Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Autor: Peter Hinrichs
Título original: Affirmative Action and Racial Segregation
Localização da Intervenção: Estados Unidos
Tamanho da Amostra: 2.068 estados-ano
Setor: Economia da Educação
Variável de Interesse Principal: Segregação racial em faculdades
Tipo de Intervenção: Remoção de ações afirmativas
Metodologia: OLS, Estudo de Eventos
Resumo
Diante das desigualdades raciais presentes nos Estados Unidos, as disparidades no acesso ao ensino superior entre brancos e minorias fazem parte desse contexto. As ações afirmativas foram concebidas com o intuito de reduzir essas diferenças historicamente estabelecidas dentro do ambiente das faculdades no país. Este estudo analisou como as proibições estaduais das ações afirmativas em faculdades em períodos distintos afetou a segregação racial nesses institutos de ensino. Os resultados indicaram que as proibições de ações afirmativas aumentaram a segregação entre faculdades em alguns casos, mas a reduziram em outros. Especificamente, as primeiras proibições de ações afirmativas em estados com universidades públicas altamente seletivas foram associadas a menor segregação, enquanto as proibições mais recentes estiveram associadas a maior segregação.
As ações afirmativas foram políticas idealizadas com o objetivo de elevar a matrícula de minorias no ensino superior, tendo a sua implementação sido difundida nos Estados Unidos no decorrer das décadas de 1960 e 1970. No contexto dos Estados Unidos, essas políticas foram idealizadas objetivando reduzir diferenças historicamente estabelecidas dentro do ambiente das faculdades no país (HINRICHS, 2020). Recentemente, as ações afirmativas têm sido defendidas em virtude dos ganhos educacionais advindos do aumento da diversidade nos ambientes acadêmicos, argumento respaldado pela Suprema Corte ao julgá-la constitucional.
No entanto, em anos recentes, vários estados no país cessaram o emprego de ações afirmativas em suas universidades públicas, decorrentes de decisões de votação direta, ações legislativas e ordens executivas de diferentes estados. Como resultado, diversos estudos identificaram que a descontinuidade das ações afirmativas provocaram o ingresso de minorias em faculdades seletivas, porém não reduziram a participação de minorias em geral.
A remoção de ações afirmativas pode ter efeitos diversos na interação entre raças no ensino superior. Se o fim dessas políticas reduzir a matrícula de minorias em instituições mais seletivas, os estudantes deslocados podem ser redistribuídos para universidades com alta ou baixa concentração de minorias (ARCIDIACONO; AUCEJO; HOTZ, 2016; REARDON; BAKER; KLASIK, 2012). Assim, é relevante compreender como essa redistribuição afeta o panorama geral das universidades, pois o impacto não está apenas na diversidade de uma instituição, mas na interação racial em todo o sistema de ensino superior.
Considerando a aplicação ou descontinuidade de ações afirmativas, a distribuição de minorias em faculdades varia conforme o nível de seletividade das instituições. A relação entre a proporção de estudantes de minorias e a seletividade das faculdades não segue um padrão fixo, sendo influenciada por vários fatores, incluindo a presença ou ausência de políticas de ação afirmativa. Faculdades mais seletivas tendem a ter menor representação de estudantes de minorias, principalmente em estados onde as ações afirmativas foram proibidas. Sem essas políticas, é provável que as minorias sejam deslocadas de instituições de alta seletividade para faculdades menos seletivas. No entanto, esse deslocamento pode ocorrer de maneira diferente dependendo do nível da faculdade, com minorias sendo realocadas para instituições de médio porte ou menos seletivas, que anteriormente tinham pouca representação de minorias.
Os efeitos das ações afirmativas sobre a segregação racial entre faculdades são ambíguos. A proibição dessas políticas pode aumentar a segregação, ao deslocar minorias para instituições já segregadas, ou reduzir a segregação, se os estudantes forem redistribuídos para faculdades que antes tinham pouca diversidade racial. Além disso, há cenários em que essas mudanças não afetam significativamente a segregação, uma vez que deslocamentos que aumentam a segregação podem ser compensados por aqueles que a diminuem.
Nesse sentido, analisar o impacto das ações afirmativas sobre a segregação requer dados detalhados sobre a composição racial de cada faculdade, pois mudanças na composição racial média das instituições não captam necessariamente a segregação real entre elas. Ao mesmo tempo que os impactos do banimento de ações afirmativas podem não apresentar efeitos significativos na representação de minorias nas universidades em geral, as composições entre as universidades podem mudar drasticamente. Especialmente quando considerada a qualidade das instituições, os autores argumentam a existência de uma relação em forma de U entre a qualidade das faculdades e a representação de minorias: ações afirmativas promovem uma distribuição com maior concentração de minorias em instituições mais e menos seletivas. Assim, os resultados variam conforme as dinâmicas de redistribuição dos alunos e os retornos das faculdades.
O estudo utilizou dados do Integrated Postsecondary Education Data System (IPEDS), um conjunto de dados sobre instituições de ensino superior, coletado anualmente pelo Centro Nacional de Estatísticas da Educação dos Estados Unidos. As instituições que participam de programas de auxílio financeiro federal são obrigadas a preencher pesquisas do IPEDS, fornecendo informações sobre matrículas, custos, finanças institucionais e outras características.
Para esta análise deste estudo, foram considerados dados de faculdades de quatro anos sobre o número de alunos de graduação que ingressaram pela primeira vez e estudam em tempo integral, categorizados por raça, no período de 1995 a 2016. Esses dados permitiram a construção de índices de segregação racial em nível estadual.
As métricas de segregação utilizadas pelos autores incluíramm três índices padrão: (i) o índice de exposição de brancos a negros, (ii) o índice de exposição de negros a brancos e o (iii) índice de dissimilaridade entre brancos e negros. Os índices de exposição foram construídos separadamente para brancos e negros, e medem o potencial de interação entre os grupos raciais. O índice de exposição de brancos a negros calculou a porcentagem de estudantes negros na instituição frequentada pelo estudante branco médio, enquanto o índice de exposição de negros a brancos mede a porcentagem de estudantes brancos na instituição frequentada pelo estudante negro médio. Por fim, o índice de dissimilaridade avaliou o quão desigualmente distribuídos entre as instituições estão os estudantes de diferentes raças, indicando a porcentagem de alunos de uma determinada raça que precisaria ser realocada para que todas as faculdades tivessem a mesma composição racial.
O estudo utilizou o método de regressão dos Mínimos Quadrados Ordinários (OLS) para analisar como as proibições de ações afirmativas afetam a composição demográfica das universidades em diferentes níveis de seletividade entre 1995 e 2016. O modelo estimou a participação de estudantes de diferentes grupos raciais em uma instituição, considerando se um estado implementou ou não uma proibição de ações afirmativas. As regressões incluíram variáveis de controle como efeitos fixos de instituição, ano e tendências temporais específicas de cada estado. O método OLS foi ponderado pelo número total de matrículas em cada instituição e com erros padrão robustos, com agrupamento em nível estadual. Além da amostra completa de instituições de quatro anos, o estudo também considerou análises para subamostras de universidades públicas e de instituições classificadas entre as melhores nos rankings de faculdades.
O estudo também estimou um modelo de Estudo de Eventos para estimar o impacto dos banimentos de ações afirmativas sobre a segregação racial nas faculdades levando em consideração os índices de segregação calculados para cada estado ao longo dos anos. As regressões foram ponderadas conforme a composição racial das instituições e incluem efeitos fixos de estado e tendências temporais específicas para reduzir o viés decorrente de diferentes trajetórias de segregação entre os estados. Nesse método, objetivou-se analisar se as trajetórias de segregação antes do banimento são comparáveis entre estados que adotaram a medida de banimento e os que não a adotaram.
Por fim, o estudo apresentou um estudo de caso da Califórnia para analisar a relação entre a qualidade das faculdades e a representação de minorias após o banimento de ações afirmativas no estado. Assim, a pesquisa examinou como o banimento afetou a redistribuição de estudantes negros entre universidades com diferentes níveis de seletividade. O objetivo foi explorar a hipótese de que a segregação racial poderia diminuir devido à redistribuição de estudantes negros para faculdades menos seletivas, provocando uma maior homogeneidade na composição racial das instituições e reduzindo a segregação racial entre elas.
As análises utilizando o método de OLS revelaram que os banimentos de ações afirmativas foram associados a uma diminuição na representação de estudantes negros, hispânicos e nativos americanos, e a um aumento na representação de asiáticos e brancos, especialmente em instituições mais seletivas. Esses efeitos foram mais pronunciados em universidades públicas classificadas entre as 50 melhores do ranking da U.S. News and World Report. Entre 1995 e 2016, o banimento levou a reduções estatisticamente significantes na presença de minorias, com impactos diferentes ao longo do tempo. Em períodos mais recentes, as quedas na matrícula de negros e hispânicos foram menores, sugerindo uma heterogeneidade nos efeitos do tratamento ao longo do tempo e entre diferentes níveis de seletividade.
Com relação às análises que utilizaram o método OLS para estimar o impacto do banimento de ações afirmativas sobre a segregação entre brancos e negros, os resultados apresentaram efeitos não significativos. Para o período de 1995 a 2016, a exposição de brancos a negros diminuiu levemente, enquanto a exposição de negros a brancos e o índice de dissimilaridade entre negros e brancos mostraram variações estatisticamente insignificantes. No entanto, ao se considerar períodos específicos, como de 1995–2003 e 2004–16, houve indícios de que os banimentos afetaram a segregação de maneira diferente ao longo do tempo. Enquanto os banimentos mais antigos se associaram a uma redução na segregação, os banimentos mais recentes apontaram para o aumento da segregação.
Referente ao Estudo de Eventos, os resultados sugeriram que, antes de um banimento, não havia diferenças significativas nas tendências pré-existentes entre os estados com e sem proibição. Para o período de 1995–2003, houve um aumento significativo na exposição de negros a brancos e uma queda na dissimilaridade entre as raças no ano do banimento. Por outro lado, o período de 2004–16 apresentou uma leve redução na exposição de negros a brancos e um aumento na dissimilaridade.
Os resultados identificados na análise sobre a relação entre a qualidade das faculdades e a representação de minorias no estado da Califórnia apresentou mudanças significativas após o banimento das ações afirmativas em 1998. Verificou-se um aumento na exposição de negros a brancos nesse ano, apesar da tendência de queda ao longo do tempo. Além disso, o índice de dissimilaridade entre negros e brancos apresentou uma redução considerável logo após o banimento. Além disso, observou-se uma redução da heterogeneidade na distribuição de minorias de acordo com a seletividade das faculdades, indicando um achatamento da curva em formato de U que descreve a relação entre a qualidade das universidades e a presença de minorias e sugerindo uma diminuição na segregação entre universidades. A explicação provável é que, sem ações afirmativas, estudantes negros foram redistribuídos, especialmente entre instituições moderadamente seletivas.
Neste artigo, os autores conduziram diversas abordagens empíricas para analisar como os banimentos estaduais das ações afirmativas nos Estados Unidos afetaram a segregação racial nas faculdades. Os resultados indicaram que os banimentos tiveram efeitos heterogêneos ao longo do tempo, com uma redução na segregação racial nas instituições mais seletivas logo após os primeiros banimentos, enquanto, em períodos mais recentes, foi observada uma tendência de aumento da segregação em algumas regiões. Adicionalmente, os autores encontraram evidências de que os banimentos resultaram em uma redistribuição dos estudantes negros, especialmente entre instituições de diferentes níveis de seletividade.
As evidências deste artigo fornecem informações relevantes sobre as consequências dos banimentos de ações afirmativas para a segregação racial no ensino superior, oferecendo subsídios para a formulação de políticas públicas educacionais. Os autores destacam que, considerando as dinâmicas observadas, políticas que promovam maior inclusão e redução de barreiras institucionais em universidades de diferentes níveis de seletividade podem contribuir para mitigar os efeitos de aumento da segregação racial em algumas regiões, especialmente em estados que adotaram os banimentos mais recentemente.
Referências
ARCIDIACONO, P.; AUCEJO, E. M.; HOTZ, V. J. University Differences in the Graduation of Minorities in STEM Fields: Evidence from California. American Economic Review, v. 106, n. 3, p. 525–562, 1 mar. 2016.
HINRICHS, P. Affirmative Action and Racial Segregation. The Journal of Law and Economics, v. 63, n. 2, p. 239–267, 1 maio 2020.
REARDON, S. F.; BAKER, R.; KLASIK, D. Race, Income, and Enrollment Patterns in Highly Selective Colleges, 1982–2004. StanfordStanford University, Center for Education Policy Analysis, 2012.