O episódio 14 do podcast Ctrl Enter, iniciativa do professor Leonardo Monastério sobre Big Data e Data Science, traz como convidada a jornalista de dados Judite Cypreste para dar seu ponto de vista sobre essa relação, ás vezes mal-compreendida, entre a ciência de dados e o jornalismo.
Trajetória
O primeiro contato de Judite com o universo dos dados foi numa iniciação científica, ainda na faculdade, em 2017, orientada pelo professor Fábio Vasconcellos. Nesse período, entretanto, o contato era bastante teórico. A prática começa num programa de trainee voltado para Jornalismo de Dados do jornal Folha de S. Paulo, quando participou de diversas aulas e treinamentos sobre redação, jornalismo e programação.
Foi durante esse período de trainee que ela teve aulas, durante quatro meses, com Fernando Masanori, a quem a jornalista destaca: “se você quiser aprender Python e quiser aprender Python muito bem, com uma pessoa maravilhosa, é com o Fernando Masanori. Ele tem essa experiência de levar a programação para jornalistas, então ele entende”.
A jornalista comenta que estudar ciência de dados foi como descobrir um universo completamente novo: "quando eu estava aprendendo, eu ficava surpresa. ‘Meu Deus, isso aqui está fazendo isso’. E o Fernando falava ‘ele não está fazendo, você mandou ele fazer”.
Desde então, Judite tem se aperfeiçoado no uso de dados, principalmente, no uso de dados para fazer jornalismo, e percebeu que, além de jornalista, também se tornou uma desenvolvedora. Porém, ela não se define em nenhum dos extremos mas, sim, numa ligação entre os dois. “Se me perguntar o que eu faço, eu vou sempre falar ‘sou jornalista de dados’, eu nunca vou falar só jornalista ou só desenvolvedora. Isso já diz muito sobre o que eu gosto e o que eu faço. Porque é isso, é um entrelugar”, comenta.
Pontes entre o jornalismo e a ciência de dados
Aqui, Judite faz uma análise crítica dos dois campos, os quais estão, cada vez mais, se relacionando. Há um número cada vez maior de jornalistas se interessando pelo uso dos dados nas redações, assim como há uma quantidade crescente de programadores ou cientistas de dados fazendo trabalhos de comunicação.
Apesar disso, segundo Judite, ainda há, nas redações jornalísticas, uma barreira muito grande ao jornalismo de dados, o que é muito influenciado pelo desconhecimento do que é a ciência dos dados. “Eu já tive essa experiência de perguntar ‘você sabe o que é jornalismo de dados?’ para profissionais que já estão há bastante tempo no mercado e ouvir respostas como ‘ah, eu já fiz jornalismo de dados’ e, quando vou ver, a matéria da pessoa era colocar um monte de números numa reportagem. E não é isso, a gente sabe que não é isso”, relata.
A jornalista acredita que, por mais que já exista há bastante tempo, academicamente falando o jornalismo de dados ainda é novo. Por mais que hoje existam diversas ferramentas para essa prática, Judite acredita que a academia tem um “tempo de absorção”, o que acaba gerando um certo delay, um atraso no avanço da prática. “Não é muito incomum você encontrar jornalistas que não sabem o que é jornalismo de dados, não tem a mínima ideia do porquê aprender a analisar dados, do porquê aprender programação”, afirma.
Já na outra ponta, muitos desenvolvedores não entendem o que é o fazer jornalístico e tudo o que está envolvido. De acordo com Judite, saber fazer uma boa apuração jornalística “é o que difere aquela pessoa que posta um vídeo no twitter que viraliza e uma outra pessoa que gasta um tempo verificando, checando se o vídeo é real, se é daquele lugar mesmo, entre outras coisas, que é a apuração jornalística”, explica. Ela ressalta, ainda, que é preciso “entender o que é o valor jornalístico, o que é importante para a sociedade, o que não é importante, entender de timing”.
Judite acredita que é preciso encontrar um fator comum entre essas dificuldades: “tanto o jornalismo entender o que é o jornalismo de dados quanto cientistas de dados ou desenvolvedores que querem começar a fazer jornalismo de dados entenderem o que é o valor-noticioso e o que é apuração jornalística é muito importante. A gente precisa achar um ponto em comum para funcionar”, destaca.
Fact checking
O surgimento da checagem de fatos é considerado, pela jornalista, um termômetro para entender a sociedade na qual vivemos hoje: “Nada mais é do que uma resposta ao surgimento, também, de um novo meio de desinformar. Porque a desinformação sempre existiu. Mas, agora, a gente precisa de uma nova forma também de informar as pessoas que o que muitos agentes, o que a sociedade está dizendo por aí não é correto”, pontua Judite.
Ela destaca que, há 30 anos, por exemplo, não existia fact checking, mas, também, não existia a mobilidade e a usabilidade de informações como temos hoje. Por isso, Judite acredita que estamos indo num bom caminho com a checagem de fatos.
Há cada vez mais agências empenhadas nesse papel, de verificar o que é verdade ou não: “é inevitável que a gente utilize a ciência para demonstrar que aquelas coisas não são verdades. Cada vez mais as agências de checagem estão utilizando ferramentas e se aliando a desenvolvedores para fazer esse trabalho que é muito importante”, comenta.
O fact checking se tornou ainda mais importante durante a pandemia do novo coronavírus: “A gente está falando com aquela pessoa que recebe, via Whatsapp, uma informação de que o remédio x cura COVID, que o remédio y evita COVID, e que, quando recebe, se pergunta se é verdade ou não. Quando ela for pesquisar, vai encontrar a checagem dizendo que o remédio não serve para isso”, esclarece.
No final do podcast, o professor Leonardo Monastério pergunta: “se fosse para uma ilha deserta qual software essencial você levaria? E qual você deixaria lá?”. Para conferir a resposta de Judite Cypreste, basta ouvir o episódio 14 do Ctrl Enter nas principais plataformas de streaming.