Pesquisadora responsável: Eduarda Miller de Figueiredo
Autores: François Gerard e Joana Naritomi
Localização da Intervenção: São Paulo
Tamanho da Amostra: 77.892 eventos de dispensa
Setor: Mercado de Trabalho
Variável de Interesse Principal: Gastos do consumidor
Tipo de Intervenção: Demissão
Metodologia: Diferenças-em-Diferenças
Resumo
Após a demissão, os trabalhadores são impactados por um choque negativo e permanente na sua renda. Entretanto, ao mesmo tempo há um choque de renda transitório positivo com as verbas rescisórias ou o seguro-desemprego. O artigo se propôs a observar um contexto em que os incentivos para suavizar o consumo são particularmente fortes. Com a utilização de dados para São Paulo e a aplicação do modelo de Diferenças-em-Diferenças, é estimado as mudanças nos gastos do consumidos para trabalhadores deslocados nos 12 meses antes e depois da demissão. As estimações sugerem que todos os grupos de trabalhadores experimentaram um aumento acentuado e significativo nas despesas após a dispensa.
A literatura documenta uma alta sensibilidade do consumo a choques de renda transitórios positivos (Shapiro, 2005; Olafsson e Pagel, 2018). Os valores de segurança rescisória apresentam níveis de consumo mais elevados nos primeiros meses após a dispensa. Ou seja, trabalhadores deslocados tendem a ter limitações de recursos financeiros, entretanto, trabalhadores deslocados podem suavizar o consumo muito além do seguro-desemprego se eles economizarem o dinheiro da dispensa de forma mais lenta (Chetty, 2008; Ganong e Noel, 2019).
Neste artigo, os autores observam um contexto em que os incentivos para suavizar o consumo são particularmente fortes. Examinando o comportamento de gastos dos indivíduos que recebem uma indenização por demissão de uma só vez, ou seja, um choque de renda transitório, ao mesmo tempo em que são demitidos e, portanto, experimentam um choque de renda negativo permanentemente. Modelos econômicos padrão com agentes prospectivos normalmente preveem que uma grande parte deste montante fixo deve ser economizado para suavizar as perdas de consumo advindas do choque negativo permanente.
A análise empírica foi desenvolvida no estado de São Paulo, maior estado do Brasil, que contém uma população de 42 milhões de habitantes e é responsável por 34% do PIB do país. Os trabalhadores informais no estado de São Paulo representam cerca de 35% do emprego no setor privado, não sendo, portanto, cobertos pelos programas de seguro de deslocamento do trabalho.
No Brasil, existem três fontes de benefícios de seguro de deslocamento de trabalho para aqueles trabalhadores que são dispensados involuntariamente de empregos formais no setor privado.
Para a realização da análise foi utilizado uma combinação de conjuntos de dados administrativos. Pela RAIS foram coletados dados de identificação do trabalhador formal, bem como informações sobre idade, raça, sexo, educação, setor, horas, entre outros. Pelos registros do SD foram capturados dados que incluem o ID do trabalhador, data e o valor do benefício para todos os pagamentos. Com o programa Nota Fiscal Paulista (NFP), os autores conseguiram combinar os dados de emprego formal e de SD com os dados de despesas administrativas.
Com isso, foram selecionados todos os empregados formais do setor privado em tempo integral em São Paulo que foram dispensados entre 2011 e 2013. Obtendo-se dados de despesas e empregos de pelo menos um ano antes e um depois da dispensa para todos os trabalhadores com dados de despesas. Foi obtida uma amostra de 77.892 eventos de dispensa e uma amostra de referência de 156.11 eventos de demissão selecionando 5% da amostra geral da RAIS aleatoriamente.
Utilizou-se um modelo de Diferenças-em-Diferenças para estimar as mudanças nos gastos do consumidos para trabalhadores deslocados nos 12 meses antes e depois da demissão, em comparação com um grupo de controle de trabalhadores empregados durante todo o período de 25 meses. O grupo de controle foi construído através da criação de pares trabalhador-mês para eventos de deslocamento “placebo”, nos meses entre 2011 e 2013. O grupo de controle contém 220.160 eventos de deslocamento.
A variável dependente são os gastos do consumidor para trabalhadores deslocados nos meses próximos à demissão em comparação com um mês de referência. Ademais, foram adicionados efeitos fixos de cada evento (demissão) do trabalhador e os erros padrão foram agrupados por trabalhador.
Os resultados demonstram que as despesas totais aumentam 31,4% e 37,7% no mês da dispensa e no mês subsequente, respectivamente. As estimativas diminuem rapidamente, mas permanecem positivas nos meses 2 e 3 após a demissão, conforme demonstrado no Painel A da Figura 1.
Figura 1: Perfil de despesas em torno do deslocamento
Nos meses 4 e 5 as estimativas são negativas e mais estáveis e, nos meses 6 e 8 há novamente uma diminuição mais rápida, que é exatamente nos meses que os trabalhadores exaurem seus benefícios de seguro-desemprego.
O Painel B da Figura 1 compara os resultados do Diferenças-em-Diferenças para trabalhadores dispensados versus trabalhadores que foram demitidos por justa causa e, portanto, não elegíveis para o SD. As estimativas após o deslocamento (período 0) demonstram que os trabalhadores demitidos por justa causa experimentam uma queda nos gastos de consumo, que atinge 26% no mês 1. A grande diferença nos perfis de gastos indica que os benefícios do SD no deslocamento do emprego consegue lidar com os padrões de gastos na demissão sem justa causa. As estimativas para trabalhadores demitidos permanecem baixas nos meses seguintes e abaixo das estimativas dos trabalhadores dispensados sem justa causa, embora a proporção de trabalhadores reempregados é maior entre os demitidos por justa causa do que os dispensados, que é consistente com os desincentivos do SD à busca de empregos.
Ademais, as estimativas apresentam que todos os grupos de trabalhadores experimentaram um aumento acentuado e significativo nas despesas após a dispensa. Inclusive os autores encontraram o mesmo aumento nos gastos para trabalhadores reempregados imediatamente, fornecendo suporte para o argumento de que o aumento dos gastos na dispensa é improvável devido a uma complementariedade entre lazer e despesas. Também se observou que os trabalhadores reempregados imediatamente são o único grupo que não experimentou uma perda de longo prazo e que os níveis de despesas aumentam no mês seguinte ao reemprego. Assim, houve um aumento de gastos em cerca de 5% nos trabalhadores reempregados nos meses 0 a 10 e em cerca de 10% naqueles reempregados após o término do SD.
Entretanto, os autores salientam que os benefícios de seguro-desemprego exigem que os trabalhadores permaneçam sem empregos, o que levaria a distorções menores nos esforços na busca de emprego, conforme também discutido em Feldstein e Altman (2007).
Os resultados encontrados pelo artigo demonstram que os pagamentos parcelados do seguro-desemprego podem ser importantes, em comparação com as verbas rescisórias pagas de uma vez só, para suavizar o consumo pós-demissão. Em que se o objetivo de um programa é fornecer seguro aos trabalhadores deslocados, os resultados implicam que um desembolso de quantia total (verbas rescisórias) poderia prejudicar esse objetivo.
Referências
GERARD, François; NARITOMI, Joana. Job displacement insurance and (the lack of) consumption-smoothing. American Economic Review, v. 111, n. 3, p. 899-942, 2021.