Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Does Public Insurance Crowd Out Private Insurance
Autores: David M. Cutler e Jonathan Gruber
Localização da Intervenção: Estados Unidos
Tamanho da Amostra: 266.421 crianças, 549.472 adultos
Setor: Saúde
Variável de Interesse Principal: Cobertura de Seguro de Saúde
Tipo de Intervenção: Elegibilidade; Valor de cobertura do seguro
Metodologia: Variável Instrumental
Resumo
A ampla cobertura de serviços de saúde é alvo de grande demanda e interesse público. Paralelamente, os gestores públicos deparam-se com o desafio em identificar as consequências negativas da aplicação de subsídios nesse mercado. O objetivo deste artigo foi analisar os impactos da política de expansão da elegibilidade do programa Medicaid sobre a cobertura do programa, a cobertura de seguro de saúde privados. O estudo também verifica como os seguros ofertados por empregadores foi afetado. Adotando a metodologia de variáveis instrumentais, os autores identificam que a política de expansão da elegibilidade provocou aumento na utilização do programa e na cobertura total, porém esse movimento foi acompanhado de redução na cobertura e na adesão de seguros de saúde provisionados por empregadores.
A oferta de serviços de seguro público gratuitos implica em consequências em todo o mercado ao passo que altera a sua estrutura de oferta. Teoricamente, o Medicaid é uma política muito valiosa, oferecendo cobertura ampla e havendo pouca ou nenhuma cobrança de taxas aos beneficiários. No entanto, o valor do programa é subsidiado e, portanto, inferior ao dos seguros privados. Em função das baixas taxas de reembolso, os prestadores de serviço muitas vezes relutam em tratar os pacientes pelo Medicaid (Currie et al., 1995). O valor do Medicaid pode ser baixo devido a dificuldades de transição ao setor privado em caso de condições médicas preexistentes. A adesão ao Medicaid pode também ser impactada devido ao estigma associado a programas públicos ou a dificuldades de inscrição relacionadas a burocracia.
As políticas de seguros de saúde públicos subsidiado disponibilizam uma cesta de serviços homogênea aos seus beneficiários. Portanto, indivíduos que optam pelo Medicaid abdicam da opção de suplementarem o seu acesso a serviços de saúde. Essa dinâmica implica que indivíduos que valorizam pouco esse tipo de serviço aderem ao programa, enquanto que os indivíduos dispostos a pagar mais pela qualidade e quantidade desses serviços optam por seguros privados.
Nesse sentido, o desafio dos formuladores de política reside em verificar quais os efeitos provocados pela expansão do programa Medicaid na cobertura de seguros de saúde da população, e se estende em identificar os mecanismos que explicam esses potenciais impactos no setor.
A expansão do programa Medicaid ocorreu com o objetivo de ampliar a cobertura da população mais pobre. No período prévio à expansão, os critérios de elegibilidade eram excessivamente restritivos, contemplando apenas indivíduos em situação de extrema pobreza e/ou famílias com estrutura monoparental. Em 1987, a porcentagem de crianças e mulheres em idade reprodutiva elegíveis ao programa eram de 17,8% e 21,1%, respectivamente. Após cinco anos do início da expansão do programa, tais números atingiram a marca de 27% e 44,9%, respectivamente. Além disso, quase 90% dos seguros de saúde privados nos EUA eram fornecidos pelos empregadores.
O objetivo deste artigo foi analisar como a expansão do Medicaid impactou na cobertura de seguros de saúde da população nos EUA. Observando as diferenças em termos de serviços e incentivos entre os setores público e privado de seguro de saúde, o estudo verifica possíveis repercussões em ambos os setores, além de checar se houve aumento no contigente de não segurados. Adicionalmente, os autores performam uma análise em como a expansão de elegibilidade do Medicaid afetou a oferta e adesão de seguros privados ofertados por empregadores.
O programa Medicaid teve sua elegibilidade para mulheres grávidas e crianças historicamente vinculada à participação no programa Aid for Families with Dependent Children – AFDC, política de auxílio a famílias com filhos dependentes com foco em famílias monoparentais.Essa vinculação incorreu em restrições ao acesso do programa devido aos critérios de adesão do programa AFDC. Paralelamente, existiam diversos outros programas estaduais direcionados à flexibilização dos critérios socioeconômicos de elegibilidade ao programa Medicaid. No entanto, os critérios de estrutura familiar ainda tornavam a política restrita a indivíduos em situação de extrema pobreza.
Com o objetivo de tornar a cobertura de seguro para a população de baixa renda de mais ampla, a ligação entre a cobertura do AFDC e a elegibilidade para o Medicaid foi gradualmente enfraquecida para mulheres grávidas e crianças. Segundo Currie & Gruber (1994), essas medidas promoveram a expansão de elegibilidade ao programa Medicaid, aumentando substancialmente o limite máximo de renda das famílias para se qualificar ao programa e extinguindo restrições para famílias que não monoparentais. Crianças nascidas após 30 de setembro de 1983 em situação de pobreza foram integralmente cobertas, independente da composição familiar. Posteriormente, novas medidas em 1992 expandiram a obrigação de cobertura para mulheres grávidas e crianças com menos de 6 anos de idade e flexibilizaram os critérios de pobreza adotados pelos estados.
Este artigo utilizou a base de dados Pesquisas de População Atual de (Current Population Surveys – CPS) de março de 1988 a 1993. O CPS é a maior pesquisa anual nacionalmente representativa com os dados demográficos referentes a informações sobre cobertura de seguro e elegibilidade para o programa Medicaid. A amostra usada contém 815.893 observações, dos quais 266.421 são crianças (entre 0 e 18 anos), 194.139 são mulheres em idade reprodutiva (entre 15 e 44 anos), e 355.333 são do grupo restante de adultos. O estudo também empregou o suplemento Benefícios do Empregado (Employee Benefits Supplement) para os dados de maio de 1988 e abril de 1993 da CPS.
O controle de possíveis vieses nas estimações é essencial e impõe certas precauções com as variáveis empregadas no modelo. As crianças precisam ser categorizadas por idade visto as diferenças de demanda e elegibilidade entre as crianças recém-nascidas e as demais. Além disso, a utilização da variável direta de elegibilidade não é apropriada devido aos critérios de elegibilidade do programa envolverem características demográficas e socioeconômicas familiares, à cobertura privada para trabalhadores de baixa renda, diferenças estaduais quanto à expansão, e a diferenças entre a periodicidade da concessão de elegibilidade em relação às variáveis utilizadas.
Para solucionar problemas com endogeneidade, os autores adotam variáveis instrumentais (IV) correlacionada com a elegibilidade do programa Medicaid. A primeira IV consiste na elegibilidade individual (IV_elegibilidade) e é calculada considerando-se as médias de elegibilidade a nível estadual através de amostras aleatórias nacionais. A segunda IV é criada para representar o valor relativo em dólares com despesas em saúde da família cobertos pelo Medicaid (IV_%Dollars). Adicionalmente, a segunda variável instrumental é dividida em duas partes, representando o valor de cobertura do indivíduo (IV_%Dollarsproprio) e o valor de cobertura do restante dos familiares (IV_%Dollarsfamilia).
As variáveis instrumentais são utilizadas para medir o impacto da expansão da elegibilidade para o Medicaid sobre as variáveis de resultado analisadas. A primeira variável instrumental mede o efeito da elegibilidade para o Medicaid, enquanto as demais medem o efeito do valor de cobertura com despesas em saúde do programa. As variáveis de resultado definidas foram: (i) a cobertura do próprio programa, (ii) a cobertura de seguro privado, e (iii) a taxa de não segurados. Os modelos também consideraram covariáveis de características demográficas, incluindo sexo (crianças), raça, estado matrimonial, número de trabalhadores no domicílio, sexo do chefe de família, e variáveis binárias de idade, estado e ano.
Todas as análises utilizam os dados da CPS. A primeira análise do estudo estima o efeito da elegibilidade do programa Medicaid para o grupo de crianças e mulheres em idade reprodutiva sobre as variáveis de resultados: (i) cobertura do Medicaid, (ii) cobertura de planos de seguro privado, e (iii) não cobertura de seguro saúde. A segunda análise incorpora os dados do suplemento Employee Benefits Supplement do CPS e verifica o impacto da variável IV_%Dollars para todos os trabalhadores entre 24 e 64 anos sobre variáveis de resultado: (i) cobertura de seguro oferecidas por empregadores, (ii) ofertas de seguro por empregados, e (iii) adesão dos empregados aos seguros oferecidos por empregadores. A terceira análise observa o impacto da variável IV_%Dollars para homens entre 24 e 64 anos sobre as variáveis de resultado: (i) cobertura de seguro oferecidas por empregadores, (ii) cobertura de seguro individual, e (iii) cobertura de seguro dos dependentes. A quarta análise verifica o efeito das variáveis IV_%Dollarsproprio e IV_%Dollarsfamilia sobre as variáveis de resultados: (i) cobertura do Medicaid, (ii) cobertura de planos de seguro privado, e (iii) não cobertura de seguro saúde. Por fim, os autores apresentam o impacto na cobertura geral com ajustes para cobertura condicional, computando o uso não continuado do programa Medicaid.
Em relação à primeira análise, os resultados apresentaram elevado acréscimo na cobertura de crianças pelo programa Medicaid, porém acompanhado de reduções na cobertura privada e na ausência de cobertura, ambas reações de acordo com o esperado. Os resultados para mulheres em idade reprodutiva não indicam aumento na cobertura pelo Medicaid, porém demonstram redução na cobertura privada e acréscimo na ausência de cobertura em magnitudes proporcionais.
As estimativas da segunda análise demonstraram que o valor de cobertura em dólares da família proporcionado pelo Medicaid reduziu significativamente a cobertura de seguros privados para trabalhadores entre 24 e 64 anos. Além disso, a ausência de efeito na oferta de seguro por empregadores e a redução na adesão à ofertas de seguros privados indicaram que a redução na cobertura de seguros privados ocorreu por vontade dos empregados.
Os resultados da terceira análise indicaram que a expansão da elegibilidade para crinças provocou mudanças no tipo de cobertura privada demandada ao passo que houve aumento na cobertura individual de homens adultos e redução na cobertura para dependentes. Os resultados da quarta análise demonstraram que acréscimos no valor de cobertura familiar em dólares provocaram elevação na cobertura do Medicaid das crianças e mulheres em idade reprodutiva. No entanto, ambos os grupos observaram reduções na cobertura de seguros privados decorrentes do valor de cobertura próprio e familiar.
Considerando as estimativas dos efeito de elevação na adesão ao Medicaid (800 mil pessoas)e de redução na contratação de seguros privados (700 mil pessoas), as estimativas apontaram relativa estagnação na cobertura total para as mulheres. Ao considerar a cobertura condicional do Medicaid, os autores identificaram que a cobertura do Medicaid para as mulheres elevou-se em 900 mil usuárias. Os autores estimaram esse resultado ao considerar o custo anual das mulheres em idade reprodutiva com serviços relacionados à gestação. De forma similar para as crianças, verificou-se um aumento de 1,5 milhão na cobertura do Medicaid de forma direta, 400 mil de forma condicional, e uma redução de 600 mil na cobertura privada. Ao todo, os resultados encontrados indicam que houve um aumento total de 3,5 milhões de indivíduos cobertos pelo Medicaid e uma redução de 1,7 milhão na cobertura privada.
Este estudo analisou os impactos da expansão da elegibilidade do programa Medicaid experimentado entre o final da década de 80 e início dos anos 90. As evidências encontradas neste estudo indicaram que o aumento na cobertura do programa Medicaid se deu ao custo da redução na cobertura de seguros privados para todos os segmentos da população.
O segmento das crianças apresentou a maior convergência para cobertura do Medicaid, em conformidade com o foco estabelecido pelas políticas de flexibilização de elegibilidade do programa. Os resultados referentes à cobertura condicionada do Medicaid para as mulheres e crianças fornecem informações importantes sobre o uso e/ou conhecimento da elegibilidade, indicando que boa parte das mulheres beneficiam-se do programa somente no final da gestação.
Apesar de todos os segmentos populacionais terem reduzido a sua cobertura de seguros privados, não houve redução na oferta desses serviços por parte dos empregadores, indicando que tal queda ocorreu por opção dos empregados. Ao todo, as estimativas deste estudo apontam que a expansão do Medicaid foi responsável por 17% do declínio na cobertura de seguros de saúde privados observado no período de 1987 a 1992.
Referências
Currie, J. and Gruber, J. (1994), Saving Babies: The Efficacy and Cost of Recent Expansions of Medicaid Eligibility for Pregnant Women, No. w4644, National Bureau of Economic Research, Cambridge, MA, p. w4644.
Currie, J., Gruber, J. and Fischer, M. (1995), “Physician Payments and Infant Mortality: Evidence from Medicaid Fee Policy”, The American Economic Review, Vol. 65 No. 2, pp. 106–111.