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Existem desigualdades regionais de expectativa de vida no Brasil?

23 out 2020

Pesquisador responsável: Silvio da Rosa Paula

Título do artigo:  REDUCING SOCIOECONOMIC INEQUALITIES IN LIFE EXPECTANCY

AMONG MUNICIPALITIES: THE BRAZILIAN EXPERIENCE

Autores do artigo: Antonio Fernando Boing, S. V. Subramanian e Alexandra Crispim Boing

Localização da intervenção:  Brasil

Tamanho da amostra: População brasileira nos censos de 1991, 2000 e 2010

Grande tema:  Saúde

Tipo de Intervenção: Avalição do impacto das desigualdades socioeconômicas e regionais

Variável de interesse principal: Expectativa de vida ao nascer

Método de avaliação:  Regressão de Poisson

Contexto da Avaliação

Entre as décadas de 1990 e 2000, o Brasil passou por mudanças econômicas e sociais importantes. No contexto da saúde, a constituição de 1988, universalizou o acesso a saúde com a criação do Sistema Único de Saúde – SUS,  garantindo que todos brasileiros tivessem acesso a serviços de saúde. Atualmente, o SUS é o maior sistema público e universal de saúde do mundo, e cobre inclusive os níveis mais complexos de assistência à saúde, prestando serviços que vão desde imunizações a transplantes de órgãos  (PAIM et al. 2011). A descentralização da prestação dos serviços de saúde para nível municipal, impactou na cobertura da atenção primária e gerou efeitos sobre a saúde local. Estudos encontram evidências de que a expansão da atenção primária promovida pelo SUS está associada a redução de mortes por causas evitáveis, menos hospitalizações, redução nas desigualdades raciais na mortalidade, e redução da mortalidade infantil (MACINKO et al. 2010; GUANAIS 2015; HONE et al. 2017a, 2017b).

Em 1994 com a criação do plano Real, o Brasil conseguiu conter o processo de hiperinflação e estabilizar a economia, fatores que posteriormente foram importantes para a valorização do salário mínimo, redução do desemprego, criação e expansão de programas sociais. Nessa perspectiva, na década de 2000, houve uma expansão dos programas sociais. O principal programa é o Bolsa Família (BF), que em linhas gerais, tem por finalidade romper com o ciclo intergeracional da pobreza, através de transferência de renda direta para famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, que em contrapartida cumprem certas condicionalidades de saúde e educação. Os estudos indicam BF, contribuiu para a redução de doenças como a tuberculose e hanseníase (Nery et al. 2014, 2017), aumentou as visitas de crianças aos centros de saúde para serviços de prevenção (Shei et al. 2014), e também contribuiu para redução da mortalidade infantil (Rasella et al. 2013).

No âmbito da educação, também foram observados avanços, como o aumento do nível educacional da população mais pobre, bem como, maior acesso aos serviços de saneamento básico, fatores importantes que tem forte impacto sobre os indicadores de saúde, principalmente sobre a saúde das crianças. No entanto, entre 1985 a 1990 houve um aumento de 4.1 pontos percentuais (pp) no índice de Gini, que mede a concentração de renda. O mesmo ocorreu para o período entre 1998 e 2009, com o acréscimo de 5.4 pp, indicando que houve um aumento na desigualdade de renda para esses períodos.

Metodologia

Foram utilizados os dados dos recenseamentos demográficos de 1991, 2000 e 2010, em nível municipal. Os municípios foram divididos em percentis de acordo com a renda per capita média, calculada em cada um dos três anos analisados. O método utilizado para avaliar o impacto das desigualdades na expectativa de vida, foi o de regressão de Poisson. Resumidamente, a regressão de Poisson é um método probabilístico, que tem um papel importante na análise de dados de contagem que assumem valores inteiros não negativos. Um exemplo de aplicação, é a modelagem do número de óbitos por acidente de trânsito. Com está técnica, é possível estimar a probabilidade ou o número esperado de óbitos se caso o acidente envolver por exemplo, uma motocicleta ou um pedestre.

Detalhes da Intervenção

Durante o século XX, houve um aumento significativo na expectativa de vida em todo mundo. Segundo a OCDE, estima-se que, em 1900 a expectativa de vida era em média de 30 anos, e atingiu 71,4 anos em 2015. No Brasil, a expectativa de vida aumentou quase 20 anos entre o período de 1967 a 2015. Contudo, ainda são observadas desigualdades significativas na expectativa de vida entre os países e também, dentro de cada país. Estudos realizados nos Estados Unidos, União Europeia, Japão e Nova Zelândia, encontram evidências de desigualdades na expectativa de vida entre seus condados.

No contexto do Brasil, as profundas mudanças econômicas e sociais ocorridas durante as décadas de 1990 e 2000, permitiram além da expansão de programas sociais, também o crescimento econômico desigual entre as diferentes regiões, sendo mais forte em regiões desenvolvidas do que nas áreas pobres do país. É nessa perspectiva de acentuação das desigualdades, que o estudo se propõem a avaliar como se deu a evolução da desigualdade regional na expectativa de vida, bem como na probabilidade de viver até os 40 e 60 anos, nos municípios brasileiros para o período de 1991 a 2010.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 1940 a expectativa de vida média era de 45,5 anos, sendo 42,9 para homens e 48,3 anos para mulheres.  Ademais, em 1940, a cada mil pessoas que atingiam os 65 anos de idade, 259 atingiriam os 80 anos ou mais. Já em 2017, a cada mil idosos com 65 anos, 632 completariam 80 anos. Também em 2017, a expectativa de vida ao nascer, apresentava diferenças significativas entre as unidades federativas, conforme indica o gráfico disponibilizado pelo IBGE[1].

Fonte: IBGE.

É possível observar, que entre as unidades federativas Santa Catarina foi a que apresentou maior expectativa de vida com 79,4 anos, seguidos por Espírito Santo (78,5 anos), Distrito Federal e São Paulo com (78,4 anos),  e Rio Grande do Sul (78 anos). Por outro lado, a menor esperança de vida foi observada no estado do Maranhão (70,6 anos), seguido por Piauí (71,2 anos),  Rondônia (71,5 anos), e Roraima com (71,8 anos).

Por fim, as estatísticas mais recentes do IBGE[2], indicam que uma pessoa ao nascer no Brasil em 2018, teve um aumento de três meses e 4 dias em relação a 2017. Além disso, a expectativa de vida dos homens aumentou de 72,5 anos em 2017, para 72,8 anos em 2018, enquanto a das mulheres foi de 79,6 para 79,9 anos.

Resultados

Os resultados encontrados, indicam que a expectativa média de vida nos municípios Brasileiros aumentou em 8.8 anos entre o período de 1991 a 2010. Também foi observado um aumento de 6.7 pontos percentuais (pp) na probabilidade de sobreviver  até os 40 anos de idade, e 12.2 pp na probabilidade de sobreviver até os 60 anos.

O aumento da expectativa de vida, bem como da probabilidade de sobrevivência gerou  uma queda substancial nas diferenças entre regiões e grupos socioeconômicos. Por exemplo, em 1991, os habitantes dos municípios que estavam entre 1% mais ricos, viviam em média 11,6 anos a mais, que os habitantes dos municípios que estavam entre o 1% mais pobres. Em 2010, essa diferença caiu para 7,1 anos. No contexto da probabilidade de sobrevivência até os 40 anos de idade, a diferença caiu de 11,7 pp em 1991 para 1,2 pp em 2010.  Quanto a probabilidade de sobrevivência até os 60 anos, essa queda foi de 1.3 pp em 1991 para 1.04 pp em 2010.

Cabe destacar, que durante o período analisado, nenhum município apresentou redução na expectativa de vida ou na probabilidade de sobrevivência. No entanto, enquanto nos municípios mais pobres houve um ganho de cerca de 12 anos de vida, entre os mais ricos esse ganho foi de cerca de 7 anos. Olhando para os diferentes períodos,  entre 1991 e 2000, os municípios mais ricos foram os mais beneficiados, contudo,  na década de 2000 a 2010, foram os municípios mais pobres que observaram os maiores ganhos de expectativa de vida.

Lições de Política Pública

Entre 1991 e 2010, o Brasil conseguiu reduzir significativamente as diferenças municipais de expectativa de vida e probabilidade de viver até os 40 e 60 anos de idade. A redução das desigualdades foi mais acentuada na década de 2000 e 2010. Apesar de todo avanço, o Brasil segue sendo um dos países mais desiguais do mundo, fica claro que não existem soluções mágicas nem respostas simples para o problema da desigualdade, contudo, existem pontos onde podemos avançar. Por exemplo, muitas de nossas políticas públicas não apresentam objetivos claros e não foram pensadas para serem avaliadas, isso implica em muito dinheiro mal gasto, programas ineficazes e que muitas vezes acabam se sombreando, dificultando ou até mesmo impossibilitando a avaliação da efetividade de um programa.

Referências

BOING, Antonio Fernando; SUBRAMANIAN, S. V.; BOING, Alexandra Crispim. Reducing socioeconomic inequalities in life expectancy among municipalities: the Brazilian experience. International journal of public health, v. 64, n. 5, p. 713-720, 2019.


[1] Ver mais em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23200-em-2017-expectativa-de-vida-era-de-76-anos

[2] Ver mais em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/26104-em-2018-expectativa-de-vida-era-de-76-3-anos