Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: None for the Road? Stricter Drink Driving Laws and Road Accidents
Autores: Marco Francesconi e Jonathan James
Localização da Intervenção: Escócia
Tamanho da Amostra: 32.508 autoridades locais-mês
Setor: Economia do Setor Público
Variável de Interesse Principal: Taxa de acidentes de trânsito em estradas
Tipo de Intervenção: Legislação sobre o consumo de álcool
Metodologia: DID, RDD, Controle Sintético
Resumo
O consumo de álcool representa um dos fatores de risco para a ocorrência de acidentes de trânsito. Para salvaguardar as vidas dos cidadãos, muitos formuladores de políticas estabelecem restrições ao consumo de álcool dos motoristas objetivando reduzir tal conduta. Para avaliar a efetividade desse tipo de medida, este artigo utilizou dados administrativos da Escócia para verificar o impacto da redução dos limites da concentração de álcool no sangue aceitos pela legislação do país sobre a incidência da condução sob efeito de álcool e a taxa de acidentes de trânsito em estradas. As estimativas revelaram que a reforma não teve grande impacto nesses dois aspectos, sendo esse resultado majoritariamente explicado pela falta de transporte alternativo barato e fraca aplicação da lei. Não foram identificadas externalidades significativas em áreas como o consumo de álcool ou atividades criminosas além da condução sob efeito de álcool.
A condução sob efeito de álcool representa um dos fatores de risco para a ocorrência de acidentes de trânsito, contribuindo para um dos grandes problemas de saúde pública global. Segundo os autores, mais de 160.000 casos de colisões em estradas foram reportadas em 2018 (FRANCESCONI; JAMES, 2021). Nas últimas três décadas, os acidentes de trânsito representaram consistentemente a segunda ou terceira maior causa de mortes de britânicos entre 5 e 34 anos de idade. Estudos médicos indicam que a redução dos limites da concentração de álcool no sangue (Blood Alcohool Concentration– BAC) pode reduzir significativamente os riscos de acidentes associados à embriaguez.
A limitação do BAC tornou-se uma política frequentemente utilizada pelos gestores públicos ao redor do mundo para mitigar a incidência de colisões no trânsito. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adoção do limite de 0,05 BAC representa um critério de boas práticas governamentais para esse problema, sendo adotado por 45 países e abrangendo aproximadamente 2,3 bilhões de pessoas. Em 2001, a Comissão Europeia orientou a adoção do limite de 0,05 BAC. Contudo, apesar da comissão governamental do Reino Unido recomendar a redução do limite de 0,08 para 0,05 BAC, os seus membros Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte representavam os únicos países europeus com o limite recomendado.
Nesse contexto, a Escócia realizou uma reforma de redução do limite legal de BAC (Drink Drive Limit – DDL) em 2014, acatando a redução sugerida pela OMS e diferenciado-se do restante dos integrantes do Reino Unido, mantendo o limite de BAC inalterado. Paralelamente, as punições para condutores autuados dirigindo acima do limite mantiveram-se inalteradas tanto na Escócia quanto no restante do Reino Unido. Assim, mensurar os impactos dessa medida é fundamental para compreender a efetividade dessa política pública.
A redução do limite de BAC na Escócia foi motivada por preocupações com a alta mortalidade relacionada ao consumo excessivo de álcool. Antes da reforma DDL de 2014, o limite de 0,08 BAC estava em vigor há mais de 45 anos, sendo considerado inadequado para lidar com os altos índices de doenças e mortalidade no país, como cirrose e doenças hepáticas. A expectativa de vida na Escócia era uma das mais baixas entre os países da OCDE, o que aumentou a pressão por mudanças. A nova lei reduziu o limite para 0,05 BAC, alinhando a Escócia com outros países europeus.
Os autores também destacam que os padrões de consumo de álcool e taxas de acidentes de trânsito na Escócia apresentam semelhanças com aqueles de países como EUA, Canadá, Cingapura e México, assim como Inglaterra e País de Gales, onde o limite legal de álcool no sangue para condução é de 0,08 BAC.
Concomitantemente à reforma, a sua divulgação foi amplamente difundida por meio de campanhas publicitárias em televisão, rádio e mídias digitais, especialmente nas regiões fronteiriças com a Inglaterra, onde o limite de 0,08 BAC ainda estava em vigor. Adicionalmente, a variabilidade no metabolismo do álcool entre indivíduos dificultava a avaliação precisa do nível de BAC, o que poderia gerar incertezas tanto para motoristas quanto para as autoridades na aplicação da nova regra.
Com relação à repercussão local sobre o DDL, os impactos sobre a indústria de álcool geraram preocupações no setor da indústria do álcool, responsável por 4% do PIB do país desde 2000. A medida poderia impactar negativamente o consumo de álcool em bares e restaurantes, afetando a economia local, que ainda se recuperava da crise financeira global em meio a ajustes fiscais vigentes no Reino Unido.
Para a avaliação do impacto da reforma DDL de 2014 na Escócia, foram utilizados diversos conjuntos de dados. O principal foi o Banco de Dados de Acidentes Rodoviários (RAD), que inclui informações sobre mais de 1,2 milhão de acidentes registrados de janeiro de 2009 a dezembro de 2016. Cada registro contém detalhes sobre o acidente, como idade e sexo dos envolvidos, o tempo e local exato do acidente, e a gravidade, que pode ser fatal, grave ou leve. Além disso, o RAD inclui dados sobre envolvimento com álcool, coletados a partir de testes de bafômetro realizados no local do acidente. Embora não forneça o nível exato de álcool, é indicado se o teste foi negativo, positivo ou se o motorista se recusou a realizá-lo.
A amostra considerada no estudo abrange 378 autoridades locais (LA) na Grã-Bretanha, sendo 347 na Inglaterra e País de Gales e 31 na Escócia. Os resultados analisados incluem taxas de acidentes totais, por nível de severidade e relacionados ao consumo de álcool, calculadas como o número de acidentes por categoria em uma autoridade local específica, dividido pelo número de veículos registrados na mesma área. As observações consideradas foram medidas no nível LA-ano, compreendendo 32.508 observações.
Os dados demonstraram que a Escócia apresentava taxas de acidentes mais baixas do que o resto da Grã-Bretanha, especialmente para acidentes leves. A introdução da reforma não mostrou uma desaceleração notável nas taxas de colisão na Escócia, sugerindo que o limite mais rigoroso pode não ter tido um impacto significativo.
O estudo analisou o impacto da reforma DDL sobre a incidência de acidentes e infrações por condução sob efeito de álcool. Para tal, utilizou-se três métodos principais para avaliar seu impacto. O primeiro foi o método de Diferença em Diferenças (DID), que compara a taxa de acidentes rodoviários antes e depois da reforma, entre a Escócia e outras regiões da Grã-Bretanha. Esse método ajusta para tendências específicas de cada grupo e permite observar mudanças nas taxas de acidentes, incluindo aqueles relacionados ao consumo de álcool, ao longo do tempo.
O segundo método adotado é o de Regressão Descontínua (RDD) Espacial, que foca nas regiões próximas à fronteira entre a Escócia e a Inglaterra. Este método avalia diferenças regionais não observadas e ajusta os resultados conforme a proximidade com a fronteira entre as duas regiões, permitindo capturar semelhanças culturais e comportamentais não observáveis.
Por fim, o método de Controle Sintético foi empregado para construir um contrafactual sintético da Escócia, replicando as características de acidentes rodoviários da Escócia antes da reforma usando dados de regiões não tratadas. Entre essas características, considerou-se a faixa etária, o dia da semana, o sexo, o horário, a densidade da população regional e o número de veículos envolvidos em acidentes. O método combina dados para aproximar as condições pré-reforma e melhora a precisão da estimativa dos efeitos da reforma ao comparar a evolução dos acidentes antes e depois da intervenção.
Como variáveis de resultado, o estudo avaliou os acidentes de acordo com as lesões (fatal, lesão grave, lesão leve, e todos os tipos de lesão) e os resultados de testes de bafômetro (positivo, recusado, e positivo ou recusado). O estudo também ajustou os dados para efeitos de sazonalidade e controlou variáveis como condições meteorológicas, congestionamento rodoviário, status socioeconômico e disponibilidade de álcool.
Os resultados obtidos pelo método DID indicaram uma redução de 1,3 pontos percentuais na taxa total de acidentes após a implementação da lei de 0,05 BAC na Escócia, correspondente a uma diminuição de aproximadamente 5% em relação à taxa média de acidentes. Contudo, essa redução tornou-se insignificante quando foram incluídos controles e efeitos fixos específicos. Além disso, não foram observados efeitos significativos em acidentes graves, fatais ou leves. A análise também revelou um aumento estatisticamente significante em acidentes com recusas de teste de nível de álcool no sangue, sem alteração nos acidentes com testes positivos. Esse aumento pode estar relacionado à falta de alteração no comportamento de consumo de álcool entre motoristas que tinham consciência do novo limite.
Os resultados obtidos pelo método RDD indicaram que a reforma da lei de 0,05 BAC na Escócia não teve um impacto significativo nas taxas gerais de acidentes, bem como nas taxas de acidentes graves e leves. O efeito foi observado apenas em acidentes fatais e em acidentes com pelo menos um motorista que teve um teste de nível de álcool no sangue positivo ou se recusou a fazer o teste, mas isso ocorreu somente quando se consideraram distâncias maiores da fronteira (até 200 km). Diferentemente dos resultados do método DID, a distinção entre acidentes com recusas de teste e aqueles com testes positivos não alterou a conclusão de efeito nulo para ambos os tipos de acidentes. Esses achados corroboraram os resultados identificados pelo método de DID, mostrando que a restrição de álcool não causou mudanças significativas nas taxas de acidentes rodoviários.
Os resultados obtidos pelo método de controle sintético não apresentaram impacto significativo da reforma da lei de 0,05 BAC na Escócia sobre as taxas de acidentes de trânsito. A análise, que examinou diferentes períodos do dia, dias da semana, idades e sexos dos motoristas, além de tipos de acidentes e características das áreas urbanas e rurais, revelou que a lei não alterou as taxas de acidentes em nenhuma dessas condições. Os dados indicaram que não houve diferença nas taxas de acidentes durante o dia ou à noite, tampouco em finais de semana. Além disso, a lei não afetou acidentes envolvendo motoristas jovens, homens, ou em áreas com alta concentração de estabelecimentos licenciados para vender álcool. Em geral, os resultados confirmaram que a redução do limite de BAC não trouxe mudanças significativas nas taxas de acidentes rodoviários.
Segundo os autores, a ausência de efeito da política de limite mais rigoroso de BAC pode ser explicada por dois mecanismos principais. Primeiro, não houve melhoria na disponibilidade ou redução de custo de alternativas de transporte, como táxis e ônibus, após a reforma. Segundo, a aplicação da lei também não foi afetada, evidenciada pela constância no número de policiais, testes de bafômetro e prisões por dirigir alcoolizado. Além disso, a reforma não conseguiu reduzir o consumo de álcool entre os motoristas, nem alterou comportamentos relacionados, como uso de celular ao dirigir ou o cumprimento de outras normas de trânsito. Por fim, os resultados encontrados sugerem que a reforma não gerou mudanças comportamentais significativas entre os motoristas.
Neste artigo, os autores investigaram como os acidentes de trânsito e os testes de álcool foram impactados pela Reforma DDL realizada na Escócia em 2014, onde foi implementada uma redução no limite de BAC permitido para os condutores de veículos no país. Os resultados mostraram que a reforma não teve um efeito significativo na taxa geral de acidentes, bem como nos acidentes graves, fatais e leves. Embora tenha sido observada uma redução na taxa total de acidentes em algumas análises, essa redução tornou-se insignificante quando ajustes adicionais foram feitos. Além disso, a análise revelou um aumento nos acidentes com motoristas que se recusaram a fazer o teste de álcool, mas nenhum impacto foi encontrado nos acidentes com testes positivos.
Esses resultados indicaram que a redução do limite de BAC na Escócia não provocou mudanças substanciais nas taxas de acidentes de trânsito, mesmo quando considerados diferentes horários do dia, dias da semana e características dos motoristas. Para os formuladores de políticas públicas, isso indica que a reforma pode não ter alcançado o efeito desejado em termos de segurança viária. A análise reforçou a necessidade de uma avaliação mais detalhada das políticas de controle de álcool e de outras medidas que poderiam efetivamente reduzir acidentes de trânsito.
Referências
FRANCESCONI, M.; JAMES, J. None for the Road? Stricter Drink Driving Laws and Road Accidents. Journal of Health Economics, 2021.