Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Prison as a Criminal School: Peer Effects and Criminal Learning behind Bars
Autores: Anna Piil Damm e Cédric Gorinas
Localização da Intervenção: Dinamarca
Tamanho da Amostra: 1.928 indivíduos
Setor: Economia do Crime
Variável de Interesse Principal: Reincidência de crimes
Tipo de Intervenção: Efeito de pares
Metodologia: SUR
Resumo
Com a relevância econômica e social relacionada aos custos do crime, compreender os fatores de manutenção dessas práticas é fundamental para a sua mitigação. Nesse contexto, o processo de encarceramento prisional pode representar uma fonte de capital criminoso, aprimorando e incitando crimes. Este estudo avaliou a existência de efeitos de pares entre prisioneiros na Dinamarca, observando possíveis efeitos na introdução a novas modalidades de crimes e reforçando modalidades de crimes previamente praticadas. Os resultados mostraram que os efeitos de reforço entre pares são fortes para crimes que exigem planejamento e redes específicas, como crimes de drogas e roubo. Em contraste, a exposição a criminosos da mesma especialização desencoraja a reincidência em crimes violentos, como crimes sexuais e roubo.
A ocorrência de crimes implicam em grandes custos sociais e econômicos para as sociedades, impondo um grande desafio para os governos atualmente. Estima-se que esses os crimes representem $ 200 bilhões em custos para os Estados Unidos, e $ 60 bilhões para o Reino Unido, onde parte substancial desses valores estão associados ao sistema prisional desses países (DAMM; GORINAS, 2020).
Contudo, o sistema prisional pode trazer conjuntamente novos impactos adversos decorrentes de sua dinâmica social. Na medida em que prisioneiros mantêm contato entre si dentro das penitenciárias, é plausível supor a existência de um mecanismo de transmissão de novas práticas e aprimoramento da execução de crimes através de interações e network entre os detentos. Assim, o efeito de pares pode potencialmente aprimorar o capital criminal desses prisioneiros após o encarceramento.
Na medida em que tipos de crimes diferentes requerem demandas distintas em termos de especialização e necessidade de coordenação e network, é importante levar em consideração cada modalidade. Por exemplo, crimes relacionados a drogas, roubo, arrombamento e receptação podem exigir capital específico, planejamento e network. Portanto, para a alocação eficiente de recursos no combate à violência, bem como para uma maior eficácia no processo de reintegração de prisioneiros na sociedade, é fundamental compreender como tais dinâmicas sociais ocorrem dentro do ambiente prisional.
Atualmente, as práticas prisionais na Dinamarca são caracterizadas por uma abordagem humanizada e adaptativa. O sistema prisional dinamarquês (Danish Prison and Probation Service – DPPS) avalia as características dos condenados antes de designá-los para as instituições, considerando fatores como proximidade residencial, necessidades médicas, responsabilidades familiares ou envolvimento educacional e laboral. Jovens de 18 a 22 anos recebem atenção especial nesse processo. O sistema diferencia os regimes de prisão conforme o perfil do indivíduo: prisões fechadas oferecem maior segurança, enquanto as abertas permitem maior contato com o ambiente externo. Para jovens infratores, a imposição de sentenças incondicionais é rara, e, nesses casos, eles são alocados em instituições de meio-termo menos punitivas. A interação entre presos, incluindo atividades como aulas e exercícios, é amplamente incentivada, promovendo um ambiente que favorece a reintegração social.
No entanto, o DPPS passou por reformas institucionais importantes que precederam o sistema prisional atual. Em 1999, foi implementada uma reforma significativa, que criou seções de alta segurança voltadas para detentos considerados altamente problemáticos, como membros de gangues e motociclistas fora da lei. Durante o período 1994-1997, o sistema dinamarquês contava com nove prisões fechadas, destinadas a condenados com penas mais longas, e 13 prisões abertas, que priorizam a reintegração social, permitindo atividades externas supervisionadas. Além disso, existiam prisões locais de menor capacidade, frequentemente utilizadas para detentos com sentenças curtas ou em espera por julgamentos. Adicionalmente, os prisioneiros podiam interagir facilmente dentro e entre as seções prisionais nesse período, facilitando a interação social entre os mesmos.
A base de dados utilizada no estudo combinou registros administrativos e policiais que abrangem toda a população da Dinamarca entre 1991 e 2010. A amostra foi limitada a jovens adultos encarcerados pela primeira vez entre 1994 e 1997, com idades de 18 a 21 anos, excluindo aqueles com interações prévias em prisões para evitar efeitos residuais de pares. O período inicial foi definido para garantir o registro completo do histórico criminal desde os 15 anos, e o período final excluiu indivíduos após 1997. Adicionalmente, a análise foi encerrada em 2006, devido a mudanças no sistema de codificação de instituições. A amostra final compreendeu 1.928 indivíduos.
Com relação às características dos detentos, observou-se que 95% eram homen, 88% eram de origem nativa. A idade média de ingresso no encarceramento observada foi de 19 anos. Cerca de 10% possuíam filhos pequenos, e apenas 8% concluíram o ensino secundário antes da prisão. A duração média do encarceramento foi de 43 dias, com dois terços dos indivíduos alocados em prisões abertas. Referente ao histórico criminal, 53% tinham condenações anteriores por furtos e roubos, 45% por crimes violentos ou sexuais, e menores proporções para outras categorias, como crimes relacionados a drogas (11%) e posse de armas (10%). Quanto à reincidência, 53% dos presos receberam nova condenação em até um ano, com destaque para furtos e roubos (26%) e crimes violentos ou sexuais (8%).
O estudo testou duas hipóteses sobre os efeitos de pares em prisões na Dinamarca sobre o capital criminal: (i) os efeitos introdutórios, nos quais indivíduos adquirem novo capital criminal ao serem expostos a pares especializados em diferentes tipos de crime, e (ii) os efeitos de reforço, em que a exposição a pares especializados em crimes semelhantes fortalece o capital criminal prévio. Para isso, adotou-se o método de Seemingly Unrelated Regression (SUR) para estimar a probabilidade de reincidência em crimes específicos. Adicionalmente, empregou-se diversas especificações de modelos, considerando características individuais e dos pares, como histórico criminal e atributos demográficos, além de efeitos fixos por instalação prisional e por histórico criminal.
Em um primeiro momento, estimou-se um modelo para identificar a probabilidade de um criminoso jovem ser encarcerado de acordo com o seu tipo de convicção (crime cometido), considerando modelos que estimam isoladamente os efeitos de pares de prisioneiros jovens ou de todas as idades. Posteriormente, estimou-se um modelo com a adição de efeitos associados a ambos os dois tipos de grupos simultaneamente, permitindo identificar os efeitos de pares sobre a especialização e introdução de capital criminal. Foi considerada a reincidência dentro de 12 meses após a libertação a partir de sete categorias principais de crimes.
O estudo também realiza uma série de análises de robustez adotando definições alternativas dos grupos de pares. Os autores verificam possíveis impactos de prisioneiros com similaridades culturais ao identificar os grupos de pares como ocidentais e não-ocidentais. Além disso, definiu-se grupos a partir do seu tipo de experiência criminosa, buscando identificar efeitos de transbordamento na transmissão de conhecimentos especializados. Por fim, foram considerados efeitos de pares sobre a reincidência considerando 24 meses após a liberação do prisioneiro.
Os resultados indicaram efeitos de pares reforçadores significativos para crimes relacionados a drogas e ameaças, tanto considerando todos os pares quanto restringindo o grupo a indivíduos mais jovens. Para crimes relacionados a drogas, a exposição a pares jovens gerou efeitos reforçadores adicionais, enquanto para ameaças a influência foi equivalente entre pares jovens e mais velhos. Por outro lado, os efeitos introdutórios não foram significativos para nenhum tipo de crime, sugerindo ausência de influência na diversificação do capital criminal. Para roubos, observou-se um efeito de dissuasão significativo quando considerada a definição ampla de pares, mas esse efeito não se manteve em outras especificações. Assim, os achados reforçam a lógica de especialização criminal nos efeitos reforçadores, enquanto os efeitos introdutórios permanecem sem suporte empírico.
Referente aos resultados sobre efeitos de pares considerando fatores étnicos, observaram-se efeitos reforçadores entre indivíduos com histórico de crimes relacionados a drogas e ameaças quando restringindo os pares a companheiros de mesma etnia. Os resultados indicaram a presença de efeitos reforçadores significativos para crimes relacionados a drogas, mas não para ameaças. Além disso, ao comparar jovens criminosos da mesma origem étnica com a definição geral de jovens pares, identificou-se um impacto mais forte no aumento da reincidência entre jovens ofensores de drogas. Na análise por experiência criminal, identificou-se que a exposição a jovens reincidentes intensificou a reincidência em crimes relacionados a drogas e ameaças. Para vandalismo e incêndio criminoso, pares reincidentes de todas as idades também aumentaram significativamente as taxas de reincidência.
Com relação à análise considerando um período de 24 meses para reincidência, os resultados corroboraram os efeitos de pares identificados previamente. Crimes relacionados a drogas, ameaças, vandalismo e incêndio foram reforçados, enquanto crimes de roubo apresentaram redução. Além disso, para crimes violentos, observou-se uma redução significativa associada à exposição a reincidentes experientes, o que não havia sido detectado na janela mais curta. Por outro lado, crimes como furtos e posse de armas continuaram sem evidências de efeitos reforçadores, com exceção de furtos, que apresentaram efeitos significativos na reincidência devido à exposição a jovens reincidentes.
Neste artigo, os autores verificaram a existência de efeitos de pares no capital criminal de presidiários com base no sistema prisional da Dinamarca, analisando como a exposição a diferentes grupos de pares impacta a reincidência específica por tipo de crime. Os resultados indicaram que pares com características similares, como origem étnica ou histórico criminal relacionado ao mesmo tipo de crime, reforçaram a reincidência para crimes como drogas, ameaças, vandalismo e incêndio criminoso. Também foram identificados efeitos dissuasores para crimes violentos como roubos e crimes sexuais. Efeitos introdutórios, por outro lado, não se mostraram significativos. As análises ainda demonstraram que a experiência e a idade dos pares intensificaram os efeitos, especialmente em crimes que demandam maior especialização.
Os resultados apresentados no artigo contribuem para a compreensão dos fatores associados à reincidência criminal. Essas evidências fornecem informações relevantes para estratégias que busquem reduzir os efeitos negativos da convivência entre presidiários, indicando que políticas públicas voltadas à segregação de presidiários com base na experiência criminal ou em padrões de reincidência específica são capazes de reduzir os índices de reincidência.
Referências
DAMM, A. P.; GORINAS, C. Prison as a Criminal School: Peer Effects and Criminal Learning behind Bars. The Journal of Law and Economics, v. 63, n. 1, p. 149–180, fev. 2020.