IDP

Ferramentas de acessibilidade

VLibras

Consulte aqui o cadastro da Instituição no Sistema e-MEC


A combinação de programas sociais pode reduzir a mortalidade infantil?

13 jul 2021

Pesquisadora responsável: Viviane Pires Ribeiro

Título do artigo: COMBINATION OF CONDITIONAL CASH TRANSFER PROGRAM AND ENVIRONMENTAL HEALTH INTERVENTIONS REDUCES CHILD MORTALITY: AN ECOLOGICAL STUDY OF BRAZILIAN MUNICIPALITIES

Autores do artigo: Anelise Andrade de Souza, Sueli Aparecida Mingoti, Rômulo Paes-Sousa e Leo Heller

Localização da intervenção: 5.570 municípios brasileiros

Tamanho da amostra: 38.137 observações

Setor: Saúde

Tipo de Intervenção: Efeitos interativos das intervenções públicas brasileiras

Variável de interesse principal: Mortalidade infantil

Método de avaliação: Outros - Análise de dados longitudinais

Contexto da Avaliação

O Brasil está entre os países com maiores níveis de desigualdade de renda. Após um período de queda acentuada e sustentada da pobreza e da desigualdade, tal progresso vem sendo revertido pela desaceleração econômica desde 2014. Nesse cenário, a lista de déficits enfrentados pelo país engloba renda, alimentação, moradia adequada e serviços públicos, como saúde, educação, água, saneamento e coleta de lixo.

Em relação às intervenções em saúde ambiental, os principais déficits que ainda prevalecem no Brasil estão relacionados, principalmente, ao saneamento. Moradias com instalações de água encanada (sistemas de água ou poços) representa aproximadamente 95,6% dos domicílios brasileiros. No entanto, quando considera somente domicílios com acesso adequado, de acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), essa cobertura cai para 57,7%. Além disso, somente 48% dos domicílios brasileiros têm acesso adequado à rede de esgoto e apenas 64,9% da população tem acesso à limpeza urbana e ao manejo adequado dos resíduos.

As populações mais afetadas pelas condições inadequadas de saneamento são as que vivem em áreas periurbanas e rurais, isto é, os grupos populacionais mais pobres e, consequentemente, os mais vulneráveis. Diante disso, a vulnerabilidade econômica e social de grande parte da população brasileira torna esses grupos mais propensos a manter o ciclo da pobreza-doenças.

Visando reduzir a vulnerabilidade econômica e social, o governo brasileiro criou o Programa Bolsa Família (PBF), um dos principais programas de transferência condicionada de renda. O Programa teve início em 2003, abrangendo 3,6 milhões de famílias, passando para 11,2 milhões de famílias em 2006. Em 2019, todos os 5.570 municípios brasileiros já haviam implantado o PBF, beneficiando 13,8 milhões de famílias.

Detalhes da Intervenção

No contexto de saúde ambiental, de Souza et al. (2021) afirmam que o estudo dos efeitos interativos com outras intervenções é importante para avaliar os efeitos combinados das intervenções públicas para melhoria do acesso à água de qualidade, saneamento adequado e coleta de resíduos sólidos. Assim, os autores buscaram avaliar os efeitos interativos de intervenções públicas brasileiras, programas de saúde ambiental (acesso à água, saneamento e coleta de resíduos sólidos) e Programa de Transferência Condicionada de Renda (Programa Bolsa Família), na redução da mortalidade por diarreia e desnutrição em crianças menores de 5 anos.

Os dados utilizados na pesquisa foram coletados no Ministério da Saúde (Sistema de Informações sobre Mortalidade/SIM), no Ministério do Desenvolvimento Social (Matriz de Informações Sociais/MIS) e no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Censos populacionais de 2000 e 2010, e estimativas intercensais). A análise abrangeu o período de 2006 a 2016, incluindo 3.467 municípios de todas as regiões do país, totalizando 38.137 observações.

Detalhes da Metodologia

O estudo realizado por de Souza et al. (2021) é enquadrado como um projeto ecológico com análises exploratórias e analíticas. Sendo possível realizar um estudo longitudinal para avaliar as mudanças temporais das taxas de mortalidade por desnutrição e diarreia, bem como investigar a associação entre a exposição média às variáveis independentes (acesso ao Programa de Transferência Condicionada de Renda e variáveis ambientais de saúde) e as taxas de mortalidade de menores de 5 anos. O design permitiu também avaliar a interação entre as variáveis independentes, principalmente o acesso ao Programa de Transferência Condicionada de Renda (PBF) e as variáveis ambientais de saúde.

Os modelos lineares generalizados foram ajustados considerando a distribuição Binomial Negativa (BN) para o número de óbitos por desnutrição e diarreia, com efeitos fixos. Modelos de BN com e sem inflação zero foram avaliados. Modelos de interação subsequentes foram aplicados para avaliar os efeitos combinados das duas políticas públicas.

Resultados

Os resultados do estudo mostram que as taxas médias de mortalidade por diarreia e desnutrição em crianças menores de 5 anos diminuíram na comparação dos anos de 2006 e 2016, nos municípios brasileiros observados. As maiores quedas de mortalidade por diarreia ocorreram na região Sul, seguida pela região Centro-Oeste. As maiores quedas de mortalidade por desnutrição ocorreram na região Sudeste.

Por outro lado, a análise de dados longitudinais mostra uma concentração de maiores taxas médias de mortalidade por desnutrição nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e por diarreia na região Norte.

Em relação à queda das taxas de mortalidade por diarreia nos municípios, observou-se modificação do efeito positivo na presença de: alta cobertura da população-alvo pelo Programa de Transferência Condicionada de Renda e acesso à água, 0,54 (0,28-1,04) / 0,55 (0,29-1,04); alta cobertura da população total pelo PBF e acesso à água, 0,97 (0,95-1,00) e alta cobertura da população total pelo PBF e acesso ao saneamento, 0,98 (0,97-1,00). Declínio da mortalidade por diarreia também foi observado na presença conjunta de alta cobertura de coleta de resíduos sólidos e acesso à água, categorias 1 (> 60% ≤ 85%): 0,98 (0,96–1,00), 0,98 (0,97–1,00) e 2 (> 85% ≤ 100%): 0,97 (0,95–0,98), 0,97 (0,95–0,99).  

Modificações de efeito negativo foram observadas para mortalidade devido à desnutrição na presença simultânea de alta cobertura da população total pelo Programa de Transferência Condicionada de Renda e acesso às categorias de saneamento 1 (≥ 20 <50%): 1,0061 (0,9991-1,0132) e 2 (≥ 50 <100%): 1,0073 (1,0002-1,0145) e alta cobertura da população total pelo PBF e a coleta de resíduos sólidos, 1,0004 (1,0002–1,0005), resultando no aumento das taxas de mortalidade por desnutrição.  

Lições de Política Pública

A análise realizada por de Souza et al. (2021) indica a importância de associar diferentes programas sociais ao enfoque de combate à pobreza. As intervenções sistêmicas, que visam proteger o indivíduo ou famílias da pobreza associada às condições ambientais precárias, são fundamentais para eliminar as vias de transmissão de doenças infecciosas e parasitárias, reduzindo a mortalidade infantil.

A manutenção de Programas de Transferência Condicionada de Renda, com cobertura integral da população-alvo, combinada com políticas universais de saúde ambiental, para todos os municípios brasileiros e com maior atenção às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, deve ser prioridade governamental, pois proporcionará maiores efeitos benéficos na saúde infantil. A manutenção e expansão desses programas requer priorização e planejamento por parte do governo federal para atender à demanda, junto às autoridades municipais, na adequação de suas estruturas de saúde, educação e habitação, de forma a permitir o atendimento do beneficiário e o cumprimento de condicionalidades do programa.

Nesse sentido, os autores evidenciam a nítida tendência de queda nas principais variáveis de proteção social, principalmente em 2016, indicando a necessidade de: (i) atendimento integral da população-alvo do Programa de Transferência Condicionada de Renda; (ii) políticas públicas universais de saúde ambiental; (iii) aumento da alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais; (iv) aumento da cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família, por meio do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), permitindo assim: a construção de ambientes mais seguros, a sobrevivência das crianças e a melhoria no desenvolvimento da qualidade de vida.

Referências

DE SOUZA, Anelise Andrade et al. Combination of conditional cash transfer program and environmental health interventions reduces child mortality: an ecological study of Brazilian municipalities. BMC public health, v. 21, n. 1, p. 1-13, 2021.