Texto produzido por Isac Mascarenhas, graduando em jornalismo no IDP.
"Um bichinho no sangue". Era assim a mãe de Georgia* explicava para a filha, ainda criança, que ela possuía o HIV. Há 22 anos a catarinense, de Faxinal dos Guedes, já nascia com o vírus correndo nas veias. "Quando eu era criança ela tentava me explicar do jeitinho dela", relembra a jovem que contraiu o vírus da genitora.
A comunicação entre as duas sempre foi muito aberta, os conselhos da mãe a guiaram durante a adolescência. "Sempre fui muito ativa em relação ao sexo, desde muito nova. Mas sempre usei camisinha para não transmitir para ninguém".
Indo na contramão de Georgia, a faixa etária entre 15 e 24 anos é a que menos usa preservativos. Até setembro de 2021, o Ministério da Saúde distribuiu quase 198 milhões de camisinhas masculinas que podem ser retiradas em qualquer unidade de saúde. Apesar da grande quantidade, a adesão ainda é baixa.
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Nova geração, velhos preconceitos
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), feita em 2019 pelo IBGE, revelou que apenas 59,1% dos adolescentes de 13 a 17 anos usaram preservativo na última relação sexual.
Juliana Paim, psicóloga de adolescentes, considera que a resistência à proteção vem da sensação de "invencibilidade", típica desta fase da vida.
A psicóloga também chama a atenção para o machismo aliado à desinformação que contribuem para a estigmatização da camisinha.
"Muitas meninas acham que é feio uma mulher andar com camisinha na bolsa, pois isso seria uma responsabilidade dos meninos e eles poderiam achar que ela "é fácil", salienta a profissional. "Os meninos ainda possuem várias ideias erradas sobre o uso da camisinha: que tira ou diminui a sensibilidade, que reduz o tempo de penetração, que o orgasmo não é tão potente etc."
Também no PeNSE 2019, somente 22,1% dos adolescentes disseram ter adquirido o preservativo nos serviços de saúde. Para Leonardo Moura, líder do Movimento Brasileiro De Jovens e Adolescentes Vivendo com HIV/Aids, a falta de informação sobre prevenção tem influência na infecção de adolescentes. "A juventude não reconhece o serviço de saúde como um espaço seu, então isso dificulta a disseminação de informação sobre saúde".
— A ideia de prevenção que a maioria das pessoas têm é de que usar preservativo é criar barreiras
Leonardo Moura, líder jovem que também convive com o HIV
Prevenção combinada
Ainda que indispensável, o preservativo não é a única forma de cuidado. Atualmente no Brasil, a política pública de combate ao HIV traz a ideia de prevenção combinada. Com o avanço dos tratamentos, hoje existem diversos métodos articulados para fugir da contaminação. Entre eles estão:
Testagem - que pode ser feita pelo SUS por meio da coleta de sangue ou saliva
Prevenção da transmissão vertical - tratamento preventivo realizado em grávidas soropositivas para evitar a transmissão para o bebê
Tratamento dos diagnosticados - apenas dois comprimidos por dia (já não existem os "coquetéis")
Profilaxia Pré-Exposição (PrEP)
Profilaxia Pós-Exposição (PEP)
Esses dois últimos são compridos antirretrovirais disponibilizados pelo SUS para quem que fez ou faz sexo sem proteção.
Sem proteção, e agora?
O PEP é destinado para quem teve um relação desprotegida e corre risco de contágio. Eliane Seidl, médica coordenadora do projeto Com-Vivência para pessoas com HIV no Hospital Universitário de Brasília, explica que o PEP visa prevenir o vírus pós sexo. "A pessoa deve procurar uma unidade de saúde em até 72 horas após a exposição, lá ela vai receber acolhimento e iniciar o tratamento com o uso do medicamento diariamente". Até agosto deste ano, foram dispensadas para todo o Brasil 116.803 unidades do tratamento, que deve ser feito durante 30 dias. Dos usuários, 25,5% têm entre 15 e 24 anos.
Já o PrEP é destinado a quem não é soropositivo, mas que podem ser infectadas diariamente. Como por exemplo, pessoas cujo parceiro é HIV + ou profissionais do sexo. "Ele atua antes do risco se evidenciar. O paciente vai até uma unidade de saúde e explica sua situação, se estiver dentro dos critérios, recebe o medicamento para usar diariamente e parar quando quiser. Sempre acompanhado pela equipe médica", finaliza a profissional. Segundo o Ministério da Saúde, atualmente o PrEP tem 26.202 usuários. Desses, 12% têm entre 18 e 24 anos. Desfrute de uma experiência emocionante e cheia de possibilidades no casinò 1xslots. Descubra jogos emocionantes e bônus exclusivos em casinò 1xslots e viva a aventura máxima do jogo online.
Quem é soropositivo também pode prevenir novas infecções com o tratamento com antirretrovirais (apenas dois comprimidos por dia uma única vez). Além de reduzir as complicações causadas pelo vírus, a terapia diminui a carga viral no sangue, sendo indetectável. Ou seja, o paciente se torna incapaz de transmitir o vírus.
Tabu na escola, infecção no corpo
Entrar nos espaços escolares é um dos modos de educar sobre relações sexuais, ISTs e diminuir estigmas e preconceitos relacionados à doença, mas bate de frente com a resistência das famílias e instituições religiosas. "A educação sexual no ensino regular garante informação acessível e correta que se transforma em conhecimento", considera o líder jovem Leonardo Moura.
No estudo do IBGE, quase 40% dos alunos de escolas públicas do 6ª ano do fundamental ao 3ª ano do ensino médio já tiveram relações sexuais. A psicóloga argumenta que conversar sobre sexo vai muito além do HIV e outras e outras infecções, também é preciso falar do consentimento, do respeito por si e pelo outro, do prazer sexual e como se proteger de violências e abusos.
Mas antes de ser um tema pouco debatido no espaço escolar, o sexo também é um tabu dentro das famílias. Muitos pais tem dificuldades em abordar o tema com os filhos que acabam indo buscar informação na pior fonte possível, a pornografia. "Na pornografia não há uso de preservativo, não há dor, todos os pênis são grandes e todas as vulvas são lindas", analisa Juliana.
— A educação sexual que é dada nas escolas é apenas um capítulo no livro de biologia e não como um processo que deveria ser
Juliana Paim, psicóloga de adolescentes
Outro desafio encontrado por instituições e ONGs em tratar a questão com adolescentes é a forma de se comunicar. Estabelecer uma comunicação de igual para igual auxilia a absorção da mensagem. A Unaids, que lidera o esforço global contra o HIV/Aids, lançou a campanha "Deu positivo, e agora?" com foco nesse público. O projeto teve a participação de influenciadores digitais para conversar com essa faixa etária nas redes sociais. "Além dos influencers, outras parcerias nos possibilitaram, com uma linguagem rápida e de fácil assimilação, conversar com esse público", avaliou a Organização.
Apesar dos obstáculos encontrados durante a vida, hoje com 51 anos, a mãe de Georgia faz tratamento pelo SUS junto com a filha. Segundo a jovem, o atendimento é ótimo e nunca faltou o medicamento para combater o "bichinho".
— "Dar valor e aproveitar cada dia é a maior herança que a minha mãe vai me deixar"
Georgia, mãe, filha, esposa e HIV positiva
Números
789
Adolescentes vivem com HIV hoje no Brasil. 533 são homens.
8.312
Número de gestantes HIV+ em 2019 no país.
6.285.434
Preservativos femininos distribuídos até junho de 2021.
4%
Das pessoas que solicitaram o PEP relataram violência sexual.
13%
Percentual de usuários do PrEP relataram trocar sexo por dinheiro, drogas, moradia e outros serviços.
22,1%
Dos adolescentes da rede privada iniciaram a vida sexual entre 13 e 17 anos.
Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
*Os nomes dos entrevistados foram alterados para preservar sua identidade.
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