Por que mulheres são minoria na Economia? A responsável por responder essa e outras questões é a Luiza Nassif, atualmente pesquisadora do Levy Economics Institute of Bard College, de Nova York. Graduada e mestre pela UFRJ, com phD pela New School for Social Research, também em Nova York, Luiza desenvolve estudos na área de gênero e economia feminista.
Representatividade feminina
Luiza Nassif comenta sobre um fenômeno bastante conhecido na área, que é o leak pipe line, ou seja, desde a graduação até chegar ao posto de professor, a quantidade de mulheres vai diminuindo conforme vamos avançando, como a quantidade de água diminui ao passar por um um cano furado.
A pesquisadora fala sobre um ciclo vicioso na Economia: “a falta de representatividade de mulheres na economia faz com que a maioria dos professores sejam homens, a maioria dos exemplos, a maioria dos livros, dos papers, sejam escritos por homens”. Luiza explica que isso gera uma estranheza, uma certa falta de incentivo para que mulheres acreditem que conseguem, sim, chegar àquelas posições.
O resultado, portanto, é um ambiente majoritariamente masculino, sem muitas representantes mulheres em altos postos. E, segundo Luiza, ter mais professoras mulheres é fundamental: “para mim foi muito importante ter tido uma mulher como minha primeira professora, de Macroeconomia I, a Margarida Gutierrez. Isso foi importante para mim naquele ambiente”.
Cultura da área
Se fizermos uma retrospectiva, percebemos como a ideia de que a mulher tem menos apreço pela matemática ou pelo quantitativo é socialmente construída desde o início. A pesquisadora argumenta, inclusive, que a participação da mulher na Matemática é maior do que quando se compara com a Economia.
Num ambiente dominado por homens, é comum que as mulheres não se sintam à vontade para fazerem perguntas num seminário ou numa sala de aula, por exemplo. Além disso, quando o cenário se inverte, e há uma mulher apresentando um seminário, é frequente que ela seja mais questionada do que os homens, com perguntas mais agressivas e menos relacionadas ao tema em questão.
“Há histórias de amigas professoras que estão dando aula e o aluno fica perguntando, perguntando, e, de fato, discordando do que ela está falando. Até que um outro aluno fala ‘ela está certa’. É preciso ouvir de uma autoridade masculina, não serve ouvir da professora com doutorado. A autoridade de gênero é muito mais forte. Isso dói”, relata Luiza.
Com o passar do tempo, esses episódios vão se acumulando e começam a gerar questionamentos, como “o que é que eu estou fazendo aqui? Por que é que eu estou fazendo Economia? Por que eu tento tanto ficar nesse campo que não me valoriza?”, comenta a pesquisadora.
O que a Economia perde com isso?
A resposta vai desde a escolha dos temas tratados na área, passando pelas formas de abordagem e culminando na própria teoria econômica. Na teoria neoclássica, por exemplo, a mais utilizada no campo, o elemento de análise é o indivíduo. E, em vários aspectos, esse indivíduo foi definido para ser ocidental, branco e homem, segundo Luiza Nassif.
“Isso tem importância porque as hipóteses que a gente põe nos nossos modelos afetam os resultados. A forma como você analisa o porque temos determinada desigualdade, depende dos seus modelos e das suas teorias”, explica a pesquisadora. Ela ainda destaca que os resultados acabam afetando, também, as políticas públicas.
Além disso, como as perguntas são elaboradas majoritariamente por homens, os questionamentos serão pensados sob esse ponto de vista. Aqui, Luiza destaca a teoria do ponto de vista, dentro da economia feminista, a qual diz: “não é que seja impossível ter uma certa objetividade, mas essa objetividade é alcançada quando você tem vários pontos de vista sendo levados em consideração. Para você conseguir evitar os diferentes vieses, você precisa ter os diferentes pontos de vista: você precisa analisar aquele seu objeto de estudo de diferentes pontos de vista”.
Tendências na pesquisa
Luiza comenta que, dentro da economia feminista, um tema bastante popular é a economia do cuidado. Sabemos que existe todo um ramo da atividade doméstica que é desenvolvido predominantemente por mulheres e não é remunerado - tarefas como limpar a casa, cozinhar, cuidar de crianças, de idosos. Por ser sem remuneração, acaba não entrando para a conta do PIB (Produto Interno Bruto) que é a principal medida utilizada para o bem-estar.
Por isso, “economistas feministas atacam essa questão do PIB não levar em consideração esse enorme esforço produtivo que acontece na economia, o qual possibilita todas as demais atividades produtivas consideradas”, afirma Luiza Nassif.
Uma dificuldade encontrada nas pesquisas econômicas brasileiras é a falta de informações detalhadas sobre o uso do tempo. Segundo a pesquisadora, a falta de dados é um impedimento para estudos no Brasil: “essa é uma outra linha, ter dados melhores. Abrir dados por gênero, abrir dados por raça. A gente precisa abrir os dados, a gente precisa saber o que está acontecendo, porque isso tem implicações para as políticas públicas”.
Desigualdades na pandemia
Luiza Nassif desenvolveu alguns trabalhos sobre o impacto da pandemia na desigualdade social tanto nos Estados Unidos como no Brasil. Num estudo elaborado em parceria com pesquisadores da USP, Luiza analisou a desigualdade multidimensional e a COVID-19 no Brasil e encontrou que a questão da raça é um dos principais diferenciadores: “os negros entram muito mais vulneráveis nessa pandemia do que os brancos”, comenta.
Em outro estudo, no qual analisa as políticas públicas adotadas para a doença do ponto de vista de gênero, os resultados mostraram que poucas tiveram impactos de gênero, exceto o auxílio emergencial, responsável por diminuir - um pouco - as desigualdades que foram exacerbadas.
“Quando a gente olha para famílias chefiadas por mulheres negras, essas são muito mais afetadas economicamente pelo coronavírus. Elas perdem muito mais renda e recuperam menos. Já temos um pouco de recuperação econômica, mas isso vem mais rapidamente para brancos e para homens”, explica Luiza.
Há também uma outra pesquisa sendo desenvolvida sobre o impacto do auxílio emergencial na pobreza. E as expectativas com os resultados não são as melhores: “as mulheres já são mais representadas entre os pobres e os extremamente pobres. A gente espera não só que o impacto seja muito maior para as mulheres, como maior ainda para as mulheres negras, e a diferença entre essa extrema pobreza entre homens e mulheres se distancie ainda mais”, finaliza Luiza.