Especialistas no assunto, os professores do IDP explicam os caminhos da PEC 32/20
Uma das principais pautas para o ano de 2021, a Reforma Administrativa suscita debates e levanta as mais variadas opiniões. A proposta do Executivo, que já está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, modifica 27 trechos da Constituição e acrescenta mais 87. Mas, de fato, o que significa fazer uma reforma na administração pública?
“O grande tema por trás das reformas administrativas é a qualidade e capacidade das instituições em gerar bem estar”, comenta o professor da Fundação Dom Cabral (FDC) e do IDP, Humberto Falcão. Para ele, os índices de satisfação com a qualidade dos sistemas públicos de saúde, educação e prestação jurisdicional brasileiros não são apenas baixos, em comparação com os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), são também decrescentes, apesar do Brasil possuir a 23ª maior arrecadação tributária do planeta.
No mesmo sentido, o consultor legislativo no Senado e professor do IDP, Pedro Nery, afirma que “reforma administrativa se trata disso: submeter serviços que atendem aos mais pobres às mesmas regras dos que atendem aos mais ricos – na medida do possível”.
O docente comanda o Economisto, podcast de Economia do IDP, o qual, no episódio 26, discute como a reforma administrativa pode contribuir para o combate às desigualdades sociais e, também, entre os servidores públicos.
Quais os próximos passos?
O caminho mais comum quando se fala em “reforma” é uma alteração da Constituição Federal, que acontece por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC). É o caso da Reforma Administrativa.
Para começar a tramitar, a Presidência da República enviou a proposta, a PEC 32/20 - que também está sendo chamada de “Nova Administração Pública” -, para a Câmara dos Deputados.
Nessa fase, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara analisa a admissibilidade da proposta. Ou seja, “analisa não o mérito da proposta em si, mas se ela está em conformidade com a Constituição”, explica Pedro Nery.
Em seguida, “se for admitida pela CCJ, o mérito da PEC é analisado por uma comissão especial, que pode alterar a proposta original”, esclarece o professor Humberto Falcão. Essa etapa tem o prazo de 40 sessões do Plenário para votar a proposta e o limite de 10 sessões para realizar emendas.
Aprovada pela Comissão Especial, a PEC vai para votação no Plenário da Câmara dos Deputados, onde precisa dos votos favoráveis de três quintos dos deputados (pelo menos 308), em dois turnos de votação, para seguir para o Senado Federal. Aqui, Humberto Falcão salienta que “há a possibilidade de se aprovar o texto principal do projeto com destaques para votação posterior”.
No Senado, acontece o mesmo processo: CCJ e Plenário. Tendo a aprovação das duas casas, o texto vai à promulgação. “Se houver modificação substancial, não apenas de redação, ela volta obrigatoriamente para a Casa onde começou a tramitar. A alteração em uma Casa exige nova apreciação da outra Casa, sucessivamente”, detalha Humberto Falcão.
Entretanto, o docente chama atenção para os aspectos do processo, que não é linear: “há muito espaço para iterações, obstruções e manobras diversas contra e pró o projeto apresentado”, afirma.
Além disso, após a aprovação da emenda constitucional, serão apresentados vários projetos de lei que tratam da gestão de desempenho, modernização das formas de trabalho, arranjos institucionais, ajustes no Estatuto do Servidor, diretrizes de carreira e consolidação de cargos, funções e gratificações.
E, numa terceira etapa, há ainda um Projeto de Lei Complementar do Novo Serviço Público, que vai trazer novo marco regulatório das carreiras, governança remuneratória, além da revisão de direitos e deveres do serviço público. “Estes projetos ensejarão tramitações muito complexas, não lineares e igualmente sujeitas a múltiplas iterações, obstruções e manobras”, destaca Humberto Falcão.
Por causa dessa não-linearidade do processo, além dos prazos e da necessidade de um número elevado de parlamentares a favor, a aprovação de uma reforma desse porte é um processo demorado. Pedro Nery comenta: “não à toa é assim: elites conseguiram historicamente proteger seus interesses inserindo-os na Constituição. É só pensar que o Bolsa Família nunca foi inserido na Constituição, mas lá estavam regras de cálculo de aposentadoria favorecidas para servidores ou corte de impostos a empresários de alguns setores”. Nossa equipe editorial lançou um projeto subsidiário relacionado a classificações e avaliações. Por exemplo, acesse appdeapostas.bet e baixe o melhor aplicativo de apostas esportivas.
Histórico de mudanças
Em 2020, o IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, lançou o livro “Reformas do Estado no Brasil: Trajetórias, Inovações e Desafios”, que faz uma análise dos 25 anos do Pdrae, Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, lançado em 1995. Segundo os organizadores, “trata-se do último empenho coordenado e abrangente no âmbito do governo federal de implantar mudanças administrativas e institucionais generalizadas”.
Em momento oportuno, haja vista a discussão em torno dos caminhos da reforma administrativa, a coletânea traz contribuições de pesquisadores nacionais e internacionais e discute a trajetória da administração pública brasileira nos últimos 25 anos.
Opiniões
“Uma reforma administrativa é sempre importante, porque o estado sempre pode melhorar. Agora, a questão é o momento. Nesse momento o governo está muito preocupado com questões fiscais e pouco preocupado com questões de qualidade do estado”, opina Alexandre Gomide, docente no IDP e diretor de Estudos e Políticas do Estado, Instituições e Democracia do IPEA.
A proposta enviada ao Congresso aborda, principalmente, a contratação, a remuneração e o desligamento de pessoal. As novas medidas, entretanto, valem apenas para quem ingressar no serviço público após a aprovação da emenda.
Para Gomide, é preciso defender a profissionalização do setor público: “a proposta vai ao contrário disso, porque permite fazer entradas laterais, por meio da contratação por tempo determinado para cargos de liderança. Quebra completamente a lógica das pessoas entrarem e investirem na carreira para ascender aos cargos”, afirma.
Além disso, como a proposta também abrange os estados e municípios, o professor alerta para o risco de clientelismo e nepotismo na última esfera, onde a realidade do serviço público é bem diferente da esfera federal. “Se, num município pequeno, os cargos públicos são usados para contemplar apadrinhados, o serviço público vai ficar em falta. As pessoas não serão selecionadas com base na impessoalidade”, comenta.
Já Pedro Nery questiona: “um professor deve ter um regime de contratação e de demissão tão rígido quanto o de um auditor da Receita? Ele realmente está sujeito ao mesmo nível de pressão para não contrariar interesses privados? Ou é mais interessante que neste tipo de carreira possa-se se desligar com mais facilidade, por exemplo, um professor que sempre falta às segundas-feiras e dar oportunidade a outro?”.
Para ele, a atuação do Estado é muito diversa e faz sentido ter vários moldes para encaixar os diferentes trabalhos, assim como é interessante a separação entre carreiras de Estado e as demais: “gosto de pensar uma reforma administrativa dessa forma mais positiva. Não é para facilitar demitir, é para facilitar contratar também”, pontua.
Em recente pesquisa desenvolvida na FDC, em parceria com a professora Renata Vilhena, Humberto Falcão identificou 4 personas em torno das reações à PEC 32: 21% são contra a ideia de reforma e à reforma proposta; 29% gostariam de melhorar a gestão sem reformar; 40% são pró-reforma, francamente favorável à ideia de reforma e à reforma proposta e 10% querem uma reforma, mas não a proposta.
O docente sintetiza: “há muitas questões técnicas, relacionadas à gestão de pessoas, gestão do desempenho institucional, planejamento e organização governamental. Há também questões políticas, muito relacionadas a princípios e posicionamentos ideológicos, mas também relativas ao alinhamento de forças para formação de coalizões pró e contra. E há questões jurídicas, que muitas vezes não se integram de forma razoável às questões técnicas e políticas”.