Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Importing Political Polarization? The Electoral Consequences of Rising Trade Exposure
Autores: David Autor, David Dorn, Gordon Hanson e Kaveh Majlesi
Localização da Intervenção: Estados Unidos
Tamanho da Amostra: 432 distritos congressionais
Setor: Política
Variável de Interesse Principal: Votação
Tipo de Intervenção: Exposição à importação
Metodologia: OLS, 2SLS
Resumo
O aumento da polarização política observada nos Estados Unidos levantou diversos questionamentos sobre as suas causas. Com o objetivo de identificar um dos fatores que contribuíram para tal fenômeno, os autores deste artigo verificaram como o aumento na competição por importações impactou o posicionamento dos eleitores do país. Os resultados indicaram que condados expostos a importações tornaram-se mais polarizados e uma inclinação geral da população americana à direita. Além disso, houve a ampliação na prevalência dos partidos Republicano e Democrata de acordo com a maioria racial da população do condado, implicando na redução da parcela de democratas moderados eleitos independente da demografia do condado.
O aumento da ascensão da divisão ideológica nos Estados Unidos tem sido refletida na tensão política americana. Tal comportamento se manifestou através orientação política das doações de campanha e políticos eleitos de ambos partidos, Republicano e Democrata, que vem se ampliando desde o final da década de 1970 (Autor et al., 2020). A partir do século XXI, os padrões de consumo de mídia do público no país também evidenciou esse fenômeno. Enquanto aproximadamente metade dos entrevistados no país apoiavam posições políticas moderadas nas décadas de 1990 e 2000, essa parcela reduziu-se para 40% a partir do final da década de 2000 (Pew Research Center, 2014).
Esse período coincide com a crescente exposição dos mercados de trabalho locais americanos ao aumento da concorrência estrangeira da China. Essa exposição implicou diretamente na queda significativa e persistente observada nos empregos industriais dos Estados Unidos, além de resultar na redução de rendimentos para trabalhadores em setores mais afetados (Autor et al., 2020). Os autores destacam que o aumento da polarização apresenta relação com à raça e ao grau de instrução nos condados afetados pela expansão do comércio. Como consequência, movimentos étnico-nacionalistas passaram a ter mais relevância nas posições políticas do Partido Republicano.
Na medida em que crises financeiras e a desigualdade de renda são capazes de implicar em aumento de polarização política, o padrão de votação no congresso está relacionado ao contexto econômico. Assim, a concentração do impacto do choque da China em setores e regiões específicas torna as consequências econômicas da expansão do comércio entre os países politicamente relevantes. A geografia econômica concentrada e bem delineada do choque do comércio com a China nos permite estabelecer relações entre choques econômicos no mercado de trabalho e seus resultados políticos.
O maior aumento nas importações dos Estados Unidos ocorreu logo após a adesão da China à Organização Mundial do Comércio em 2001: a participação da China nas exportações mundiais de manufaturas saltou de 4,8% em 2000 para 15,1% em 2010 (Brandt et al., 2017). O aumento nas exportações chinesas foi impulsionado pelo crescimento da produtividade induzida por reformas na indústria de manufatura (Brandt et al., 2017). Contudo, os ganhos de produtividade associados a essas reformas reduziram-se significativamente até o final da década de 2000 (Autor et al., 2020).
Nesse sentido, os autores avaliam as implicações do mercado de trabalho local à política eleitoral nos Estados Unidos considerando as zonas de deslocamento (ZDs). O estudo também avalia o impacto da exposição das importações chinesas por setor e verifica efeitos heterogêneos decorrentes de características demográficas das respectivas ZDs.
O artigo também utiliza diversas formas de expressão de engajamento político. Com esse intuito, foram utilizados três fontes de dados: (i) dados de pesquisas de opinião pública do Pew Research Center sobre as crenças políticas dos potenciais eleitores; (ii) dados da Nielsen Local TV View sobre a audiência de emissoras com diferentes alinhamentos políticos (Fox News, de tendência mais conservadora, e MSNBC e CNN, mais progressistas); e (iii) as medidas do Banco de Dados sobre Ideologia, Dinheiro na Política e Eleições (DIME) sobre contribuições de campanha. Esses dados revelam como a demanda por ideologia observada na população americana transcorreu no período entre 2000 e 2016.
Os dados do Pew Research Center utilizados para medir as mudanças na ideologia dos eleitores ao longo do tempo, realizando periodicamente questionários relacionados às crenças políticas dos entrevistados. Em cada uma das dez perguntas, os participantes escolhem qual das duas afirmações opostas sobre um tópico, uma inclinada à esquerda e outra à direita, melhor reflete sua opinião. Respostas com inclinação à esquerda e direita são computadas com os valores -1 e +1, respectivamente. A partir das respostas dos participantes é definida a medida da distribuição de crenças políticas da esquerda para a direita no intervalo de [-10, +10], o escore de ideologia Pew. Os eleitores foram definidos como liberais (escore entre -10 e -3), moderados (escore entre -2 e 2), e conservadores (escore entre 3 e 10).
Os dados provenientes do Nielsen Local TV View rastreiam a visualização de TV em domicílios dos EUA, medindo o tamanho da audiência para determinados programas e horários de programação utilizando monitores eletrônicos conectados aos aparelhos de TV domésticos e diários dos espectadores. As classificações da Nielsen indicam a fração de todos os domicílios que possuem TV sintonizada em um programa específico em um determinado horário. Os autores consideraram as classificações médias para o período de 17h às 23h, de segunda a sexta-feira, contemplando o período de 2004 a 2016.
Os dados oriundos do DIME são coletados através de relatórios exigidos pela Comissão Eleitoral Federal dos Estados Unidos, onde são tabuladas as contribuições de campanha por doador e receptor para todas as quantias acima de $200. A partir desses dados, Bonica (2013) propõe a criação de um escore de financiamento de campanha (EFC), estabelecendo alinhamento político a partir do benefício líquido entre a votação em candidatos em geral em relação a um candidato específico com posições ideológicas antagônicas.
Para avaliar o efeito do choque provocado pela expansão de importações da China no posicionamento eleitoral americano, os autores utilizam a variação média na penetração de importações chinesas nas indústrias de cada ZD. As ZDs foram estabelecidas dividindo as células de condados de acordo com o seu distrito congressual, estabelecendo cada célula para sua respectiva ZD e ponderando-as pela parcela da população apta a votar. A exposição regional ao comércio também considerou a variação na exposição das importações chinesas por setor, ponderando cada setor pela sua participação inicial no emprego da ZD. Esta medida considerou apenas a parcela do crescimento que é explicada pela expansão das oferta de exportações da China, desconsiderando choques de demanda nos Estados Unidos. Para eliminar ruídos causados por redefinições em distritos eleitorais, os autores realizaram estimativas desconsiderando as observações dos condados-ano que experimentaram redefinições dois anos antes de determinada eleição.
Para compreender como a expansão do comércio com a China afetou a expressão política dos eleitores americanos, os autores analisaram o impacto no market share de audiência para as três maiores emissoras de notícias do país (Fox News, MSNBC, CNN), além do efeito nas doações para campanhas. Para avaliar o impacto nas audiências das três emissoras, os autores utilizaram os métodos de mínimos quadrados ordinários (OLS) e mínimos quadrados em dois estágios (2SLS). Foram controlados aspectos de idade, raça, tendências de tempo dos distritos e efeitos fixos das ZDs.
Os autores utilizaram o método 2SLS para avaliar o efeito nas doações para campanhas de acordo com o EFC. Foram controlados, ao nível do condado, os grupos etários e raciais, bem como as parcelas da população do sexo feminino, com educação universitária, nascidas em outros países, e de origem hispânica.
O estudo também estimou o efeito provocado na participação eleitoral entre eleitores registrados, na probabilidade de eleger um candidato republicano, e na parcela de votos distritais em candidatos republicanos, separados de acordo com o grau de competitividade entre os partidos (distrito pró-democrata, pró-republicano ou competitivo).
Em seguida, são avaliados os impactos causados na orientação ideológica dos candidatos eleitos no congresso, estimando a chance de vitória de candidatos moderados (ambos partidos), liberais democratas e conservadores republicanos. Conjuntamente, verificou-se a presença de efeitos heterogêneos de acordo com a maioria racial dos condados. Ambas as análises controlaram aspectos demográficos.
Por fim, os autores adotaram o método de 2SLS para estimar o impacto da expansão do comércio com a China sob as eleições presidenciais. Foi analisado o impacto na variação da parcela de votos em candidatos presidenciais republicanos entre 2000 a 2008 e entre 2000 a 2016. Novamente, foram controlados aspectos demográficos.
Os resultados para as análises relacionadas ao comportamento dos eleitores indicam a presença de efeitos significativos decorrentes da exposição à competição de importações chinesas. Da maneira geral, os resultados referentes ao impacto da expansão na audiência das três maiores emissoras do país indicaram que a rede de notícias Fox News auferiu elevação na sua fatia de mercado, apresentando um acréscimo em torno de 5 pontos percentuais (p.p.) no decorrer do período de 2004 a 2012. De forma compensatória, essa elevação ocorreu ao custo de quedas para as emissoras CNN e MSNBC.
Com relação ao impacto nas contribuições de campanhas, os resultados demonstraram que houve elevação expressiva de 35% na contribuição para campanhas de liberais ao longo dos anos 2002 e 2010, além de elevações significativas de 22,6% na contribuição para campanhas de conservadores. No entanto, não foram identificados resultados significativos para campanhas de candidatos moderados, indicando um padrão de polarização nas doações para campanhas.
As evidências encontradas nas análises relacionadas aos resultados eleitorais demonstraram que os candidatos republicanos foram os maiores beneficiados. Os candidatos do partido Republicano observaram aumentos significativos de 2,6 p.p. na participação de eleitores registrados e de 11,8 p.p. na sua probabilidade de eleição em distritos mais expostos ao comércio chinês. Embora não tenham sido identificados resultados significativos sobre a parcela de votos em distritos, as evidências sugerem que o aumento na probabilidade de vitória dos republicanos se deu em virtude da captação de votos em distritos considerados competitivos entre os partidos.
Além disso, os resultados das análises relacionadas à posição ideológica dos candidatos eleitos corroboraram os ganhos relativos dos republicanos, em especial os mais conservadores. Apesar dos candidatos democratas liberais terem apresentado elevação na probabilidade de vitória entre 2002 a 2016, tanto o aumento dos candidatos democratas liberais quanto dos candidatos republicanos conservadores foi majoritariamente explicado por uma grande redução na probabilidade de vitória dos candidatos democratas moderados. Ao considerar o perfil racial dos condados, essas tendências se repetem, favorecendo candidatos conservadores em condados de maioria branca não-hispânica e candidatos liberais em condados de minoria branca não-hispânica.
Os resultados das análises sobre os efeitos nas eleições presidenciais indicaram que a convergência do comportamento dos eleitores e da preferência por congressistas em prol dos republicanos foi convertida em mais votos para os candidatos à presidência do partido Republicano. Considerando os modelos com todas as covariáveis, o choque da expansão do comércio chinês provocou um efeito de aproximadamente 1 p.p para os períodos de 2000 a 2008 e de 2000 a 2016.
Neste artigo, os autores demonstraram, através de uma metodologia robusta, que o contato dos distritos com a expansão do comércio com importações chinesas provocou repercussões políticas significativas nos Estados Unidos. A ala mais conservadora do Partido Republicano foi o grupo político mais favorecido nas eleições para o congresso, movimento que se deu à custa do desempenho da ala moderada do Partido Democrata. O desempenho eleitoral dos partidos foi corroborado pelo comportamento dos eleitores em termos de contribuições e audiência das emissoras de noticiários, indicando consolidação ideológica por parte dos votantes. Naturalmente, esse comportamento refletiu-se nas eleições presidenciais.
Além disso, o choque comercial experimentado implicou em efeitos heterogêneos com relação à raça dos condados expostos. Esses resultados confirmam a existência de pressões raciais observadas recentemente no debate político dos Estados Unidos. Segundo os autores, essa conexão é parcialmente motivada pela competição pela captação de recursos baseada em grupos oportunistas diante de tais tensões. Essa heterogeneidade decorre de aspectos demográficos e geográficos, de forma que regiões mais intensivas em mão de obra foram as mais afetadas negativamente em termos de oportunidades de trabalho e salários, caracteristicamente dominadas por homens menos escolarizados. As evidências deste estudo, portanto, sugerem que a elevação da polarização política nos Estados Unidos está fortemente relacionada a implicações econômicas do choque comercial das importações da China no país.
Referências
Autor, D., Dorn, D., Hanson, G., e Majlesi, K. (2020) Importing Political Polarization? The Electoral Consequences of Rising Trade Exposure. American Economic Review, 110(10), 3139–3183.
Bonica, A. (2013) Ideology and Interests in the Political Marketplace. American Journal of Political Science, 57(2), 294–311.
Brandt, L., Van Biesebroeck, J., Wang, L., e Zhang, Y. (2017) WTO Accession and Performance of Chinese Manufacturing Firms. American Economic Review, 107(9), 2784–2820.
Pew Research Center. (2014) Political Polarization in the American Public.