Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: How Well Targeted Are Soda Taxes?
Autores: Pierre Dubois, Rachel Griffith e Martin O’Connell
Localização da Intervenção: Reino Unido
Tamanho da Amostra: 2.449 indivíduos
Setor: Economia Tributária
Variável de Interesse Principal: Demanda por refrigerantes
Tipo de Intervenção: Tributação
Metodologia: OLS, Logit
Resumo
O consumo excessivo de açúcar está associado ao desenvolvimento de diversas doenças graves, impondo desafios na área da saúde para os governos. Para mudar os hábitos de consumo da população, diversos países aplicam impostos mais elevados sobre o consumo de alimentos com altos níveis de açúcar. Nesse sentido, este estudo conduziu uma série de análises para verificar o impacto de tributos aplicados a refrigerantes sobre a sua demanda, considerando diferentes perfis de consumidores. As evidências encontradas demonstraram que os impostos sobre refrigerantes são relativamente eficazes em reduzir a ingestão de açúcar entre os jovens, são menos eficazes em reduzir a ingestão entre aqueles com alta ingestão total de açúcar na dieta. Os resultados sugerem que seja improvável que a incidência desses impostos seja regressiva, em especial para os consumidores que se beneficiarem das internalidades evitadas.
O consumo de açúcar representa um dos maiores desafios para a saúde dos países desenvolvidos. O seu consumo excessivo está ligado ao desenvolvimento de diversas doenças graves, como diabetes, câncer e doenças do coração (DUBOIS; GRIFFITH; O’CONNELL, 2020). A incidência dessas doenças configura o fenômeno econômico definido como internalidades, onde o consumo determinado bem ou serviço implica em consequências ao próprio consumidor no longo prazo.
De acordo com o CDC (Centers for Disease Control and Prevention, 2016), bebidas não alcoólicas são os maiores contribuidores para os elevados índices de consumo de açúcar na dieta atualmente, destacando-se a categoria dos refrigerantes. Os grupos mais suscetíveis ao consumo excessivo de refrigerantes compreendem os indivíduos com dietas ricas em açúcar e a população jovem, especialmente aqueles de baixa renda.
Diante desse problema, os governos de diversos países adotaram a aplicação de taxas para o consumo de refrigerantes objetivando induzir a redução do seu consumo. Em dezembro de 2019, a taxação direcionada a refrigerantes era conduzida por 43 países. Entre esses países, o Reino Unido implementou o Soft Drinks Industry Levy em 2018, impondo uma taxa de £ 0,24 por litro de variantes de Coca-Cola e Pepsi a partir de 1º de abril do mesmo ano (DUBOIS; GRIFFITH; O’CONNELL, 2020). Nesse sentido, mensurar as consequências da aplicação desse tipo de taxa para o bem-estar da população envolve compreender como a demanda por esses produtos reage diante de grupos de consumidores com padrões de consumo e sensibilidades a preços distintas.
O estudo observou o mercado de bebidas não alcoólicas, considerando a escolha dos consumidores entre bebidas alternativas e a substituição por lanches/petiscos. As bebidas não alcoólicas incluem refrigerantes (com e sem açúcar), energéticos, sucos de frutas, bebidas à base de leite açucaradas, e outras bebidas não alcoólicas adoçadas, além de água engarrafada. As "taxas sobre refrigerantes" são tipicamente aplicados a refrigerantes que contêm açúcar, inclusive para as bebidas dietéticas. Por outro lado, bebidas como sucos de frutas puros sem adição de açúcar e bebidas predominantemente compostas por leite são isentos desse tipo de tributo.
O consumo imediato dessas bebidas é relevante a compreensão da sua demanda. O consumo imediato representa uma parte importante do mercado e uma fonte significativa de açúcar, especialmente para os mais jovens. Aproximadamente metade da ingestão de açúcar de produtos de refrigerantes adoçados é oriunda de compras para o consumo imediato. Além disso, a identificação do comportamento de consumo imediato permite distinguir as preferências de consumo dos domicílios do consumo de individuos com faixas etárias.
Os refrigerantes disponíveis para consumo imediato no mercado de bebidas não alcoólicas no Reino Unido compreendem os produtos das marcas pertencentes à Coca-Cola Enterprises, PepsiCo, GlaxoSmithKline (GSK) e Barrs, além de um grande número de pequenas marcas (grupo de marcas que representa 16% do mercado). Adicionalmente, o estudo também considerou sucos de fruta, leites aromatizado e águas aromatizadas, que juntas representam pouco menos de 10% do mercado, e água engarrafada, que representa mais 11%.
Os dados utilizados neste estudo são da pesquisa de consumo imediato de alimentos da Kantar Worldpanel realizada pela empresa de pesquisa de mercado Kantar. Os dados sobre alimentos para consumo imediato rastreiam as compras de alimentos e bebidas feitas por indivíduos para consumo imediato fora de casa e para o consumo em casa. Os indivíduos na pesquisa sobre consumo imediato são selecionados aleatoriamente a partir de domicílios registrados na base de dados. Assim, foi possível identificar informações sobre os produtos comprados, o preço da transação, a loja onde a compra foi feita, os atributos do domicílio e características dos consumidores.
A partir desses preços ao nível da transação, e para cada produto, foi possível calcular o preço médio mensal em cada tipo de loja, permitindo estimar a demanda pelos produtos. O preço médio mensal foi calculado de duas formas. Para cadeias nacionais no Reino Unido, com preços definidos nacionalmente, e para máquinas de venda automática, foram considerados os seus respectivos preços nacionais. Para lojas independentes, os preços que foram calculados regionalmente.
Os dados compreendem um painel de 2.449 indivíduos entre o período de junho de 2009 a dezembro de 2014. As observações do estudo se deram no nível da “ocasião de escolha”, definida como um dia em que os indivíduos fazem uma compra de uma bebida não alcoólica ou um lanche/petisco. A amostra final consistiu em 616.544 ocasiões de escolha, onde 95% e 60% dos consumidores apresentaram observações em mais de 25 e 100 ocasiões de escolha, respectivamente.
O estudo considera um modelo de demanda considerando diversas características de produtos, transação, consumidores e períodos. Com relação às características dos produtos, considerou-se o seu tipo (bebida ou lanche), a marca, a adição ou não de açúcar, e o preço dos produtos. Para controlar as características dos transação, observou-se a firma revendedora, localização e o tipo de publicidade, considerando diferentes tipos de grupos alvo. Com relação às características dos consumidores, considerou-se os efeitos fixos de cada indivíduo e distinguiu-se os grupos de indivíduos em termos de gênero e faixa etária.
Os autores estimaram em que medida a taxa sobre refrigerantes é repassada para os preços praticados no mercado. Para tal, foi adotado o método de estudo de evento para os preços (por litro) das duas principais marcas, Coca-Cola e Pepsi. O período analisado compreendeu o ano anterior e posterior em relação à data de implementação da taxa, considerando-se as características dos produtos, transação e consumidores.
As preferências de consumo por bebidas foi identificada de forma a capturar a heterogeneidade de gosto dos indivíduos. Assim, utilizou-se um método de Logit multinomial, permitindo estimar a probabilidade dos indivíduos comprarem determinado produto em cada ocasião de escolha. Tal abordagem permitiu avaliar o impacto do tributo para perfis de consumidores com faixa etária e preferências por açúcar distintas.
Através do modelo de demanda estimado, verificou-se os impactos da taxa sobre os refrigerantes na quantidade de açúcar ingerida nas ocasiões de consumo imediato de bebidas. Adicionalmente, verificou-se a efetividade da focalização da tributação em grupos prioritários: jovens, indivíduos de famílias de baixa renda e indivíduos com alta ingestão anual de açúcar. Por fim, o estudo analisa o impacto da política sobre o bem-estar do consumidor e se o imposto apresenta caráter regressivo.
As estimativas revelaram que os preços de bebidas afetadas pelo imposto sobre refrigerantes aumentaram em $ 0,28, porém variaram de forma heterogênea de acordo com o tamanho da embalagem da bebida. Refrigerantes com embalagens menores apresentaram um aumento de £ 0,241 por litro, enquanto que embalagens maiores sofreram um aumento de £ 0,294 por litro. Considerando que o Soft Drinks Industry Levy implementou uma taxa de £ 0,24 por litro para as variantes açúcaradas de Coca-Cola e Pepsi, esses resultados indicaram um forte repasse dos tributos para o preço pago pelos consumidores.
As preferências por preço e bebidas variaram pouco entre os diferentes grupos etários, com exceção à predileção dos mais velhos por bebidas em relação a lanches. No entanto, as preferências por açúcar variam consideravelmente com a idade. Indivíduos com menos de 30 anos têm maior probabilidade de preferirem variedades de produtos açucarados, enquanto os mais velhos têm menos propensão a isso. Para aqueles com preferências por açúcar moderadas, os mais jovens têm uma preferência média por açúcar significativamente maior do que os de 22 a 30 anos, que, por sua vez, preferem mais açúcar do que os maiores de 30 anos.
As estimativas relacionadas ao perfil dos consumidores indicaram que os consumidores que compram refrigerantes reduziram, em média, a quantidade de açúcar consumida imediatamente em cerca de 245g por ano, uma redução de 21%. Parte dessa redução é compensada pela substituição por bebidas não taxadas com açúcar e lanches alternativos. Mesmo considerando respostas comportamentais, a variação compensatória permanece alta para esses grupos. Considerando uma lata de Coca-Cola como referência, uma internalidade de pelo menos £0,62 por lata seria necessária para que esses consumidores experimentem um aumento no bem-estar, assumindo nenhum benefício da receita do imposto.
Os indivíduos jovens e os de famílias pobres obtêm mais açúcar de refrigerantes consumidos imediatamente, tornando-os mais afetados pelo imposto sobre refrigerantes. As estimativas mostraram que consumidores de 13 a 21 anos reduzem, em média, 280g de açúcar e têm uma variação compensatória de £ 4,94. Jovens e indivíduos em lares de baixa renda são mais impactados pelo imposto e apresentam maiores reduções no consumo de açúcar. Indivíduos com alta ingestão de açúcar na dieta apresentaram respostas menores, tanto em termos absolutos quanto percentuais.
Este artigo investigou o impacto da taxa sobre bebidas açucaradas Soft Drinks Industry Levy do Reino Unido sobre o consumo de açúcar em situações de consumo imediato. Para tal, foi conduzida uma análise utilizando dados sobre o padrão de consumo imediato diário dos indivíduos, considerando a reação dos consumidores a mudanças no preço provocadas pelo tributo.
As evidências deste estudo destacaram que os consumidores são moderadamente sensíveis ao aumento de preço devido ao imposto. A implementação do imposto resultou em uma redução significativa no consumo de açúcar, especialmente entre jovens e indivíduos de baixa renda, ressaltando a eficácia do imposto em atingir esses grupos específicos. Além disso, o estudo destacou a importância das preferências de consumo e substituição por bebidas não taxadas na determinação da resposta dos consumidores. O desenho dessa política revela como a estrutura de preços pode induzir mudanças de consumo saudáveis, contribuindo para a redução da ingestão de açúcar e melhorando a saúde pública a longo prazo.
Referências
DUBOIS, P.; GRIFFITH, R.; O’CONNELL, M. How Well Targeted Are Soda Taxes? American Economic Review, v. 110, n. 11, p. 3661–3704, 1 nov. 2020.