Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Exploring travelers’ responses to a prepeak discount fare policy and optimizing the pricing strategy to ease peak congestion: The case of Beijing subway
Autores: Xiangming Yao, Linshan Chen, Peng Zhao, Qingru Zou e Zijia Wang
Localização da Intervenção: China
Tamanho da Amostra: 11 milhões de passageiros ativos
Setor: Economia do Transporte
Variável de Interesse Principal: Congestionamento
Tipo de Intervenção: Discriminação de preços
Metodologia: Programação integral não linear
Resumo
Os serviços de transporte público são suscetíveis a congestionamentos, que normalmente ocorrem no início e no encerramento dos horários comerciais. Em especial, esse tipo de situação é frequente nos sistemas de metrô em metrópoles. Diante disso, medidas de remanejamento da demanda por esses serviços, como a adoção de diferenciação de preços baseado no horário, podem mitigar esse problema. Este estudo analisou os impactos da adoção de uma política de desconto para viagens nos períodos anteriores ao horário de pico da manhã no metrô de Pequim, China. Os resultados demonstraram que a política de tarifa com desconto no pré-pico no metrô de Pequim não foi eficaz, indicando que a adoção de um horário de desconto menos distante do horário de pico auxiliaria na redução de congestionamentos pela manhã.
Os horários de pico nos transportes públicos costumam acarretar em congestionamentos no início e no final do horário comercial. Esse é um problema recorrente para a maioria dos sistemas de metrô. Diante das limitações da ampliação da oferta desse tipo de serviço em determinados tipos de transporte, em especial os mais dependentes de ampliação de infraestrutura como os metrôs, medidas de gerenciamento da demanda de tráfego podem atenuar tal situação (YAO et al., 2025).
Os indivíduos reagem de maneiras diferentes quando o preço da passagem muda. Em geral, quando o preço sobe, a quantidade de passageiros diminui, mas essa resposta varia dependendo do contexto. Algumas pesquisas mostram que, no curto prazo, a redução no número de passageiros é menor, enquanto no longo prazo mais pessoas podem mudar seus hábitos de transporte. Assim, a adoção da diferenciação de preços baseado no horário permite induzir com que a demanda seja distribuída de forma menos concentrada ao longo do dia, adequando-se à capacidade de oferta do sistema de transporte.
Diferentemente do que ocorre no tráfego rodoviário, onde medidas de gerenciamento da demanda de transporte (TDM) são bem estabelecidas, a aplicação de sobretaxas no transporte público apresenta desafios específicos. Sobretaxas podem levar passageiros a migrarem para outros modos de transporte, agravando o congestionamento em outros modais. Por isso, muitas estratégias de TDM em sistemas de transporte público adotam promoções ou incentivos em vez de aumentos tarifários para lidar com esse problema.
O metrô de Pequim, um dos maiores sistemas de metrô da China, também se depara com essa situação, enfrentando recorrentes congestionamentos em horários de pico. Nesse contexto, agências de trânsito na região iniciaram em 2016 uma política de desconto para atenuar o congestionamento no horário de pico da manhã. Contudo, o impacto da política não atendeu aos resultados esperados em comparação a outras políticas similares em outras localidades (GE et al., 2015). Diante disso, compreender os comportamentos dos viajantes no nível individual é fundamental para o aprimoramento de políticas dessa natureza.
O sistema de metrô de Pequim possui três linhas: BT, CP e 6. A política de desconto tarifário antes do horário de pico foi implementada no metrô de Pequim nas linhas BT e CP para tentar reduzir a superlotação nas manhãs, especialmente entre 7h e 9h. Em 2016, um desconto de 30% foi oferecido para passageiros que entrassem antes das 7h em 16 estações de duas linhas, mas os efeitos na demanda foram limitados. No ano seguinte, o desconto foi ampliado para 50% e outras oito estações da linha 6 foram incluídas no programa.
Cabe destacar que a Linha BT do sistema de metrô de Pequim, objeto de um estudo neste trabalho, possui 13 estações, incluindo duas de conexão. A linha enfrenta grande congestionamento pela manhã no sentido para o centro, especialmente entre 7h e 8h30. Sua capacidade é limitada devido à infraestrutura antiga, com trens de seis vagões que comportam até 238 passageiros por vagão. O tempo total de viagem de ponta a ponta dessa linha é de aproximadamente 30 minutos e 35 segundos.
O avanço no uso de dados de cartões inteligentes tem permitido novas metodologias para o desenvolvimento de estratégias tarifárias otimizadas. Assim, essas informações ajudaram a considerar a heterogeneidade dos passageiros e os impactos diretos e indiretos das mudanças tarifárias na demanda do sistema metroviário. A escolha por descontos, em detrimento de sobretaxas nos horários de pico, foi motivada pelo temor de que tarifas mais altas levassem passageiros a optar por ônibus ou carros, potencialmente agravando o congestionamento rodoviário.
Apesar dos reiterados esforços, o comportamento da demanda pouco mudou e a redução da superlotação ficou aquém das expectativas. Como a política não alcançou os resultados esperados, ela não foi expandida para toda a rede, ensejando novas análises quanto a sua eficiência.
O estudo utilizou dados dos smart cards de junho de 2016 e junho de 2017, abrangendo períodos de seis meses antes e depois da implementação da política. Foram excluídos registros de cartões de funcionários e temporários, que representavam menos de 5% do total, pois não podiam ser vinculados a usuários constantes. Além disso, apenas os dados de dias úteis foram considerados, já que a política não era aplicada em finais de semana e feriados. Também foram removidos registros que não permitiam o rastreamento dos deslocamentos nos dois períodos analisados. No total, havia mais de 12,49 milhões de cartões ativos em junho de 2016 e 13,51 milhões em junho de 2017, dos quais aproximadamente 81% puderam ser acompanhados.
Para entender melhor os padrões de deslocamento dos passageiros e suas respostas às mudanças tarifárias, os usuários do metrô foram classificados em grupos com base em três características principais: (i) intensidade de uso, (ii) comportamento temporal de viagem e (iii) padrões espaciais. A intensidade de uso mede a frequência com que cada passageiro utiliza o metrô, incluindo o número médio de viagens por dia, a quantidade média de dias de uso por semana e a estabilidade desse uso ao longo do tempo. Passageiros que usam o metrô de forma mais frequente e regular tendem a ter uma maior lealdade ao sistema, enquanto aqueles com padrões mais irregulares podem ser menos dependentes desse meio de transporte.
As características temporais foram analisadas para identificar padrões de deslocamento. O horário da primeira viagem do dia foi um indicador considerado, ajudando a identificar passageiros que iniciam seus trajetos no horário de pico, comumente trabalhadores ou estudantes. Além disso, identificou-se a variação no horário de saída ao longo do tempo, auxiliando na distinção de usuários com rotinas mais previsíveis daqueles com horários mais flexíveis. Por fim, considerou-se a característica espacial com base na taxa de cobertura OD, que indica a variedade de origens e destinos utilizados por um passageiro.
Os dados revelaram padrões distintos entre os passageiros do metrô de Pequim. Usuários regulares faziam viagens frequentes e estáveis ao longo da semana, geralmente trabalhadores ou estudantes, enquanto os ocasionais apresentaram menor frequência e horários mais variáveis. Referente aos padrões temporais, passageiros que iniciam suas viagens sempre no horário de pico são possivelmente trabalhadores, enquanto aqueles com maior flexibilidade de horário apresentam variação nos deslocamentos. Os padrões espaciais indicaram que passageiros com trajetos fixos, como casa-trabalho ou casa-escola, apresentam baixa variação em suas origens e destinos. Já aqueles com percursos mais variados podem ser prestadores de serviço ou profissionais com múltiplos locais de trabalho.
O modelo desenvolvido adotou uma programação quadrática inteira não linear para otimizar a distribuição da demanda no metrô, considerando a política de desconto tarifário antes do pico. A formulação incluiu variáveis relacionadas às estações que oferecem desconto, ao horário-limite do desconto e ao percentual aplicado. A função objetivo buscou minimizar a diferença entre a taxa de ocupação observada nos trens e a taxa desejada, de modo a reduzir a superlotação. Restrições foram incorporadas para garantir a consistência do modelo, como a igualdade de alguns parâmetros em determinados cenários e a limitação do deslocamento do horário de partida dos passageiros.
O estudo segmentou o período analisado em intervalos de 10 minutos, permitindo acompanhar a variação da demanda ao longo do tempo. Para calibrar o modelo, foram utilizados dados de cartões inteligentes de agosto de 2015, em período prévio à implementação da política de desconto. Esses dados possibilitaram a identificação de dados da origem-destino e dos padrões de deslocamento das viagens. Além disso, a influência da política de descontos sobre a decisão dos passageiros foi incorporada ao modelo por meio da elasticidade tarifária ao horário de partida, considerando a limitação do tempo máximo que os usuários estão dispostos a antecipar sua viagem.
A capacidade dos trens foi modelada levando em consideração a infraestrutura existente, incluindo o tempo de viagem entre as estações, o tempo de parada e a capacidade de passageiros por vagão. Adicionalmente, o modelo foi testado para cinco cenários de desconto tarifário antes do horário de pico. Cada cenário variava quanto à estação com desconto, ao horário-limite e ao percentual de desconto, contemplando desde um cenário sem desconto até um cenário com total flexibilidade de desconto e horário-limite.
Os resultados do modelo indicaram que o cenário atual de desconto não tem efeito significativo na redução da lotação, resultado em acordo com o observado no metrô de Pequim. A comparação entre os cenários revelou que a alteração da taxa de desconto tem efeito limitado, enquanto mudanças no horário-limite do desconto geram impactos mais expressivos.
No cenário em que o horário-limite foi ajustado, a redução da superlotação foi significativamente maior do que nos cenários que apenas aumentavam o percentual de desconto. O cenário mais flexível apresentou a melhor performance na redução da lotação, embora os autores destaquem a possibilidade de comprometimento da conveniência dos passageiros diante de horários e taxas diferenciadas entre estações.
A análise da elasticidade tarifária mostrou que o desconto pode deslocar parte dos passageiros do horário de pico para horários anteriores. No entanto, esse efeito tem um limite, pois a maioria dos passageiros não antecipa sua viagem em mais de 30 minutos. Dado que o horário de pico real ocorre por volta das 8h, o impacto da política implementada é insignificante.
Como consequência desses resultados, os autores destacaram que sistemas como o metrô de Pequim, onde a demanda é elevada e concentrada em um curto intervalo de tempo, torna-se difícil modificar o comportamento dos passageiros via incentivos tarifários. A política tarifária do metrô de Pequim já oferece um desconto elevado em comparação com outros sistemas, como os de Hong Kong, Nova York e Washington, que aplicam descontos menores fora do horário de pico. Além disso, o governo de Pequim subsidia aproximadamente 50% dos custos operacionais do metrô, o que permite maior flexibilidade na definição de tarifas.
Para melhorar a eficiência da política de descontos, seria necessário ajustar o horário-limite do benefício para que ele coincidisse com a real distribuição da demanda. A experiência do metrô de Melbourne, que implementou um bilhete gratuito para viagens antes do pico, mostrou resultados mais satisfatórios na redistribuição da demanda. No entanto, essa estratégia envolve desafios financeiros, pois a perda de receita pode ser substancial.
Neste artigo, os autores analisaram os impactos da adoção de uma política de desconto tarifário para viagens realizadas antes do horário de pico da manhã no metrô de Pequim através de um modelo de programação não linear. Os resultados do modelo indicam que a política teve impacto limitado na redução da demanda durante o pico, em consonância com o comportamento observado durante a vigência da política. A efetividade da medida foi restringida pelo horário-limite do desconto, que não abrangia a maior parte do período de maior demanda. Os resultados também sugerem que a magnitude do desconto influencia a decisão dos passageiros de forma limitada.
As evidências deste artigo forneceram informações fundamentais sobre a relação entre incentivos tarifários e a redistribuição da demanda no transporte público, auxiliando no desenvolvimento de estratégias para mitigar a superlotação. Os autores ressaltaram que ajustes no horário-limite do desconto e a ampliação da faixa horária contemplada pela política podem aumentar sua efetividade.
Referências
GE, Y.-E. et al. SOLVING TRAFFIC CONGESTION FROM THE DEMAND SIDE. PROMET - Traffic&Transportation, v. 27, n. 6, p. 529–538, 21 dez. 2015.
YAO, X. et al. Exploring travelers’ responses to a prepeak discount fare policy and optimizing the pricing strategy to ease peak congestion: The case of Beijing subway. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 191, p. 104335, jan. 2025.