Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Adult Medicaid benefit generosity and receipt of recommended health services among low-income children: The spillover effects of Medicaid adult dental coverage expansions
Autor: Brandy J. Lipton
Localização da Intervenção: Estados Unidos
Tamanho da Amostra: 17.274 crianças
Setor: Economia da Saúde
Variável de Interesse Principal: Utilização de serviços de saúde
Tipo de Intervenção: Cobertura de seguro de saúde
Metodologia: DID, DDD, Estudo de Eventos
Resumo
O acesso ao serviço de saúde para crianças apresenta desigualdades relacionadas a condições socioeconômicas. Nesse sentido, políticas públicas de ampliação da cobertura de seguros de saúde podem minimizar tal situação. Este estudo avaliou o impacto do pacote de cobertura do programa Medicaid na redução das disparidades de necessidades médicas decorrentes de desigualdades de renda. Os resultados identificados revelaram que, ao aproveitar as mudanças nos benefícios odontológicos para adultos a nível estadual ao longo do tempo, a cobertura está associada a aumentos de 14 e 5 pontos percentuais, respectivamente, na probabilidade de uma visita odontológica recente entre pais e filhos diretamente expostos à política. Os efeitos sobre as crianças parecem estar concentrados em crianças com menos de 12 anos de idade.
O acesso ao serviço de saúde para crianças apresenta desigualdades relacionadas a condições socioeconômicas. Crianças de baixa renda possuem uma chance consideravelmente menor de utilizar serviços de saúde em comparação a seus pares de alta renda. Mesmo para crianças seguradas pelo programa Medicaid, o qual oferece cobertura para serviços dentários em todos os estados dos Estados Unidos, esse comportamento permanece mesmo para crianças de baixa, onde esse grupo apresenta maior chance de apresentar problemas dentários e menor chance de realizar consultas ao dentista (BERDAHL et al., 2016).
Além dos impactos para a saúde, a menor utilização de serviços odontológicos pode implicar em efeitos negativos para as crianças de baixa renda em outros aspectos de sua vida, como a presença escolar e a performance acadêmica (AGAKU et al., 2015). Assim, é possível que ocorra um mecanismo entre a cobertura dos pais e de seus filhos, uma vez que a cobertura de saúde envolve um processo de aprendizado e internalização dos benefícios do seguro ao longo de seu uso, além de considerações quanto aos seus custos fixos. Nesse sentido, o desenho do pacote de cobertura parental do programa Medicaid tem o potencial de impactar positivamente esse a saúde de crianças de baixa renda não seguradas (LIPTON, 2021).
O Medicaid foi fundamental para expandir o acesso a serviços dentários entre adultos e crianças de baixa renda nos Estados Unidos. Segundo a National Health Interview Survey (NHIS), entre 2000 e 2013, a taxa de visitas ao dentista entre crianças de famílias de baixa renda aumentou de 42% para 58%. No entanto, mesmo com essa melhoria, ainda havia uma diferença de 15 pontos percentuais em relação às crianças de famílias de maior renda. Isso indica que, apesar da cobertura preventiva fornecida pelo programa para crianças em todos os estados, as disparidades no uso de cuidados dentários continuaram a existir. Além disso, crianças com seguro público tiveram taxas de visitas ao dentista consistentemente inferiores às de crianças com seguro privado, com uma diferença de 8 pontos percentuais (p.p.) registrada em 2013.
Essas disparidades refletem barreiras socioeconômicas no acesso aos cuidados odontológicos, mesmo em populações cobertas por programas públicos de seguro. Embora o Medicaid tenha proporcionado acesso a serviços preventivos, as crianças de baixa renda, que enfrentam maior risco de problemas dentários, continuaram a ter menos acesso a consultas odontológicas regulares. O aumento no uso de serviços dentários foi mais evidente ao longo do tempo, mas a diferença em relação às crianças de famílias com maior poder aquisitivo persistiu. A inclusão de serviços odontológicos pediátricos como benefício essencial sob a Lei de Assistência Acessível (ACA) contribuiu para aumentar a cobertura de seguro dentário entre crianças, mas ainda assim as desigualdades entre os grupos socioeconômicos não foram completamente superadas.
Os programas estaduais de cobertura de serviços dentários no Medicaid variaram bastante entre 2000 e 2013. Durante esse período, entre 23 e 28 estados ofereceram algum tipo de cobertura odontológica para adultos além dos serviços de emergência, enquanto 17 estados modificaram suas políticas. Aproximadamente 61,6% dos pais inscritos no programa tinham cobertura dentária nesse período, mas esse percentual caiu de 74,6% em 2000 para 44,2% em 2013 (LIPTON, 2021). Para crianças, todos os estados foram obrigados a fornecer uma cobertura odontológica completa por meio do benefício Early and Periodic Screening, Diagnostic and Treatment (EPSDT), que incluía exames regulares, restaurações e tratamento de infecções e dores. Crianças inscritas no Children's Health Insurance Program (CHIP) em estados com programas separados também tinham acesso a serviços odontológicos necessários para prevenir doenças e tratar condições de emergência.
O estudo utilizou dados da NHIS, uma pesquisa transversal repetida e representativa da população civil não institucionalizada dos Estados Unidos. Cada membro da família respondia à pesquisa, sendo que um adulto e uma criança por residência forneciam informações mais detalhadas. Para o estudo, foi utilizada uma versão restrita da pesquisa, vinculada às políticas de cobertura odontológica para adultos do Medicaid entre 2000 e 2013. O principal desfecho analisado foi se a criança havia visitado o dentista nos últimos seis meses, com as informações sendo fornecidas por um membro adulto da família para crianças de 1 a 17 anos. A escolha desse critério foi baseada em recomendações da American Dental Association e da American Academy of Pediatric Dentistry. Além disso, a pesquisa incluía perguntas sobre a necessidade de cuidados dentários não atendidos devido a dificuldades financeiras.
A amostra infantil foi composta por 17.274 crianças entre 1 e 17 anos, com ao menos um dos pais corresidentes inscrito no Medicaid e com dados completos sobre visitas ao dentista. Crianças de famílias que receberam benefícios de seguridade social suplementar no ano anterior foram excluídas, uma vez que seus pais provavelmente eram elegíveis para o programa por conta de alguma deficiência. A maioria das crianças (94%) estava inscrita no Medicaid ou no CHIP, indicando regras de elegibilidade mais acessíveis para crianças. Para a análise dos pais, a amostra incluiu 12.167 adultos de 22 a 64 anos inscritos no Medicaid, com pelo menos um filho corresidente com menos de 18 anos. Adultos com menos de 22 anos não foram considerados na amostra, dado que esse grupo é elegível para cobertura odontológica até os 20 anos através do programa EPSDT do Medicaid.
O método de Diferença-em-Diferenças (DID) foi utilizado para analisar os efeitos das mudanças nas políticas de cobertura dentária do Medicaid ao longo do tempo, comparando estados que alteraram essas políticas com aqueles que não sofreram mudanças. A principal premissa do DID é que, na ausência de uma mudança na política, as tendências dos resultados nos estados tratados teriam sido paralelas às dos estados controle. O modelo foi estabelecido de forma a controlar por características fixas dos estados e tendências nacionais que poderiam afetar simultaneamente as políticas e os resultados. Com essa abordagem, foram isolados os efeitos diretos das políticas de cobertura dentária adulta após a aplicação da política ao analisar os indivíduos ao longo do tempo.
Adicionalmente, o método de estudo de eventos foi empregado para investigar a evolução dos efeitos da mudança nas políticas dentárias ao longo do tempo. A justificativa dessa estratégia empírica consiste na captura da variação no momento em que cada estado modificou sua cobertura, medindo os efeitos de cada período antes e depois da implementação. Essa abordagem também permitiu avaliar se a hipótese de tendências paralelas antes da política do, fundamental para a validade do método de DID, é válida, além de também identificar como os efeitos se desenvolveram para cada período após sua implementação.
Como abordagem de robustez, o estudo apresentou a estimação da intenção de tratar (ITT) para contornar possíveis vieses de seleção ao analisar o impacto das mudanças na cobertura dentária. Ao invés de focar apenas nos beneficiários diretos do Medicaid, foram incluídos na análise todos os indivíduos de baixa renda ou com baixo nível de educação. O objetivo dessa abordagem foi garantir que os resultados refletissem o efeito médio da política, independentemente da participação efetiva no Medicaid, minimizando os vieses decorrentes de alterações na composição da amostra.
Por fim, estimou-se os impactos do programa a partir do método de Tripla Diferença (DDD). Assim, foi adicionada uma camada extra ao método de DID, comparando-se as diferenças nos resultados entre grupos tratados e não tratados dentro dos mesmos estados. Dessa forma, essa modelagem procurou controlar fatores temporais que poderiam ter influenciado todos os residentes do estado de maneira semelhante, além de identificar efeitos indiretos, como o impacto da política em famílias que não eram diretamente elegíveis para o Medicaid, mas poderiam ser influenciadas por pais que transmitiam informações sobre cuidados dentários.
Os resultados principais utilizando o método de DID revelaram que a introdução dos benefícios odontológicos por meio do programa Medicaid para adultos resultou em um aumento de 13,8 p.p. na probabilidade de um adulto ter feito uma consulta odontológica no último ano, representando um aumento de 27% em relação à média de visitas, que era de 51,5%. Quando considerados subgrupos, o efeito foi mais expressivo entre as mulheres (15,4 p.p.) em comparação aos homens (8,2 p.p.). Para pais com menos filhos, os efeitos também foram mais evidentes. Nos filhos, o aumento variou entre 3,8 a 5,1 p.p. na probabilidade de uma consulta nos últimos seis meses, um aumento em torno de 11% em relação ao grupo controle. Considerando outros subgrupos, observou-se aumentos mais elevados, principalmente quando consideradas as crianças de 1 a 11 anos (7,2 p.p.). Além disso, a análise revelou que famílias de baixa renda experimentaram uma redução na necessidade de tratamentos emergenciais e um aumento no uso de serviços preventivos, independentemente da idade ou composição familiar. Esses resultados sugerem que a política não apenas aumentou o acesso a cuidados dentários, mas também melhorou a qualidade geral da saúde dentária entre os beneficiários.
Quanto à utilização intensiva do Medicaid, foi observado um aumento significativo no número de dias em que os adultos e crianças permaneceram cobertos pelo programa. Esse incremento no tempo de exposição ao programa favoreceu o acesso mais frequente aos serviços odontológicos, resultando em uma melhora perceptível nas visitas de saúde bucal. Para as crianças, os dados indicaram que aquelas com maior número de anos acumulados no Medicaid apresentaram visitas mais regulares ao dentista, o que sugere um efeito positivo da cobertura contínua.
Através do método de estudo de eventos, foi identificado um comportamento de impacto cumulativo da política sobre as visitas a dentistas tanto para os adultos quanto para as crianças. Logo no ano de implementação da política, houve uma redução de 4,6 p.p. nas visitas odontológicas dos pais, indicando uma adaptação inicial. No entanto, nos anos subsequentes, verificou-se um declínio de 9,6 p.p. a 14,0 p.p. em suas visitas. Entre as crianças, os efeitos foram menores no início, com uma redução de 3,1 p.p., mas aumentaram para 6,4 p.p. dois anos após a mudança na política.
Os resultados utilizando o método de DDD reforçaram as evidências identificadas anteriormente. Ao incorporar um grupo de controle intraestadual, os efeitos observados nos pais permaneceram significativos, embora ligeiramente menores em comparação com os estimados pelo DID. Entre as crianças, o impacto também foi mantido, observando-se uma leve redução ao se utilizar um grupo de controle de baixa renda.
Neste artigo, os autores investigaram o impacto da cobertura do Medicaid sobre a saúde dentária das famílias seguradas. Os resultados mostraram que a expansão do programa aumentou significativamente o acesso a cuidados dentários, resultando em uma melhoria na saúde bucal entre os beneficiários. A análise também revelou que crianças de famílias de baixa renda tiveram uma redução na necessidade de tratamentos emergenciais e um aumento no uso de serviços preventivos, independentemente da idade ou composição familiar.
As evidências deste estudo oferecem subsídios relevantes para a compreensão dos efeitos da cobertura do Medicaid na saúde dentária, informando os formuladores de políticas públicas sobre os efeitos de transbordamento intrafamiliares do programa, em especial para famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Além disso, destacam o potencial de políticas que priorizem cuidados preventivos e a importância de garantir a continuidade da cobertura, visando melhorar a saúde da população e reduzir os custos associados a cuidados emergenciais.
Referências
AGAKU, I. T. et al. Association between unmet dental needs and school absenteeism because of illness or injury among U.S. school children and adolescents aged 6–17 years, 2011–2012. Preventive Medicine, v. 72, p. 83–88, mar. 2015.
BERDAHL, T. et al. Annual Report on Children’s Health Care: Dental and Orthodontic Utilization and Expenditures for Children, 2010–2012. Academic Pediatrics, v. 16, n. 4, p. 314–326, maio 2016.
LIPTON, B. J. Adult Medicaid benefit generosity and receipt of recommended health services among low-income children: The spillover effects of Medicaid adult dental coverage expansions. Journal of Health Economics, 2021.