros no tribunal de Londres Old Bailey ao longo dos séculos XVIII e XIX, analisando como características institucionais e dos casos influenciaram essas disparidades. Os resultados indicaram que, mesmo após o controle por características dos casos, institucionais e da composição do júri, as mulheres apresentaram taxas de condenação mais baixas em comparação aos homens. Além disso, a análise revelou que a abolição da punição capital e outras reformas na pena afetaram de maneira diferenciada as condenações entre os gêneros, demonstrando que a proteção a réus mulheres se intensificou ao longo do tempo.

As evidências deste artigo auxiliam na compreensão dos fatores que contribuem para a desigualdade de gênero nas condenações, fornecendo informações para formuladores de políticas públicas. Assim, a consideração do arcabouço institucional e a mitigação de vieses têm o potencial de promover um sistema de justiça mais equilibrado e justo em relação às disparidades de gênero nas condenações.

Referências

BINDLER, A.; HJALMARSSON, R. The Persistence of the Criminal Justice Gender Gap: Evidence from 200 Years of Judicial Decisions. The Journal of Law and Economics, v. 63, n. 2, p. 297–339, 1 maio 2020.

STARR, S. B. Estimating Gender Disparities in Federal Criminal Cases. American Law and Economics Review, v. 17, n. 1, p. 127–159, 1 mar. 2015.