No episódio #35, que faz parte da série sobre desigualdade do podcast do IDP "Economisto", o mediador Pedro Nery recebe Sergio Guimarães Ferreira, PhD da UW-Madison e diretor de pesquisas do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social para debater o tema Mobilidade Social.
Meritocracia e Mobilidade Social não são a mesma coisa
Durante o podcast, Sergio enfatiza a necessidade de se entender que meritocracia e mobilidade social são conceitos distintos, que nem sempre coincidem.
Para exemplificar essa questão, Sergio traz a situação das cotas racias para ingresso às universidades públicas. Pesquisas mostram que negros, filhos de pais sem instrução, tem apenas 7% de chances de alcançar o diploma de nível superior, sendo que brancos na mesma situação possuem tem 14% de chances. Nesse caso, a aplicação da política de cotas raciais pode ser defendida em detrimento do império da meritocracia, como uma ferramenta para auxiliar na mobilidade social ao garantir um salto dos filhos negros de pais sem escolarização.
Nesse caso, foi criado um mecanismo que restringe a meritocracia em pról da eliminação da diferença de mobilidade entre negros e brancos. Dessa forma fica claro que a mobilidade social não sempre é equivalente à meritocracia e que em alguns casos é necessário que uma seja priorizada enquanto a outra é restringida em vista de um objetivo.
O ideal almejado é uma sociedade na qual igualdade e oportunidade se combinem com o império do mérito, tornando-se assim, seguramente, móvel.
Qual a situação do Brasil em termos de mobilidade social e meritocracia?
Sergio inicia este tema comentando que a maior parte das políticas públicas e debates giram em torno da transferência de renda para consumo mínimo e não consideram a distribuição de chances. Estudar a mobilidade intergeracional de uma desigualdade inicial torna possível, por exemplo, simular a desigualdade futura.
Em regra geral, em todos os países os mais pobres são sempre os mesmos. Entretanto, as chances ao nascer são mais desiguais em alguns países específicos. É importante identificar e entender esse padrão para conseguir desmontar os mecanismos que reproduzem esse ordenamento social.
O ideal não é mobilidade máxima ou igualdade total, pois o mérito é o motor social essencial para o crescimento e a produtividade. O mercado competitivo é a melhor ferramenta para induzir o mérito à partir da impessoalidade e independentemente de classe. Entretanto, baixa mobilidade indica baixo dinamismo, pouca inovação, baixo crescimento econômico e chances desiguais.
Segundo o entrevistado, no Brasil temos uma meritocracia razoável, o que não significa, porém, que tenhamos mobilidade.
Efeito da ausência de aulas durante a pandemia do COVID-19
Outro assunto tratado durante o episódio foram os possíveis efeitos e impactos da ausência de aula em tempo real durante a pandemia do COVID-19. Tal medida foi adotada para conter as mortes através do aumento do isolamento, o que significou a paralização das aulas presenciais. A pergunta então seria "O impacto do período do isolamento social no acúmulo de conhecimento afetou mais as famílias pobres"?
Pesquisas feitas sobre as férias de verão (que duram em torno de 3 meses) demonstram que os alunos podem perder em média o conhecimento de 1 mês de aulas. Além disso, o ambiente criado pelos pais em casa, se estimulante intelectualmente ou não, também interfere diretamente nessa perda, sendo inversamente proporcional. Se períodos curtos podem acarretar em consequências negativas, o período da pandemia trará muito mais dificuldades a serem remediadas.
Levando em consideração a pesquisa mencionada e outras variáveis como ambiente, compreensão, tempo e monitoramento dos pais, conhecimento intelectual dos pais para prestar apoio aos filhos e etc, a tendência é que após o período de pandemia a desigualdade educacional aumente, o que resulta em uma piora na mobilidade intergeracional de educação sendo que os filhos dos pais mais pobres serão estatisticamente os mais afetados.
O aumento da evasão escolar também é uma previsão feita, ainda que a alta do desemprego seja um desestímulo para tal.m
Para amenizar as consequências, políticas públicas e ações terão de ser tomadas. Sergio traz três pontos que sugere como medidas cabíveis para o momento:
1. Provas do conteúdo lecionado durante o período de ensino à distância como forma de detectar quais alunos absorveram menos e, assim, tomar providências focadas nos mesmos.
2. Elaboração e aplicação de reforço escolar no contraturno, especialmente para aqueles que tiveram um desempenho pior nos testes mencionados acima.
3. Eliminação das férias de inverno e redução do período de férias de verão;
Outros assuntos tratados no episódio
No episódio o Sergio também fala um pouco sobre as políticas públicas baseadas em evidências e também indica alguns materiais de leitura que trazem estudos interessantes para a temática.
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