Informação é algo poderoso na era da internet e da divulgação massiva de conteúdo. Porém, mais importante do que a informação em si é a interpretação que oferecemos a ela. Estas toneladas de artigos, opiniões e dados que chegam a nós devem ter um filtro analítico, uma crítica cética, e para isso devemos recorrer à ciência para avaliarmos e tomarmos as melhores decisões e emitir opiniões, principalmente se o foco são decisões e políticas públicas que afetam milhares de pessoas.
Por isso, entender onde, quando e, principalmente, como interpretar as informações que recebemos torna-se muito importante, no ponto de vista individual e coletivo. Muitos erros acontecem durante estas interpretações, o que levam a tomadas de decisão erradas que podem levar a prejuízos incalculáveis para cidades, estados e até países.
Uma das principais causas de interpretações equivocadas em textos e matérias é o conceito erroneamente adotado de correlação, e como ele pode ser perigoso para a adoção de políticas públicas e decisões com grande impacto. Veja, por exemplo, a matéria no link: “Detectada possível correlação entre poluição do ar e mortes por covid-19”. Diversos leitores, ao analisar esta manchete, logo pensaram: para combater o covid-19, portanto, devemos diminuir a poluição do ar, e isso causará uma diminuição no contágio e, consequentemente, no número de mortes pelo vírus. Assim, estes leitores, se ocupassem altos cargos públicos, teriam tomado decisões equivocadas, criando políticas que não surtiriam efeito ou resultado satisfatório.
Por que estes leitores se equivocaram? Porque correlação nunca deve ser confundida com causalidade. Falar que poluição do ar e mortes por covid-19 estão correlacionadas nunca será o mesmo que afirmar que um alto nível de poluição do ar causa mais mortes por covid-19. Em outras palavras, duas variáveis (no exemplo, poluição do ar e mortes por covid-19) que covariam não necessariamente possuem uma relação de causa-efeito. Para ficar ainda mais evidente esta diferença, veja o exemplo sem noção do site tylervigen.com: a altíssima correlação (lembre-se que o valor matemático máximo de uma correção é 1) entre a taxa de divórcio no estado do Maine e o consumo norte-americano per capta de margarina: 0,9926.
Divórcios podem ser considerados problemas sociais e burocráticos, que criam mais processos judiciais, demandando assim mão-de-obra e custo para os cofres públicos. Desta maneira, gestores públicos devem pensar em maneiras de diminuir as taxas de divórcio, e, de acordo com o gráfico acima, deve-se, portanto, diminuir o nível de compras de margarina. Talvez o maior resultado que um gestor conseguirá com esta linha de raciocínio seja um afastamento de seu cargo, concorda?
Exemplos esdrúxulos como o citado podem ser mais fáceis de serem taxados como errados, porém vamos voltar ao caso do covid-19: poluição aérea causa mais mortes pelo vírus? Um gestor público que responder “sim” a esta questão está errado, e pode tomar decisões que também estarão equivocadas. Seguindo esta linha de raciocínio, deve-se proibir a circulação de veículos poluidores que (estes sim) causam um aumento dos níveis de poluição, para assim diminuir os números de mortes por covid-19?
Alguns leitores observarão uma questão, que é o mais impressionante e irônico de decisões públicas: este gestor talvez consiga uma diminuição nos casos e mortes por coronavírus por causa desta proibição, saindo assim como herói. Mas não porque os níveis de poluição causam mais mortes por covid-19, mas exatamente porque elas são correlacionadas positivamente, ou seja, variam de maneira similar. Para falarmos em causalidade, uma terceira variável deve ser adicionada à receita: o isolamento social.
Pode-se afirmar que o isolamento social causa uma diminuição na circulação de pessoas nas ruas, o que causa um menor número de veículos nas vias públicas, que por sua vez causa uma diminuição nos níveis de poluição. Por outro lado, o isolamento causa uma diminuição na interação interpessoal, o que causa uma diminuição na taxa de contágio de covid-19, e consequentemente no número de mortes. Ambas as variáveis da manchete diminuindo, indicando assim uma correlação, e não causa-efeito.
Esta é a principal dica para analisarmos manchetes e informações que chegam para nós todos os dias: causalidade infere que uma variável causa a outra, e assim nenhuma outra é necessária para que esta relação ocorra. Assim, quando ler uma notícia como “Detectada possível correlação entre poluição do ar e mortes por covid-19”, procure outras variáveis que podem ser associadas e, assim, encontre a real relação de causa-efeito. Neste caso, por exemplo, uma alta densidade demográfica causa uma maior poluição do ar, e também causa mais interações sociais e, consequentemente, maior contágio do vírus. Não é o caso de a poluição causar mais mortes por covid-19, mas sim a grande densidade demográfica causar ambos os problemas. Somos bombardeados diariamente com informações, algumas verdadeiras e outras nem tanto. O pensamento crítico e analítico deve ser aplicado a manchetes e notícias como a apresentada, evitando assim problemas modernos recorrentes e extremamente importantes, como tomadas de decisões equivocadas, propagação de informações falsas e apoios a campanhas que não surtirão efeitos esperados. Quando você receber qualquer tipo de informação, principalmente aquelas que alegam relações de causalidade (remédio x melhora a situação y, diminuir x faz com que y não aconteça, entre outras), sempre questione e procure resposta mais realistas. Ou seja, nunca confunda causalidade e correlação, ou relação e causa-efeito.