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ECONOMIA E GESTÃO.

Cargos públicos trazem melhoria para o bem-estar social?

19 nov 2021

Pesquisadora responsável: Eduarda Miller de Figueiredo

Título do artigo: LOSING PROSOCIALITY IN THE QUEST FOR TALENT? SORTING, SELECTION, AND PRODUCTIVITY IN THE DELIVERY OF PUBLIC SERVICES

Autores do artigo: Nava Ashraf, Oriana Bandiera, Edward Davenport e Scott S. Lee

Tamanho da amostra: 1.585 indivíduos

Localização da intervenção: Zâmbia

Setor: Saúde

Tipo de intervenção: Posição para funcionário público da saúde formal

Variável de interesse principal: Número de visitas domiciliares

Método de avaliação: Outros - Experimento

Problema de Política

A prestação de serviços de saúde em áreas rurais remotas é um desafio para todos os países em diferentes níveis de desenvolvimento, visto que as equipes médicas treinadas para a região possuem taxas de rotatividade altas (Organização Mundial da Saúde, 2006).  

Na Zâmbia, em 2010, o posto de saúde tinha em média 1,5 funcionários do Ministério da Saúde, contabilizando os que não eram funcionários em caráter permanente. Em razão disso, o governo criou o cargo de Community Health Assistant (CHA), que é uma posição para funcionários de saúde do governo formalmente treinados em vez de trabalhadores informais de saúde comunitários.

Ademais, dada a escassez de empregos qualificados, o programa do governo da Zâmbia, pode ter o benefício adicional de criar oportunidades de emprego nessa comunidades.

Contexto de Avaliação

Através do programa de Community Health Assistant, foi implantado 2 profissionais de saúde em cada uma das 167 comunidades dos 48 distritos da Zâmbia, onde a tarefa principal dos CHAs é visitar as famílias e encaminhá-los às unidades de saúde conforme necessário. Portanto, tal posição requer habilidades médicas – sinais vitais, diagnósticos, triagens de doenças comuns –, e habilidades sociais – aconselhamento, apoio, educação de pacientes -.

Neste programa adotado pela Zâmbia, os trabalhadores da saúde entram para o quadro de funcionários públicos, possibilitando o avanço, através de treinamento adicional, para quadros mais altos e mais bem pagos. Assim, o salário inicial mensal é de US$ 290 para CHAs e de US$ 530 para enfermeiros iniciantes.  Como os CHAs fazem parte do serviço público, os mesmos são elegíveis para treinamento em serviço, ou seja, frequentam a escola (escola de medicina ou de enfermagem) enquanto continuam a receber o salário ou algum tipo de patrocínio para as mensalidades.

O Ministério da Saúde solicita periodicamente aos médicos oficiais dos distritos a nomeação de candidatos por mérito, não havendo ligação com medidas de desempenho. Portanto, as promoções a quadros superiores não são automáticas, mas possuem um retorno esperado alto, visto que as oportunidades de emprego que permitem uma carreira no governo são raras nas comunidades remotas às quais os profissionais da saúde estão recrutados.

Tal modelo foi escolhido pelo governo do país na esperança de atrair agentes com forte habilidades técnicas para fazer trabalho comunitário, entretanto, correu-se o risco de excluir candidatos motivados a ajudar a comunidade. E foi este trade-off que incentivou o experimento realizado pelos autores.

Detalhes da Política

Visando avaliar se uma carreira no serviço público atrai talentos para a pró-socialidade e se isso afeta quem é contratado e seu desempenho, os autores desenharam um experimento, visto a relevância da avaliação do papel da seleção na prestação de serviços públicos. Neste experimento, o principal desafio era separar o efeito de seleção a partir do efeito de incentivos no trabalho, para isso, o estudo abordou em duas etapas: (i) abrindo o canal de seleção; (ii) fechando o canal de incentivo.

  • Abrindo o canal de seleção

Para isso foram utilizados cartazes de recrutamento e materiais informativos distribuídos, com instruções detalhadas, aos agentes da saúde.

O pôster do tratamento enfatiza a identidade do serviço público na nova posição de CHA, relacionando com o benefício da oportunidade de ascender na carreira do serviço público. Ademais, o material também estimula explicitamente um sentimento de pertencimento ao serviço público.

Já o pôster do controle usa a abordagem padrão de recrutamento de saúde comunitária, enfatizando a identidade social da posição, salientando o impacto de adquirir habilidades para promover a saúde da sua família e vizinhos.

Portanto, o que muda entre os cartazes de tratamento x controle, é a redação dos benefícios.

  • Fechando o canal de incentivo:

Todos os candidatos aprovados são elegíveis para oportunidades de carreira, uma vez contratados. Após o recrutamento, os agentes treinam juntos por um ano, recebendo as mesmas informações sobre as oportunidades de carreiras que os funcionários públicos têm direito.

Por tanto, o tratamento e o controle têm os mesmos incentivo quando contratados, diferenciando-se apenas na forma de seleção.

Detalhes da Metodologia

Como o recrutamento foi organizado por funcionários distritais, os autores aleatorizaram o tratamento a nível distrital, assim, maximizando a conformidade junto com a atribuição experimental. Os 48 distritos foram divididos em dois grupos, implicando que cada funcionário é exposto a apenas um tratamento.

A campanha de recrutamento rendeu 1.585 inscrições de candidatos que eram elegíveis para a posição, visto que os mesmos deviam fornecer informações sobre habilidades, ambição de carreira e pró-socialidade. Essas informações foram utilizadas para medir os efeitos do tratamento na composição conjunto de candidatos. Para medir a pró-socialidade, os autores combinam a vontade autorrelatada do candidato de permanecer na comunidade a longo prazo junto da escala Inclusion of Others in Self (IOS) que mede o alinhamento de interesses (Aron et al., 2004).

Resultados

As evidências sugerem que as oportunidades de carreira atraem candidatos que têm diferentes habilidades, motivação de carreira e pró-socialidade, sendo uma maior propensão escolher candidatos que se classificam altamente nos três pontos.

Os resultados também demonstram que os agentes atraídos por oportunidades de carreira são mais eficazes, fornecendo mais insumos com o mesmo custo. Também perceberam que houve um aumento do número de crianças submetidas à exames de saúde, que passou a ser 24% maior no grupo de tratamento. Ademais, a presença de CHAs apresentou uma melhora em uma série de práticas de saúde familiar.

Em relação as visitas domiciliares, houve um efeito grande, no qual os profissionais da saúde recrutados por meio de oportunidades de carreira realizaram 94 visitas a mais, ou seja, 29% a mais do que o grupo de controle ao longo de 18 meses. Dado que para a maioria dessas famílias, esses profissionais de saúde recrutados são os únicos provedores do serviço de saúde, a intervenção pode ter implicações positiva para a saúde da comunidade.

Outro ponto é que o programa leva a um aumento substancial no número de profissionais da saúde operando nas comunidades, um aumento de 1,5 para 3,5, em média. Dado o tamanho do aumento e a magnitude do efeito, os autores esperavam que a intervenção aumente a utilização das instalações e práticas de saúde, através do aumento da demanda, de mudanças de comportamento, fornecimento de informações etc. Por sua vez, a melhor utilização das instalações e práticas de saúde levam à melhores resultados.

Os resultados de fato sugerem que as oportunidades de carreira melhoram a utilização das instalações de saúde. E, quando se trata do número de mulheres dando à luz, observou-se que houve um aumento em 30% em relação à média nas áreas de controle.

Por outro lado, foi observado que os agentes do grupo de tratamento do incentivos a carreira, podem deixar suas posições antes dos agentes do grupo de controle. Assim, se isso acarreta um custo de bem-estar depende se eles podem ser facilmente substituídos e se o governo pode usar suas habilidades em outros cargos.

Lições de Política Pública

Os resultados indicam que a oferta de uma posição em um serviço público com oportunidades de carreira atrai agentes que prestam serviços de saúde, causando um impacto significativo na saúde da comunidade. E que, na medida em que o trabalho em saúde gera mais valor social, uma posição com possibilidade de crescimento na carreira pública, melhora o bem-estar social.

Referência

ASHRAF, Nava et al. Losing prosociality in the quest for talent? Sorting, selection, and productivity in the delivery of public services. American Economic Review, v. 110, n. 5, p. 1355-94, 2020.