Local de moradia, poder econômico e meio de transporte são fatores capazes de influenciar diretamente no acesso de um indivíduo a oportunidades. Mas, de que forma o acesso dos indivíduos a saúde, educação e oportunidades de emprego pode estar relacionado a esses fatores?
É sobre isso que Pedro Nery discute com Rafael Pereira, pesquisador do Ipea e idealizador do projeto Acesso a Oportunidades, no episódio #37 do podcast Economisto.
Mobilidade urbana x Acessibilidade urbana
No Brasil, muito se fala sobre mobilidade urbana, ou seja, o padrão de viagem que as pessoas fazem no seu dia a dia (a que horas saem de casa, que meio de transporte usam, quanto tempo gastam no trânsito, etc). Porém, quando o assunto é acessibilidade urbana, o objetivo não é analisar o que a pessoa faz no dia a dia, mas a facilidade que ela tem para se locomover pelo espaço e acessar uma oportunidade.
Neste sentido, Rafael explica que o conceito de acesso a oportunidades está relacionado ao potencial de facilidade de locomoção, planejamento urbano, conectividade e eficiência dos meios de transporte, bem como ao planejamento e distribuição espacial dessas oportunidades no território. “A acessibilidade é essencial para que as pessoas satisfaçam suas necessidades básicas, alcancem oportunidades de emprego e garantam uma renda”, comenta o entrevistado.
Segundo Rafael, a definição de acessibilidade traz também, dentro de si, uma noção de liberdade, pois quanto mais acessibilidade a pessoa tem, maior a sua liberdade de escolha. E é esse poder de escolha que dá aos indivíduos a possibilidade de desenvolverem suas capacidades e optarem pelas opções que mais fazem sentido para elas.
"Projeto Acesso a Oportunidades"
Este é o nome do projeto que Rafael lidera há pouco mais de um ano no Ipea. A iniciativa realiza estimativas anuais que analisam a facilidade que a população tem de acessar oportunidades de emprego, saúde e educação, levando em consideração seus bairros e meios de transporte em 20 municípios brasileiros, com perspectiva de chegar a outras cidades.
Todos os dados, resultados e metodologias estão à disposição pública e segundo o pesquisador, o objetivo é criar a informação necessária para influenciar e aprimorar a avaliação de políticas de desenvolvimento urbano, planejamento educacional, saúde, políticas habitacionais e de transporte urbano no Brasil.
Rafael conta que a ideia surgiu quando terminava o doutorado na Universidade de Oxford, onde se dedicou a estudar sobre filosofia política e desigualdade aplicada ao desenvolvimento urbano e política de transporte em cidades.
O projeto foi inicialmente criado para avaliar o impacto dos megaeventos na cidade do Rio de Janeiro. O crescimento após os eventos mundiais na capital carioca acabou sendo desigual, de acordo com o estudo, o qual constatou que bairros de classe média e média alta foram os que tiveram mais ganhos em oportunidades de acesso a emprego, saúde e educação.
Resultados observados pelo estudo
Rafael diz que, infelizmente, é comum notar na maioria das capitais uma grande desigualdade de oportunidades entre bairros mais ricos e mais pobres. Ele cita que em São Paulo o estudo identificou que a população rica consegue acessar nove vezes mais oportunidades de emprego em comparação a população mais pobre.
Curiosamente, uma cidade que vai de oposto a essa tendência, é Brasília. Na capital federal, o estudo constatou que em alguns bairros ricos, como Park Way, Lago Sul e Lago Norte, o acesso a alguns serviços é mais limitado do que em bairros mais pobres. "Como eles têm um planejamento recente, o governo não previu a criação de grandes ofertas de serviços públicos, como escolas públicas e postos de saúde", defende o convidado.
Velocidade x proximidade
Historicamente, uma das principais medidas tomadas em relação à política de transportes para solucionar problemas de segregação e desigualdade era tentar aumentar a velocidade dos veículos.
Porém, Rafael explica que a solução não está na velocidade, mas, sim, na proximidade. Ou seja, mais importante do que fazer as pessoas se locomoverem mais rápido, é fazer elas se locomoverem por distâncias menores, levando os serviços e oportunidades para perto delas. Assim, as pessoas conseguem fazer seu deslocamento diário utilizando formas de locomoção mais baratas e ecológicas, como bicicletas ou até mesmo a pé.
Desigualdades em tempos de pandemia
Recentemente, Rafael realizou um trabalho em colaboração com outros vinte pesquisadores, e aborda os diferentes impactos da pandemia de Covid-19 em São Paulo.
A pesquisa teve o objetivo de analisar de que forma as internações e óbitos pela doença estão relacionados com desigualdades sociais e raciais. Para isso, entre março e outubro de 2020, os pesquisadores combinaram o endereço de pessoas internadas com dados de saúde e obtiveram dados considerados alarmantes pelos pesquisadores..
Foi constatado que pessoas pobres têm um risco 8% maior de contraírem o vírus da Covid-19 e que ao desenvolverem quadros mais graves, o risco de óbito é 60% maior.
Quando avaliadas as questões raciais, o estudo identificou que pessoas pretas e pardas têm entre 20 e 40% mais risco de serem hospitalizadas em decorrência da doença e um risco entre 14 e 20% maior de óbito, quando comparadas com pessoas brancas.
Rafael ressalta que um grande ponto de partida para essa desigualdade, é o fato de que pessoas mais vulneráveis têm um menor nível de escolaridade e, consequentemente, um menor nível de proteção social, passando a depender muito mais de rendas diárias e trabalhos informais, atividades que não as permitem trabalhar de casa.
"Quando a gente olha os dados de celular da região metropolitana de São Paulo, fica muito evidente que os bairros mais ricos e os bairros mais brancos são onde as pessoas se isolaram primeiro, entraram em isolamento muito mais rápido, têm um nível de isolamento mais alto e mantêm esse isolamento por mais tempo", afirma o pesquisador.
Além disso, foram analisados dados que identificaram que essas populações de maior vulnerabilidade acumulam um maior número de comorbidades e têm menos acesso à saúde, muitas vezes tendo de recorrer ao SUS, onde o estudo identificou que, pessoas internadas com Covid-19 têm 40% mais chance de virem a óbito em comparação a pessoas internadas no setor privado.
Para ouvir o episódio completo, basta acessar o link ou procurar por Economisto na sua plataforma de streaming preferida!