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Acesso ao microcrédito reduz a pobreza?

21 jul 2020

Pesquisador responsável: Silvio da Rosa Paula

Título do artigo:THE MIRACLE OF MICROFINANCE? EVIDENCE FROM A RANDOMIZED EVALUATION

Autores do artigo: Abhijit Banerjee; Esther Duflo; Rachel Glennerster; Cynthia Kinnan;

Localização da intervenção: Hyderabad, Índia

Tamanho da amostra: 104 bairros pobres, sendo 52 bairros tratados e 52 controles, um total de 6.863 domicílios

Grande tema: Finanças

Tipo de intervenção: Acesso ao microcrédito para famílias pobres

Variável de interesse principal: Acesso ao microcrédito

Método de avaliação: Avaliação Experimental (RCT)

Contexto da Avaliação

Para o economista Muhammad Yunus, o acesso ao microcrédito pode transformar a vida de grande parte da população pobre, gerando oportunidades. Muhammad Yunus, que nasceu em Bangladesh, ficou conhecido internacionalmente como “banqueiro dos pobres” por ter criado o maior banco de microcrédito social do mundo, contribuição que lhe rendeu Nobel da paz em 2006. O Grameen Bank é uma instituição que empresta pequenas quantias sem burocracia, principalmente a mulheres pobres, pessoas que dificilmente teriam acesso ao sistema bancário convencional e, consequentemente, acabariam nas mãos de agiotas.

Apesar de todo o otimismo gerado pelo microcrédito alguns efeitos negativos começaram a emergir como, por exemplo, o aumento no número de suicídios ligados ao endividamento, funcionários acusando instituições de microcrédito de obterem altos lucros, dúvidas sobre a verdadeira missão dessas instituições e sobre o poder transformador que o acesso ao serviço pode ter na redução da pobreza. Diante disso, a dúvida que fica é se realmente o microcrédito é capaz de reduzir a pobreza.

Desta forma, os economistas Abhijit Banerjee e Esther Duflo, vencedores do Nobel de Economia de 2019[1], dedicam-se sobre a questão no artigo, em tradução livre “O milagre das microfinanças? Evidências de uma avaliação randomizada”. Os autores avaliam os efeitos do acesso ao microcrédito, produzindo resultados importantes para compreendermos os impactos que os empréstimos formais podem gerar sobre a população mais pobre.

Detalhes da Intervenção

O experimento foi realizado na cidade Hyderabad, quinta maior cidade da Índia e a capital do antigo estado de Andhra Pradesh. A pesquisa contou com a participação do centro de microfinanças (CMF), do Instituto de Pesquisa em Gerenciamento Financeiro (IFMR) e da instituição financeira com fins lucrativos Spandana.

O principal produto oferecido pela Spandana é o empréstimo em grupo, introduzido pela primeira vez pelo Grameen Bank. Os grupos são compostos por 6 a 10 mulheres, num total de 25 a 45 grupos que somam um empréstimo no valor de US$ 200 PPC[2]. A taxa de juros cobrada é de 12%, juros considerados baixos pelos padrões típicos de microfinanças, até mesmo quando comparadas com o Grameen Bank. O tempo de reembolso do principal e dos juros é de 50 semanas e ao final do empréstimo os membros do grupo que honraram suas dívidas tornam-se elegíveis para um segundo empréstimo de até 240 dólares e, assim, sucessivamente até o máximo de 400 dólares. Deste modo, para serem elegíveis aos empréstimos os clientes devem: (i) ser do sexo feminino, (ii) ter entre 18-59 anos, (iii) Morar no mesmo bairro há pelo menos um ano, (iv) possuir identificação válida e comprovante residencial e (v) pelo menos 80% das mulheres de um grupo devem possuir sua casa. Cabe destacar que a casa não é usada como garantia, sendo apenas uma forma da instituição formar um grupo de pessoas com menores chances de migrar para outros lugares.

Metodologia

Para compreender como foi feita a avaliação do acesso ao microcrédito sobre a população pobre, precisamos compreender o método utilizado. A metodologia utilizada pelos pesquisadores é chamada de "aleatorização" uma abordagem experimental comumente utilizada em pesquisas na área farmacêutica. Por exemplo, de um grupo de pacientes parte é sorteada de forma aleatória para receber um novo medicamento, este grupo é chamado de “Grupo Tratado”, os demais pacientes recebem o placebo, estes serão chamados de “Grupo Controle”. Ao final do tratamento são coletados os dados de ambos os grupos e feita uma avaliação estatística da eficiência do medicamento. Nesse método, o processo de escolha aleatória é indispensável, pois é ele que irá garantir que ambos grupos são comparáveis, ou seja, que em média o “Grupo Tratado” e o “Grupo Controle” apresentam as mesmas características, e a única coisa que os diferencia é que um grupo recebeu o medicamento e outro o placebo.

Em 2005 quando se deu início ao experimento, algumas instituições de microfinanças já haviam se instalado em alguns distritos de Andhra Pradesh, mas a maioria das organizações ainda não haviam começado a trabalhar na capital Hyderabad. A empresa Spandana, ciente da oportunidade, selecionou 120 bairros da capital em que ainda não existiam outras instituições de microfinanças. Nessa seleção foram evitados os bairros com alta concentração de trabalhadores que se deslocam com frequência.

Nesse contexto, cada bairro passou por uma pesquisa prévia, levantando informações sobre a composição familiar, educação, emprego, despesas, empréstimos, poupança e quaisquer negócios operados pela família ou interrompidos no último ano. Foram entrevistadas um total de 2.800 famílias e após a pesquisa foram descartados 16 bairros, devido ao grande número de trabalhadores migrantes sem família. Os 104 bairros restantes foram agrupados em pares semelhantes com base no seu consumo médio per capita e dívidas por família. Posteriormente, um bairro de cada par foi aletoriamente designado para receber uma filial da instituição, dando origem ao “grupo tratado” e o restante dos bairros formaram o “grupo controle” aqueles que não receberam a filial.

Nos anos entre 2006 e 2007 a empresa Spandana começou a operar progressivamente nas 52 áreas de tratamento, onde a implementação se deu em datas distintas nos diferentes bairros. No início de 2007 foi realizado o primeiro censo em cada bairro, e posteriormente um segundo censo foi realizado entre os anos de 2009 e 2010. Com as informações coletadas foi possível avaliar se os moradores dos bairros pertencentes ao grupo tratado, ou seja, aqueles bairros que receberam a filial da Spandana, apresentaram diferenças estatisticamente significativas do grupo de controle.

Resultado

Os resultados encontrados no período de 18 meses indicam que a demanda por microcrédito foi de apenas 26,7% das famílias e não de 80% como esperava a instituição Spandana. Apesar disso, houve uma redução nos empréstimos informais, indicando uma migração para o microcrédito. Ademais, não houve impacto positivo sobre consumo mensal e consumo de bens não duráveis, porém, apresentou efeito positivo sobre o consumo de bens duráveis. Após 18 meses de acesso ao microcrédito, as famílias não apresentam maiores chances de ser empreendedores, entretanto, investem mais nos negócios que possuem (ou naqueles que iniciam) em comparação com o grupo de controle.

No longo prazo, após 36 meses de acesso ao microcrédito o número de domicílios que tomam empréstimo passa para 33%, porém, ainda está bem abaixo da demanda esperada pelas instituições de microcrédito. Este resultado é semelhante ao encontrado por outras duas intervenções aleatórias com um desenho similar ocorrido no México e Marrocos.

Ainda no longo prazo, o microcrédito possibilitou a expansão de alguns negócios próprios e a criação de outros, mas no geral não foi suficiente para tirar seus proprietários da pobreza. O lucro desses negócios só aumentou para as empresas que já eram mais lucrativas. Além disso, o acesso ao microcrédito não parece ter efeito sobre a educação, saúde ou no empoderamento das mulheres a curto prazo nem a longo prazo. Os resultados diferem de estudo para estudo sobre esses resultados, mas como um todo, eles não mostram uma mudança drástica nos resultados básicos do desenvolvimento para as famílias pobres.

Portanto, o estudo conclui que o acesso ao microcrédito não muda o estado da pobreza, mas afeta a oferta de trabalho, uma vez que as famílias alocam mais tempos em negócios próprios trocando o trabalho árduo que era ofertado em outros locais, mesmo que seus pequenos negócios apresentem menos chances de ter um funcionário e serem menos lucrativos. Por fim, o acesso ao microcrédito, afeta a estrutura de consumo das famílias que investem em bens duráveis para o lar, restringindo seu consumo em gastos desnecessários.

Lições de Política Pública

Em uma análise geral, as evidências apontam que o acesso ao microcrédito não reduz a pobreza, mas cabe destacar que o próprio pesquisador Abhijit Banerjee, em entrevista ao IPEA não descarta a utilização do microcrédito como uma ferramenta útil para os pobres, de forma a realizarem seus projetos de consumo, como comprar uma TV ou repararem suas casas, desde que, acompanhado de uma boa regulação.

Referência

BANERJEE, Abhijit et al. The miracle of microfinance? Evidence from a randomized evaluation. American Economic Journal: Applied Economics, v. 7, n. 1, p. 22-53, 2015.

[1] Michael Kremer também foi Laureado Junto com com o Nobel de economia de 2019, por sua abordagem experimental.

[2] Taxas de câmbio ajustadas pela paridade do poder de compra (PPC) de 2007 do Banco Mundial.