Pesquisadora responsável: Viviane Pires Ribeiro
Título do Paper: Conceptualizing Financial Wellbeing: An Ecological Life Course Approach
Autores: Fanny Salignac, Myra Hamilton, Jack Noone, Axelle Marjolin e Kristy Muir
Localização da Intervenção: Austrália
Tamanho da Amostra: 72 participantes
Grande tema: Finanças
Variável de Interesse principal: Bem-estar Financeiro
Tipo de Intervenção: Redefinição e reconceituação do bem-estar financeiro
Metodologia: Abordagem Ecológica
A capacidade de tomar decisões financeiras sólidas e criar hábitos financeiros responsáveis sempre foi importante, no entanto, em um sistema financeiro cada vez mais complexo, a tomada de decisões financeiras está se tornando mais desafiadora. Contudo, as conceituações existentes não consideram adequadamente a interação dinâmica entre o ambiente individual e seu bem-estar financeiro, bem como a forma como os aspectos do bem-estar financeiro podem interagir de acordo com a idade e os estágios de vida do indivíduo. Nesse contexto, Salignac et al. (2020) buscam abordar essa lacuna redefinindo e re-conceituando o bem-estar financeiro, buscando entender seus componentes e as relações entre eles.
Contexto da Avaliação
Em todo o mundo, o cenário financeiro está se tornando cada vez mais complexo, o que resulta em tomadas de decisões financeiras mais desafiadoras. As perspectivas econômicas estão mudando rapidamente e os choques externos estão se tornando mais permanentes, levando a um aumento da incerteza financeira. As respostas de governos, organizações sem fins lucrativos e empresas em todo o mundo têm se concentrado em maneiras pelas quais as pessoas podem ser apoiadas para negociar e navegar neste novo cenário financeiro, incluindo: inclusão financeira; alfabetização financeira; capacitação financeira; e aconselhamento financeiro.
Há uma expectativa cada vez maior de que esses programas melhorem o bem-estar financeiro de indivíduos e famílias. Mas o bem-estar financeiro é conceitualizado de maneira inadequada e definido de maneira inconsistente, o que torna difícil compreender e melhorar os resultados financeiros. As conceituações existentes não consideram adequadamente a interação dinâmica entre o ambiente de um indivíduo e seu bem-estar financeiro, bem como a forma como os aspectos do bem-estar financeiro podem interagir de acordo com a idade e os estágios da vida.
A falta de uma conceitualização de bem-estar financeiro que capture adequadamente a interação de um indivíduo e seu ambiente prejudica a capacidade dos indivíduos, conselheiros financeiros, empregadores, organizações comunitárias e formuladores de políticas de ajudar a melhorar os resultados financeiros e o bem-estar financeiro em geral.
Detalhes da Intervenção
A pesquisa realizada por Salignac et al. (2020) visa progredir na compreensão do bem-estar financeiro, aproveitando as lacunas do conhecimento atual. Assim, a pesquisa busca responder aos seguintes questionamentos: O que é bem-estar financeiro? Quais são suas diferentes dimensões? E como podemos garantir que estamos capturando a interação do indivíduo com seu ambiente ao longo do tempo? Nesse sentido, os autores argumentam que adotar uma abordagem ecológica de curso de vida pode ajudar a entender e reconceituar o bem-estar financeiro. Uma perspectiva ecológica permite uma melhor compreensão das maneiras pelas quais o bem-estar financeiro de um indivíduo se desenvolve em interação com seu ambiente. Ao mesmo tempo, uma perspectiva de curso de vida permite considerar a maneira pela qual entendemos o bem-estar financeiro e este será diferente para pessoas de diferentes idades e fases da vida e de acordo com os diferentes eventos da vida.
As contribuições do estudo são duplas. Em primeiro lugar, os autores re-conceitualizam o bem-estar financeiro usando uma abordagem ecológica de curso de vida e com base em novas pesquisas qualitativas. A pesquisa explora as maneiras pelas quais os australianos de diferentes idades, gêneros e níveis socioeconômicos entendem o bem-estar financeiro em suas vidas cotidianas e no futuro. Segundo lugar, o estudo sugere uma definição de bem-estar financeiro que permite situá-lo em sua dinâmica legítima. Portanto, a partir desse trabalho, os autores propõem um modelo conceitual que permite um melhor entendimento de como o bem-estar financeiro pode mudar ao longo do tempo e como ele é alcançado, mantido ou desafiado.
Detalhes da Metodologia
Grupos focais e entrevistas individuais foram realizadas entre agosto e novembro de 2016. Uma amostra intencional de participantes foi selecionada para cobrir uma ampla demografia e uma gama de circunstâncias socioeconômicas e pessoais. A amostra incluiu 72 participantes: 9 grupos focais com 54 pessoas que moravam na Austrália, de diferentes idades, gêneros e níveis socioeconômicos; e 18 entrevistas individuais com pessoas que enfrentavam desafios relacionados ao seu bem-estar financeiro.
Os grupos focais foram realizados em dois locais urbanos e um regional e seguiram um guia de discussão semiestruturado – durando aproximadamente 1,5 horas. As entrevistas individuais também seguiram um guia de discussão semiestruturado e foram feitas as mesmas perguntas aplicadas aos grupos focais. Os participantes foram questionados sobre o que significava para eles estar em uma boa situação financeira e o que contribuiu para a sua situação financeira no presente e no futuro. Em seguida, foram aplicadas perguntas mais específicas sobre o papel da capacidade financeira no bem-estar financeiro, diferenças de acordo com gênero e idade, e facilitadores e barreiras ao bem-estar financeiro em diferentes níveis. A maioria das entrevistas foram presenciais (em áreas urbanas), mas em vários casos, os participantes expressaram preferência por fazer a entrevista por telefone. A duração das entrevistas foi de 30 minutos a 1 hora.
Grupos focais e entrevistas foram transcritos e uma análise temática foi realizada usando o software de gerenciamento de dados qualitativos NVIVO. Os autores adotaram uma abordagem "guiada pela teoria" e moldada pela revisão da literatura e pelos princípios de bem-estar financeiro que os próprios autores desenvolveram.
Resultados
Os resultados permitiram identificar três dimensões distintas de bem-estar financeiro – cada uma com suas próprias subdimensões:
(1) “Meeting expenses” e ter “dinheiro sobrando” compreende três subdimensões: (a) atender às despesas e gerenciar dívidas, (b) ter uma “reserva” em caso de despesas inesperadas, e (c) ter algumas economias para pagar “pequenos extras”, se desejar.
(2) Estar no controle (ou seja, sentir e agir no controle de suas finanças) compreende duas subdimensões: (a) ter controle sobre sua situação financeira no presente e no futuro, e (b) ter a capacidade de definir e perseguir metas para gastos futuros e planejamento de vida.
(3) Sentir-se financeiramente seguro compreende duas subdimensões: (a) ter preocupações financeiras limitadas no presente e no futuro, e (b) quão satisfeito alguém se sente com a sua situação financeira.
Com base nos resultados, os autores propõem a seguinte definição: o bem-estar financeiro é quando uma pessoa consegue arcar com suas despesas essenciais e com as não essenciais que julga importantes e sobra algum dinheiro, tem o controle de suas finanças e se sente seguro financeiramente, no presente e no futuro.
Assim, a pesquisa sugere que essa definição de bem-estar financeiro está intrinsecamente situada em dinâmicas relacionais, sociais, estruturais e temporais mais amplas. A combinação de sistemas ecológicos e abordagem de curso de vida permite uma melhor compreensão de como o bem-estar financeiro e suas dimensões mudam ao longo do tempo e como ele é alcançado, mantido ou desafiado. Uma perspectiva de curso de vida permite levar em consideração diferentes estágios e eventos da vida e como eles influenciam o bem-estar financeiro para diferentes pessoas. Nesse sentido, a pesquisa sugere que a importância e o significado das dimensões do bem-estar financeiro mudam ao longo da vida e em resposta aos diferentes estágios e eventos da vida. Uma abordagem de sistemas ecológicos, por sua vez, fornece um mecanismo sólido para entender as maneiras pelas quais o bem-estar financeiro de um indivíduo se desenvolve em interação com seu ambiente.
A pesquisa encontrou uma série de influenciadores do bem-estar financeiro no nível do sistema ecológico: ou seja, no nível individual, familiar e da comunidade em geral e da sociedade. No nível individual, a capacidade financeira, o emprego, a saúde e felicidade, o gênero e educação e as habilidades foram identificados como fortes influenciadores do bem-estar. A natureza e a extensão da influência parecem estar vinculadas ao estágio de curso de vida do indivíduo e às circunstâncias financeiras ao longo do tempo. A pesquisa também sugere que esses fatores individuais interagem com fatores no contexto mais amplo da família e da comunidade em que os participantes vivem. Fatores individuais, como conhecimento financeiro, atitudes e gênero estavam intimamente relacionados à família, influenciadores no nível da família e dos amigos, como responsabilidades familiares, apoio e educação dos pais e dinâmica do casal.
Por fim, os influenciadores tanto no nível individual quanto no familiar foram moldados por influenciadores mais amplos no nível da comunidade, como custo de vida, política governamental ou acesso a produtos e serviços financeiros. A falta de moradias a preços acessíveis e o aumento do custo de vida são questões estruturais significativas em toda a Austrália e são particularmente problemáticas para famílias de baixa renda. Além disso, a restrição demográfica de apoio a jovens dependentes e pais idosos tende a colocar pressão financeira adicional sobre as famílias, especialmente as de baixa renda.
Lições de Política Pública
O estudo qualitativo realizado por Salignac et al. (2020) mostra que uma abordagem ecológica do curso de vida permite capturar a maneira pela qual o bem-estar financeiro de um indivíduo está estruturalmente, socialmente e temporariamente situado. Tal pesquisa está entre as primeiras na Austrália a começar a desenvolver um modelo de bem-estar financeiro e os fatores que contribuem com o bem-estar, portanto, oferece um caminho a ser seguido na abordagem das lacunas atuais na literatura. É um primeiro passo para entender o que é bem-estar financeiro, o que significa, o que o influencia e, dessa forma, contribui para as discussões internacionais em torno de sua reconceituação.
Com as medidas adequadas já disponíveis, os autores afirmam que o próximo passo é desenvolver, implementar e avaliar iniciativas que operam nos níveis individuais, familiar, comunitário e social. Assim a pesquisa fornece orientação para essas atividades, permitindo que pesquisadores que estudam sobre felicidade e bem-estar financeiro respondam a novos questionamentos: Qual dimensão do bem-estar financeiro tem mais influência na criação da felicidade geral? Quais níveis dos ecossistemas representam as "grandes alavancas" para a criação de bem-estar financeiro e felicidade, e em que medida isso depende da cultura e do contexto? As respostas a essas perguntas ajudarão os governos a reduzir as desigualdades financeiras por meio da criação de políticas sociais e econômicas adequadamente direcionadas.
Referências SALIGNAC, Fanny et al. Conceptualizing financial wellbeing: an ecological life-course approach. Journal of Happiness Studies, v. 21, n. 5, p. 1581-1602, 202