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ECONOMIA E GESTÃO.

COMO A COMUNICAÇÃO DO BANCO CENTRAL AFETA AS EXPECTATIVAS DO MERCADO?

31 maio 2024

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Título original: Policy Language and Information Effects in the Early Days of Federal Reserve Forward Guidance

Autor: Kurt G. Lunsford

Localização da Intervenção: EUA

Tamanho da Amostra: 51 reuniões

Setor: Economia Política

Variável de Interesse Principal: Expectativas

Tipo de Intervenção: Comunicação do Banco Central

Metodologia: Estudo de eventos

Resumo

Os agentes levam em consideração diversas informações para formularem as suas expectativas com relação ao desempenho da economia. O Banco Central desempenha um papel crucial na provisão de informações para os agentes, indicando ambientes otimistas ou pessimistas para o futuro. Para compreender o papel do Banco Central dos Estados Unidos (FED) no estabelecimento de expectativas dos agentes, este artigo analisou como a linguagem de orientação futura (forward guidance) do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) do FED entre 2000 e 2006 moldou as expectativas do setor privado em relação à perspectiva de política monetária. As evidências encontradas indicaram que a orientação futura que enfatiza os riscos para as perspectivas econômicas causa efeitos de informação mais fortes do que a orientação futura que enfatiza as inclinações de política.

  1. Problema de Política

De acordo com a teoria macroeconômica padrão, a orientação futura modula as expectativas dos agentes privados, consequentemente influenciando as condições econômicas atuais. Paralelamente, a atuação dos bancos centrais tem grande peso na expectativa dos agentes da economia (LUNSFORD, 2020). Os bancos centrais têm utilizado cada vez mais a orientação futura como uma ferramenta de política, comumente chamada de forward guidance. No Banco Central dos Estados Unidos (Federal Reserve – FED), essa comunicação é responsabilidade do Comitê Federal de Mercado Aberto (Federal Open Market Committee’s – FOMC). A orientação futura estabelece uma comunicação sobre o provável curso futuro das taxas de juros e das condições econômicas.

Em termos práticos, Eggertsson e Woodford (2003) descreve que todo o caminho das taxas de juros futuras esperadas influencia a atividade econômica atual e que a redução deste caminho é expansionista. Somada às evidências de que costuma apresentar previsões de inflação melhores do que os previsores privados (ROMER; ROMER, 2000), indicando essa assimetria de informação como uma fricção econômica importante, a orientação futura do FED tem sido interpretada como mudanças futuras na regra de política do banco central que são anunciadas no presente. Dada sua importância, é crucial entender os efeitos da orientação futura sobre as expectativas dos agentes econômicos.

  1. Contexto de Implementação da Política

O FOMC tem utilizado diferentes abordagens na linguagem de orientação futura para influenciar as expectativas do setor privado. De fevereiro de 2000 a junho de 2003, as declarações do FOMC focavam nos “riscos de pressões inflacionárias aumentadas ou fraqueza econômica no futuro próximo,” sem mencionar diretamente as inclinações futuras de política monetária. Dessa forma, essa forma de comunicação fornecia apenas uma perspectiva econômica, sem comprometer a política futura.

Contudo, a partir de 12 de agosto de 2003, o FOMC mudou sua abordagem ao afirmar que “a acomodação política pode ser mantida por um período considerável,” introduzindo uma linguagem direta sobre as inclinações futuras de política, que se manteve até maio de 2006. Esta nova abordagem, conhecida como orientação baseada na "inclinação da política", poderia alterar a forma como o setor privado interpreta as declarações do FOMC. Em vez de apenas fornecer uma perspectiva sobre as condições econômicas, a nova linguagem poderia ser vista como um compromisso com estímulos monetários futuros. Tal mudança poderia resultar em efeitos da orientação futura distintos, tornando os efeitos padrão mais predominantes e os efeitos de informação menos relevantes.

  1. Detalhes da Avaliação

A partir da reunião de fevereiro de 2000, o Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) passou a fornecer orientação futura sobre os riscos econômicos, abrangendo um período além da próxima reunião. Este novo formato de comunicação foi anunciado em janeiro de 2000 e focava exclusivamente nas condições econômicas, evitando menções às inclinações de política futura. As atas da reunião de dezembro de 1999 ressaltam essa ausência de referências a ações políticas futuras. O autor ressalta que a partir de fevereiro de 2000, qualquer referência a ações políticas futuras era considerado importante, evitando a manifestação de qualquer sinal direto sobre a política monetária considerada (LUNSFORD, 2020). Assim, a orientação futura fornecida pelo FOMC nesse período continha apenas aspectos relacionados à perspectiva econômica. As expectativas do setor privado sobre a taxa dos fundos federais deveriam ser endógenas à comunicação da perspectiva do FOMC e baseadas em sua função de reação passada, sem anúncios de mudanças na regra de política futura.

Em 12 de agosto de 2003, o FOMC introduziu uma mudança significativa ao afirmar que “a acomodação política pode ser mantida por um período considerável”, a primeira vez que se referiu diretamente a inclinações políticas futuras. Esta mudança foi feita para indicar um desvio da prática anterior, conforme mencionado nas atas da reunião, onde se destacava a intenção de manter a política acomodatícia por mais tempo do que em períodos passados de atividade econômica acelerada. As reuniões subsequentes reforçaram esta mudança, com declarações que indicavam um compromisso semitradicional com a política e a manipulação de expectativas como ferramenta principal, especialmente quando próximos ao limite inferior zero.

A linguagem de “período considerável” começou como uma política não tradicional para apoiar a economia, mas a orientação sobre a inclinação política evoluiu com o fortalecimento da economia. Em janeiro de 2004, o FOMC afirmou que poderia ser paciente na remoção da acomodação política. Dois meses depois, em maio do mesmo ano, o comitê sinalizou que a remoção poderia ser gradual. Com o tempo, as declarações começaram a incluir a possibilidade de mais ajustes conforme necessário, vinculando esses ajustes à evolução das perspectivas de inflação e crescimento econômico. Esta abordagem foi mantida até maio de 2006, quando a orientação específica sobre as taxas de juros foi retirada, levando ao fim do período analisado.

  1. Método

Para mensurar o impacto das reuniões do FOMC sobre as expectativas do agentes, o estudo considera a medida da trajetória taxa de fundos federais esperada após a sua ocorrência para estimar a um parâmetro de surpresa da taxa de fundos federais. O período de análise considera todas reuniões do FOMC entre fevereiro de 2000 e maio de 2006. Para a estimação do parâmetro de surpresa resultante de cada reunião, considerou-se o horizonte de tempo entre 10 minutos antes e 20 minutos após as reuniões para a manifestação das expectativas das taxas futuras dos agentes mediante os preços de ativos do mercado.

O parâmetro de surpresa da taxa de fundos federais foi utilizada para estimar um modelo de estudo de eventos para identificar o efeito da orientação futura em variáveis financeiras e macroeconômicas conjuntamente com o efeito da taxa de fundos federais corrente. Para tal, foram criados dois choques de política ortogonalizados: uma surpresa na taxa atual dos fundos federais e uma surpresa na orientação futura. O choque na orientação futura é estimado em duas etapas: primeiro, medindo a mudança no caminho esperado da taxa dos fundos federais, e segundo, regredindo essa mudança na taxa atual dos fundos federais. Todas as análises foram realizadas considerando três períodos: de fevereiro de 2000 a maio de 2006, de fevereiro de 2000 a junho de 2003, e de agosto de 2003 a maio de 2006.

As variáveis financeiras consideradas foram o logaritmo dos resultados do S&P 500, o índice de volatilidade VIX, os rendimentos do título do Tesouro dos Estados Unidos, prêmios de prazo, e expectativas do caminho futuro das taxas nominais de curto prazo. Adicionalmente, observou-se o impacto sobre o consenso das previsões da Blue Chips Economic Indicators – uma coleção de previsões macroeconômicas dos Estados Unidos. Também foram considerados os rendimentos de títulos corporativos, das taxas de MBS (títulos lastreados em hipotecas), dos spreads de títulos corporativos e hipotecas. Por fim, verificou-se o impacto em diversos indicadores macroeconômicos: o crescimento real das despesas de consumo pessoal (PCE), a inflação medida pelo IPC, as variações na taxa de desemprego e o crescimento da produção industrial (IP).

  1. Principais Resultados

Os resultados referentes à bolsa mostraram que um aumento na taxa atual dos fundos federais provocaram queda nos preços das ações e aumento na volatilidade esperada (VIX). No entanto, esses efeitos não são estatisticamente significativos quando considerado apenas o período de agosto de 2003 a maio de 2006. Contudo, de fevereiro de 2000 a junho de 2003, um aumento no caminho da taxa dos fundos federais incorreu em um grande aumento nos preços das ações, o que é consistente com os investidores revisando suas próprias perspectivas econômicas como resultado da orientação futura baseada na perspectiva econômica. Segundo o autor, a adição de linguagem de inclinação de política em agosto de 2003 reduziu a magnitude das surpresas na taxa atual dos fundos federais. Tais resultados estão em consonância com os encontrados para as previsões da Blue Chip.

Com relação às variáveis de resultado associadas ao tesouro durante os períodos de 2000 a 2003 e de 2000 a 2006, mudanças inesperadas na taxa atual dos fundos federais tiveram um efeito economicamente pequeno e estatisticamente insignificante nos rendimentos dos treasuries de vários anos. No entanto, de 2003 a 2006, as mudanças na orientação futura apresentaram grandes efeitos na curva de rendimentos. Em relação aos prêmios de prazo, os resultados mostraram que os prêmios de prazo apresentaram reduções em horizontes mais longos para a amostra do período de 2000 a 2003 e elevações em horizontes curtos para a amostra do período de 2003 a 2006. Os resultados da análise do caminho esperado das taxas de curto prazo revelaram maior sensibilidade à orientação futura a partir de 2003 em comparação com o período anterior, assim como os resultados para custos de crédito privado.

Referente aos indicadores macroeconômicos, um aumento na taxa dos fundos federais levou a resultados inesperados, como aumento da inflação e diminuição do desemprego, indicando um impulsionamento de confiança no mercado durante o período de 2000 a 2003. No período de 2003 a 2006, a modificação da linguagem na orientação futura resultou em uma desaceleração econômica esperada, com queda no crescimento do PCE, aumento do desemprego e crescimento negativo da produção industrial, enquanto a inflação não respondeu significativamente.

  1. Lições de Política Pública

Este artigo analisou como a natureza da linguagem de orientação futura do FOMC do FED influencia as respostas do setor privado às declarações de política monetária. Foram estudadas as respostas do setor privado às declarações do FOMC de fevereiro de 2000 a maio de 2006, comparando dois períodos: fevereiro de 2000 a junho de 2003, focado nas perspectivas econômicas, e agosto de 2003 a maio de 2006, com a inclusão da linguagem de inclinação de política.

Os resultados mostraram que a orientação futura que enfatiza os riscos para as perspectivas econômicas causa efeitos de informação mais fortes do que a orientação futura que enfatiza as inclinações de política. No período inicial (2000-2003), a orientação futura focada nas perspectivas econômicas teve fortes efeitos informativos, levando a revisões positivas nas expectativas dos participantes do mercado e a melhorias nas condições econômicas. No período posterior (2003-2006), com a inclusão da linguagem de inclinação de política, prevaleceram os efeitos teóricos padrão da orientação futura, resultando em revisões negativas das expectativas e piora das condições econômicas. Essas evidências destacam a importância da clareza e da estratégia na comunicação de políticas monetárias, sugerindo que a forma como o FOMC comunica suas intenções pode influenciar significativamente as expectativas e, consequentemente, as condições econômicas.

Referências

EGGERTSSON, G. B.; WOODFORD, M. The Zero Bound on Interest Rates and Optimal Monetary Policy. Brookings Papers on Economic Activity, v. 1, p. 139–211, 2003.

LUNSFORD, K. G. Policy Language and Information Effects in the Early Days of Federal Reserve Forward Guidance. American Economic Review, v. 110, n. 9, p. 2899–2934, 1 set. 2020.

ROMER, C. D.; ROMER, D. H. Federal Reserve Information and the Behavior of Interest Rates. American Economic Review, v. 90, n. 3, p. 429–457, 1 jun. 2000.