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ECONOMIA E GESTÃO.

QUAIS OS IMPACTOS DA EXPANSÃO DO SUBSÍDIO EM SEGUROS DE SAÚDE NA MORTALIDADE DA POPULAÇÃO?

23 ago 2024

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Autores: Sarah Miller, Norman Johnson e Laura R. Wherry

Título original: Medicaid and Mortality: New Evidence from Linked Survey and Administrative Data

Localização da Intervenção: Estados Unidos

Tamanho da Amostra: 566.000 indivíduos

Setor: Economia da Saúde

Variável de Interesse Principal: Mortalidade

Tipo de Intervenção: Elegibilidade de seguro de saúde

Metodologia: Diferença em Diferenças, Estudo de Eventos

Resumo

A relação entre seguros de saúde e mortalidade ainda é um tema amplamente discutido no ramo da economia da saúde. Nos Estados Unidos, o programa Medicaid possibilita o acesso a seguros de saúde para as populações mais pobres, havendo heterogeneidade em relação à condução do programa entre os entes federativos do país. Com objetivo de avaliar a efetividade do Medicaid, este estudo objetivou avaliar como o aumento nas matrículas no programa após a sua expansão impactou a mortalidade de indivíduos idosos, além de identificar os grupos de adultos mais suscetíveis a se beneficiarem do programa. Os resultados identificados revelaram que indivíduos de estados que experimentaram a expansão da elegibilidade do programa aumentaram a cobertura do seguro de saúde e reduziram a taxa anual de mortalidade em aproximadamente 10%.

  1. Problema de Política

A relação entre seguros de saúde e mortalidade é um tema constantemente debatido na literatura da economia da saúde. Nesse contexto, as condições socioeconômicas desempenham um papel crítico no acesso a serviços de saúde, estes majoritariamente assistidos por seguros de saúde. Como consequência, indivíduos com renda próxima ao nível federal de pobreza dos Estados Unidos (FPL) apresentam uma taxa de mortalidade quatro vezes maior do que indivíduos com rendimentos quatro vezes acima do FPL.

Nos Estados Unidos, o Medicaid é o principal programa de saúde em nível federal, dispondo de critérios de elegibilidade para os beneficiados e tendo como objetivo ampliar o acesso a serviços de saúde para a faixa da população mais pobre do país. Com o objetivo de ampliar a cobertura do seguro de saúde, a lei federal Affordable Care Act (ACA) foi promulgada em 2010, expandindo a cobertura de seguros de saúde para indivíduos de vários estados.  Nesse sentido, dimensionar o impacto da expansão da cobertura de seguros de saúde sobre a mortalidade da população afetada é fundamental para aprimorar a efetividade de políticas de saúde.

  1. Contexto de Implementação da Política

A expansão da elegibilidade para o Medicaid através do ACA desempenhou um papel crucial na redução das disparidades de saúde nos Estados Unidos, marcando a maior ampliação de cobertura de seguro de saúde desde a criação do Medicare e Medicaid em 1965. Desde a implementação do ACA, mais de 20 milhões de pessoas obtiveram cobertura, com a maioria sendo adultos de baixa renda que recebem assistência através do Medicaid.

De acordo com os autores (MILLER; JOHNSON; WHERRY, 2021), a literatura relacionada apresenta evidências que essa expansão melhorou significativamente o acesso a cuidados médicos eficazes que, de outra forma, os beneficiários não teriam, incluindo medicamentos que reduzem a mortalidade, diagnóstico e tratamento precoce de cânceres tratáveis, além de visitas a hospitais e departamentos de emergência para condições que requerem cuidados imediatos.

Em 2014, a expansão do Medicaid pelo ACA incluiu todos os adultos de famílias com rendimentos abaixo de 138% do FPL, ampliando a cobertura que antes era restrita a mulheres grávidas, adultos com deficiências e pais de renda muito baixa. A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em 2012 tornou a expansão opcional para os estados, resultando em apenas 29 estados e o Distrito de Columbia adotando a medida em 2014, com mais sete estados aderindo nos anos seguintes. Essa adoção por parte dos estados representou uma expansão histórica na cobertura de seguro, com cerca de 13,6 milhões de adultos ganhando cobertura do Medicaid sob o ACA.

  1. Detalhes da Avaliação

Para realizar a análise, o estudo vinculou indivíduos a partir de três fontes de dados diferentes. Primeiramente, utilizou dados restritos das ondas de 2008 a 2013 da American Community Survey (ACS). Os respondentes selecionados foram aqueles que, com base em suas características pré-ACA, provavelmente se beneficiariam das expansões do Medicaid pelo ACA. Assim, considerou-se apenas indivíduos em famílias com renda igual ou inferior a 138% do FPL ou que possuem menos do que um diploma de ensino médio. Este último critério é utilizado para identificar indivíduos de baixo status socioeconômico que podem não atender ao limite de renda no momento da entrevista da ACS.

A análise principal restringiu-se a indivíduos com idades entre 55 e 64 anos em 2014, faixa etária com taxas de mortalidade relativamente altas. Residentes de quatro estados e do Distrito de Columbia, que expandiram o Medicaid para adultos de baixa renda antes de 2014, também foram excluídos. No total, aproximadamente 566.000 respondentes atenderam aos critérios da amostra principal. Em seguida, esses dados são vinculados ao arquivo Numident do Censo. O arquivo Numident do Censo é derivado do arquivo de Identificação Numérica da SSA, que inclui informações sobre data e condado de nascimento e data de morte para indivíduos com um número de seguridade social. A taxa de mortalidade anual é de cerca de 1,4% para a amostra em média, e aproximadamente 1,3% entre os respondentes nos estados de expansão no ano anterior à expansão.

  1. Método

Como estratégia empírica, o estudo adotou um modelo de Estudo de Eventos para avaliar a evolução dos resultados relativos entre os estados que experimentaram a expansão da elegibilidade do Medicaid em comparação aos outros estados. Tal modelo permite controlar efeitos fixos das tendências dos estados e nacional, identificando efeitos temporais heterogêneos da expansão do ACA associados a cada período anterior e posterior à intervenção. As observações foram estabelecidas no nível do indivíduo-período. As variáveis de resultado consideradas identificaram o óbito e a cobertura dos indivíduos através de diversas medidas em determinado período (ano). A variável de interesse da intervenção identificou a ocorrência de expansão no estado dos indivíduos no respectivo período. Todas as análises consideraram pesos amostrais do ACS e os erros robustos foram agrupados no nível dos estados.

Além disso, foi adotado o método de Diferenças em Diferenças (DD) para estimar o efeito das expansões do Medicaid após a implementação do ACA. A análise substitui os indicadores de estudo de eventos por uma única variável que denota estados com expansão durante o período pós-implementação. Este indicador identifica a intervenção a partir do ano de expansão para cada estado. A amostra fixa, composta por adultos de 55 a 64 anos em 2014, envelhece ao longo do tempo, resultando em taxas de mortalidade crescentes. O método de DD considera a trajetória de mortalidade desse grupo e constrói uma taxa "contrafactual" para estados de expansão, ajustando tanto pelo envelhecimento da amostra quanto pela redução de mortalidade devido à cobertura expandida do Medicaid.

  1. Principais Resultados

Os resultados da expansão do Medicaid pelo ACA mostraram aumentos significativos na elegibilidade e cobertura de seguros para os indivíduos dos estados afetados. Os indivíduos desses estados experimentaram aumentos significativos na elegibilidade para o Medicaid, inscrições no programa e cobertura de seguro saúde em comparação aos estados que não expandiram. A probabilidade de um indivíduo estar inscrito no Medicaid aumentou em 12,8 pontos percentuais (p.p.), enquanto a falta de seguro diminuiu em 4,4 p.p.. Esses efeitos foram substancialmente maiores do que os observados em estudos anteriores, indicando que os os indivíduos de baixa renda e com menos escolaridade foram os mais afetados pela expansão, dado o critério de seleção considerado neste estudo.

Com relação à utilização intensiva do Medicaid, as estimativas identificadas revelaram aumento no número de dias e anos acumulados de cobertura do programa. Indivíduos nos estados de expansão experimentaram em média 43 dias adicionais de inscrição no Medicaid por ano em comparação com aqueles em estados sem expansão. Quando acumulados, isso resultou em um aumento significativo de 0,38 anos adicionais de cobertura do Medicaid, chegando a aproximadamente 0,67 anos adicionais ao final do período de estudo. Esses resultados destacaram como a expansão do Medicaid pelo ACA não apenas aumentou a elegibilidade e cobertura imediata, mas também promoveu uma maior exposição e benefícios contínuos ao longo do tempo para os indivíduos cobertos.

Referente à mortalidade, os resultados da expansão do Medicaid pelo ACA revelaram uma redução significativa entre os indivíduos dos estados afetados. Antes da expansão, as taxas de mortalidade eram semelhantes entre os estados com e sem expansão. No entanto, a partir do primeiro ano da expansão, observou-se uma queda significativa na mortalidade nos estados de expansão em comparação aos não expansionistas. A probabilidade de mortalidade anual diminuiu em 0,089 p.p. no primeiro ano, mais de 0,1 p.p. nos anos seguintes, e 0,208 p.p. no terceiro ano. Essas reduções na mortalidade foram estatisticamente significativas e indicaram um impacto crescente ao longo do tempo. Em média, a expansão resultou em uma redução de 0,132 p.p. na mortalidade anual, representando uma diminuição de cerca de 9,4% em relação à média da amostra. A análise também revelou que a mortalidade devido a causas internas e fatores de saúde controláveis apresentou uma redução significativa, enquanto as mortes por causas externas não sofreram alteração significativa.

  1. Lições de Política Pública

Este artigo avaliou como a expansão do Medicaid pelo ACA afetou a cobertura de seguro de saúde e a mortalidade. Os estimativas identificadas indicaram que os estados que expandiram o Medicaid tiveram um aumento significativo na elegibilidade e na cobertura e utilização do programa, tanto na margem extensiva quanto intensiva. Além disso, os resultados revelaram uma redução na mortalidade. Especificamente, observou-se uma diminuição relevante na probabilidade de mortalidade anual, com os efeitos se intensificando ao longo dos anos. A análise também revelou que a redução na mortalidade foi mais pronunciada para causas de morte tratáveis com cuidados de saúde, enquanto as mortes por causas externas não sofreram mudanças significativas.

Os resultados deste artigo ajudam a identificar os impactos positivos da expansão do Medicaid sobre a saúde dos beneficiários, fornecendo informações úteis para os formuladores de políticas públicas que buscam ampliar a cobertura de saúde de populações socioeconomicamente vulneráveis e reduzir a mortalidade. Essas evidências ressaltam que políticas de ampliação do acesso ao Medicaid  podem ter um grande potencial na melhoria da saúde da população sem acesso a tais serviços.

Referências

MILLER, S.; JOHNSON, N.; WHERRY, L. R. Medicaid and Mortality: New Evidence From Linked Survey and Administrative Data. The Quarterly Journal of Economics, v. 136, n. 3, p. 1783–1829, 30 jun. 2021.