A pandemia da COVID-19, doença que já contabiliza mais de 13 milhões de casos e mais de 350 mil mortes no Brasil, deixou clara a importância de um sistema de saúde público, gratuito e universal: o Sistema Único de Saúde, o SUS.
“Imaginem o que seria essa pandemia sem o SUS. Imaginem a população tendo de pagar pelo atendimento, ou mostrar uma carteira de um plano de saúde privado na porta do hospital. Os brasileiros estariam morrendo em um número muito maior, largados pelas ruas”, opina Suely Araújo, doutora em Ciência Política e professora do IDP.
A docente destaca a capilaridade do sistema, que oferece os serviços de saúde organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente, do nível municipal ao federal. Entretanto, com a rápida evolução do número de casos, principalmente nessa segunda onda, a rede de assistência enfrenta dificuldades.
“Não está sendo simples dar resposta à pandemia em nenhum local do mundo. Temos tido dificuldade de atender sobretudo quanto a leitos de UTI. O SUS é capilarizado, atende o país todo, mas em muitos locais o acesso a tratamentos mais complexos não está disponível e, no caso da COVID-19, nem sempre será possível a transferência para unidades regionais com atendimento mais sofisticado, pela rápida evolução da doença e pela superlotação das unidades hospitalares”, afirma.
Histórico
Segundo o artigo 196 da Constituição de 1988, a saúde é direito de todos e dever do Estado. De acordo com a Carta, o direito é “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Para Suely Araújo, o SUS é uma conquista da sociedade brasileira construída aos poucos durante décadas. O sistema tem origem no movimento sanitarista da década de 1970, ainda durante a ditadura militar, no qual médicos e outros profissionais da saúde buscaram definir as áreas prioritárias da saúde e que medidas poderiam ser tomadas para transformar a saúde pública brasileira.
Um importante marco histórico na origem do SUS é a VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em Brasília, em 1986. Tendo como temas principais “A saúde como dever do Estado e direito do cidadão”, “A reformulação do Sistema Nacional de Saúde” e “O financiamento setorial”, a VIII Conferência lançou as bases para a criação de um sistema público descentralizado e único.
Organização
Segundo o artigo 198 da Constituição, as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, baseada em três diretrizes: a descentralização, com direção única em cada esfera de poder; o atendimento integral, com prioridade para as ações preventivas; e a participação da comunidade.
A Lei 8080/1990 estabelece que a atuação de cada esfera do poder seja complementar entre si, da menor à maior complexidade em saúde. “O sistema abrange das ações mais simples aos procedimentos de alta complexidade. A lei explicita as competências da direção nacional, das direções estaduais e das direções municipais do SUS. Trata-se do sistema Interfederativo mais complexo e organizado que temos no país, consideradas as diferentes políticas públicas”, comenta a professora Suely Araújo.
Em âmbito nacional, a autoridade de saúde é o Ministério da Saúde. Nas escalas estaduais e municipais, a autoridade sanitária é representada pelas Secretarias de Saúde. É válido salientar que, nos três casos, os gestores são escolhidos pelos governantes democraticamente eleitos.
“Isso situa o gestor da saúde como integrante de uma equipe que tem responsabilidade por um determinado “projeto de governo”, que terá de dar respostas ao chefe político em cada esfera e interagir com outros órgãos de governo”, conforme Cristiani Vieira Machado, Luciana Dias de Lima e Tatiana Wargas de Faria Baptista, no capítulo “Princípios Organizativos e instâncias de gestão do SUS”, publicação da Fiocruz.
As autoras destacam, também, que “Por outro lado, a autoridade sanitária tem a responsabilidade de conduzir as políticas de saúde segundo as determinações constitucionais e legais do SUS, que constituem um dado modelo de política de Estado para a saúde que não se encerra no período de um governo”.
Quando se trata da execução direta de serviços, os municípios são os principais responsáveis pelas ações de vigilância epidemiológica e sanitária (por exemplo, o combate à dengue pelos agentes comunitários de saúde), além da prestação direta de serviços assistenciais - aqueles que visam a promoção da saúde, de forma a prevenir doenças. Além de coordenar e planejar o SUS a nível municipal, seguindo a normalização federal e o planejamento estadual.
É dos Estados, portanto, a responsabilidade de execução de serviços mais complexos, em áreas estratégicas e de referência - um exame mais complexo, como uma tomografia, ou uma cirurgia de transplante, por exemplo. Também é responsável por suprir as demandas em casos de carência de serviços municipais nas cidades ou em ações de vigilância epidemiológica e sanitária mais complexas. A nível de planejamento, é o encarregado de promover a regionalização da saúde, além de colaborar com o fomento institucional das secretarias municipais de saúde.
O Ministério da Saúde tem um papel mais estratégico e normativo, com o dever de manter a unicidade, respeitando a diversidade, e de promover a equidade em âmbito nacional. A autoridade sanitária federal desempenha serviços em caráter de exceção, em áreas ou ações estratégicas.
“Trata-se de um sistema complexo, com uma abrangência no atendimento gratuito sem paralelo no mundo. Mesmo que reconheçamos todas as deficiências no sistema, todos os brasileiros devem ter orgulho do SUS”, finaliza Suely Araújo.