Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Household Debt Revaluation and the Real Economy: Evidence from a Foreign Currency Debt Crisis
Autores: Emil Verner e Győző Gyöngyösi
Localização da Intervenção: Hungria
Tamanho da Amostra: 2.538 municípios
Setor: Economia Financeira
Variável de Interesse Principal: Endividamento
Tipo de Intervenção: Exposição à dívida estrangeira
Metodologia: OLS
Resumo
Durante crises cambiais, o endividamento em moeda estrangeira pelas famílias pode intensificar os riscos financeiros, aumentando as taxas de inadimplência e desencadeando uma redução no consumo. Isso pode ter efeitos adversos significativos na estabilidade econômica doméstica e no bem-estar das famílias. Nesse sentido, este estudo examina as consequências do aumento do endividamento em moeda estrangeira das famílias durante a crise cambial da Hungria no final de 2008. Os resultados encontrados demonstraram que a reavaliação das dívidas provocaram elevação na inadimplência elevada e queda no consumo de bens duráveis, acelerando a recessão local com efeitos negativos sobre os tomadores de crédito próximos e apresentando efeitos mais severos para dívidas concentradas nas famílias.
Durante períodos de crise cambial, as famílias e firmas que contraem empréstimos em moeda estrangeira enfrentam incertezas adicionais devido à volatilidade das taxas de câmbio. Essa exposição pode tornar os tomadores de crédito mais vulneráveis, pois qualquer valorização repentina da moeda local pode aumentar substancialmente o custo do serviço da dívida em termos locais. A consequente pressão sobre os orçamentos dos agentes pode levar não apenas a um aumento nas taxas de inadimplência, mas também depreciar drasticamente a capacidade de consumo.
Nesse contexto, esse cenário não apenas amplifica os impactos econômicos negativos em nível doméstico, mas também pode gerar um ciclo de desaceleração econômica mais amplo. Expansões rápidas de crédito são frequentemente seguidas de grandes recessões, implicando em efeitos adversos sobre o crescimento do produto interno bruto (PIB) e o emprego (VERNER; GYÖNGYÖSI, 2020). A Europa emergente antes da crise financeira de 2008, em particular o caso da Hungria, evidencia esse fenômeno, onde o rápido crescimento do crédito domiciliar em moeda estrangeira foi seguido por grandes reavaliações da dívida e severas dificuldades financeiras das famílias. Assim, compreender as consequências da exposição à dívida estrangeira durante períodos de crise torna-se fundamental para mitigar possíveis riscos sistêmicos e induzir uma maior resiliência econômica no longo prazo.
A crise da dívida em moeda estrangeira na Hungria teve suas origens na rápida expansão do crédito domiciliar denominado em moeda estrangeira antes da crise financeira global de 2008. Entre 2000 e 2008, houve um aumento significativo na dívida das famílias em relação ao PIB, impulsionado por empréstimos subsidiados em moeda local para habitação e empréstimos não subsidiados em moeda estrangeira, principalmente em francos suíços. Em setembro de 2008, cerca de 69% da dívida habitacional pendente estava denominada em moeda estrangeira, o que deixou os balanços patrimoniais das famílias diretamente expostos à depreciação acentuada do forint húngaro (HUF) durante a crise.
A estabilidade das taxas de câmbio do forint em relação ao euro e ao franco suíço até outubro de 2008 alimentou a crença entre os participantes do mercado de que uma grande depreciação era improvável. No entanto, entre setembro de 2008 e março de 2009, o forint depreciou cerca de 27,5% em relação ao euro e 32,3% em relação ao franco suíço. Esse movimento foi desencadeado por uma fuga geral para ativos seguros, afastando-se dos mercados emergentes, e intensificado pelas preocupações dos investidores com as significativas necessidades de financiamento externo do governo húngaro.
Posteriormente, entre 2010 e 2011, a depreciação subsequente do forint durante a crise da zona do euro agravou ainda mais a situação. Bancos estrangeiros aproveitaram a estabilidade anterior e oferecendo empréstimos em moeda estrangeira a taxas de juros mais baixas do que os empréstimos em moeda local. Assim, houve uma expansão agressiva do crédito em moeda estrangeira para áreas com menor endividamento subsidiado. A falta de hedge contra riscos cambiais significava que a maioria dos devedores não estava protegida contra a volatilidade cambial, dado que sua renda e ativos eram predominantemente denominados em moeda local. Esses fatores resultaram em uma crise de dívida em moeda estrangeira na Hungria, onde muitas famílias enfrentaram dificuldades financeiras severas devido ao aumento repentino nos encargos da dívida em relação à sua capacidade de pagamento em forints desvalorizados.
Para medir a exposição à dívida em moeda estrangeira dos municípios antes da depreciação do forint em 2008, o registro de crédito foi reconstituído desde 2000. Utilizou-se um modelo de anuidade e dados detalhados sobre taxas de juros para estimar os pagamentos mensais e a dívida pendente antes de 2012 para todos os empréstimos no registro de crédito. Essas estimativas foram ajustadas para corresponder às contas financeiras agregadas por moeda, resultando em um registro de crédito que abrange 80,5% da dívida habitacional agregada em setembro de 2008. As variáveis principais a nível de municipal foram extraídas do banco de dados Hungarian Central Statistics Office’s T-Star, incluindo a taxa de desemprego, renda familiar, pagamentos de impostos, população e migração líquida. O registro de novos automóveis foi utilizado como um indicador de gastos duráveis das famílias e os índices de preços de imóveis sub-regionais (NUTS-4) foram estimados a partir do banco de dados de transações de compra de imóveis do Banco Nacional da Hungria para avaliar a evolução dos preços das habitações.
Além disso, os dados a nível de empresa foram obtidos das declarações fiscais corporativas para a Autoridade Fiscal da Hungria, abrangendo emprego, folha de pagamento, vendas de exportação e investimentos para todas as empresas de contabilidade dupla no país. A maioria das empresas incluídas na análise possuia um único estabelecimento, incluindo a sede, e cada empresa operava em aproximadamente 1,66 municípios em média. Com base nisso, definiu-se a exposição de uma empresa à dívida local das famílias em moeda estrangeira pelo município da sua sede.
Para construir um painel balanceado, excluíram-se empresas com menos de três funcionários e aquelas nos setores de finanças, imóveis, administração pública, educação e saúde e assistência social, resultando em uma amostra de 66.267 empresas que foram acompanhadas de 2006 a 2012. Finalmente, dados a nível de empréstimo do Registro de Crédito das Empresas Húngaras foram combinados para obter informações sobre a dívida empresarial por moeda e a inadimplência das empresas. Em média, dois terços das dívidas das famílias da amostra eram em moeda estrangeira, enquanto que para as firmas essa parcela era de 11%.
O objetivo da análise foi investigar os efeitos da exposição das famílias e das firmas à dívida em moeda estrangeira durante a crise cambial na Hungria a partir de 2008. Como variáveis de resultado, observou-se o impacto da reavaliação das dívidas nas variáveis econômicas locais. A arcabouço teórico para o comportamento das famílias considerou três modelos: (i) um modelo básico, comparando a evolução de variáveis como gastos em municípios com diferentes níveis de exposição à dívida em moeda estrangeira antes e depois de 2008; (ii) um modelo dinâmico, avaliando as tendências ao longo do tempo e a propagação do choque da reavaliação da dívida; e (iii) um modelo do choque de reavaliação foca no impacto específico da depreciação do forint, isolando os efeitos cambiais na economia local.
A primeira análise do estudo examinou o efeito da reavaliação da dívida em moeda estrangeira das famílias sobre o seu crédito taxa de inadimplência a nível municipal. Adicionalmente, verificou-se o efeito da reavaliação da dívida em moeda estrangeira das famílias sobre o seu consumo com bens duráveis, mensurado a partir do número de registros anual de novos de automóveis. Ambas as regressões estimaram o coeficiente da parcela da dívida em moeda estrangeira do município da família, controlando para covariáveis de efeitos fixos de municípios, tempo e região, exposição à exportação, e indicadores de qualidade de crédito e de emprego por indústria.
O estudo também apresentou estimativas relacionadas aos impactos da reavaliação da dívida em moeda estrangeira sobre a atividade econômica, observando o impacto da crise sobre o desemprego local. Além disso, analisou-se possíveis mecanismos para os impactos no desemprego através do nível de emprego local das firmas (exportadoras e não exportadoras), limitação no ajuste de mercado de trabalho e desvalorização do mercado imobiliário.
Por fim, foi verificado se a reavaliação do endividamento em moeda estrangeira provocou efeitos de transbordamento sobre os empréstimos imobiliários em moeda local e moeda estrangeira. Foram realizadas análises para três amostras: todos tomadores de crédito, tomadores de crédito em moeda local, e tomadores de crédito em moeda estrangeira.
Os resultados indicaram que reavaliação da dívida das famílias em moeda estrangeira teve impactos significativos tanto na inadimplência local quanto no consumo de bens duráveis. Referente à inadimplência, as áreas com maior exposição à dívida em moeda estrangeira apresentaram uma taxa de inadimplência 9,30 pontos percentuais (p.p.) mais alta após a depreciação do forint. Em relação ao consumo de bens duráveis, a reavaliação da dívida resultou em uma redução de 41% nas compras de automóveis nas regiões mais expostas, demonstrando uma queda substancial no gasto local em duráveis, influenciada pela maior carga da dívida das famílias.
Com relação aos impactos na atividade econômica, a reavaliação da dívida em moeda estrangeira exerceu impactos negativos significativos e persistentes sobre o emprego e a economia local. As firmas não exportadoras, em especial, apresentaram quedas acentuadas no nível de emprego, enquanto que as firmas exportadoras não sofreram impactos estatisticamente significativos. Esse resultado indica a persistência do desemprego elevado em áreas mais expostas indica uma adaptação limitada através da realocação de mão de obra para setores mais resilientes. Além disso, a desvalorização nos preços dos imóveis agrava ainda mais a recessão local, prolongando os efeitos negativos sobre o mercado de trabalho e dificultando a recuperação econômica das áreas afetadas.
As estimativas referentes aos impactos da exposição à dívida em moeda estrangeira nos indicadores das firmas revelaram que as empresas com maior fração de dívida em moeda estrangeira reduzem seus investimentos após a desvalorização. No entanto, essas empresas experimentam um crescimento mais forte em vendas, valor agregado e emprego. Segundo os autores, isso pode ocorrer pois as empresas com exposição à dívida em moeda estrangeira são mais produtivas e têm melhores oportunidades de crescimento. Assim, elas reduzem temporariamente os investimentos, mas mantêm os funcionários esperando um crescimento futuro mais forte.
Este estudo investigou os efeitos da reavaliação da dívida em moeda estrangeira das famílias húngaras sobre diversos indicadores econômicos locais. Observando dados de painel entre 2006 e 2012, o artigo examinou como a exposição das famílias à dívida em moeda estrangeira influenciou a atividade econômica da Hungria após a crise de 2008.
Os resultados indicaram que a reavaliação da dívida provocou um aumento significativo na inadimplência local, refletindo um maior fardo financeiro para os devedores decorrente da queda cambial do forint. Como consequência, observou-se a ocorrência da queda acentuada nos gastos com bens duráveis em áreas com alta exposição à dívida em moeda estrangeira, da depreciação no mercado imobiliário húngaro, e aumento no desemprego local associado à queda no nível de emprego de empresas não exportadoras.
Esses resultados são relevantes para compreender como choques financeiros em nível doméstico podem se propagar pela economia local, exacerbando problemas a atividade econômica de forma ampla. Tais evidências enfatizam a necessidade de políticas macroprudenciais para a limitação da exposição alavancagem a moedas estrangeiras e que promovam a estabilidade econômica em períodos de volatilidade cambial e de mercado.
Referências
VERNER, E.; GYÖNGYÖSI, G. Household Debt Revaluation and the Real Economy: Evidence from a Foreign Currency Debt Crisis. American Economic Review, v. 110, n. 9, p. 2667–2702, 1 set. 2020.