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COMO A INFRAESTRUTURA DE SANEAMENTO E ABASTECIMENTO DE ÁGUA AFETA A MORTALIDADE INFANTIL?

10 nov 2023

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Título original: Watersheds in Child Mortality: The Role of Effective Water and Sewerage Infrastructure, 1880 to 1920

Autores: Marcella Alsan e Claudia Goldin

Localização da Intervenção: Estados Unidos

Tamanho da Amostra: 2440 municípios-anos

Setor: Saúde

Variável de Interesse Principal:  Taxa deMortalidade Infantil

Tipo de Intervenção: Saneamento básico

Metodologia: Diferença em diferenças

Resumo

As taxas de mortalidade infantil reduziram de forma expressiva ao longo dos últimos 150 anos. Essa melhoria é frequentemente atribuída aos avanços tecnológicos em termos sanitários e de serviços de saúde, bem como à implementação de políticas públicas. O objetivo deste artigo foi analisar o impacto da criação de um distrito de saneamento e abastecimento de água na região de Boston na taxa de mortalidade infantil entre 1880 e 1920. Utilizando a metodologia de diferença em diferenças através de diversas especificações, os autores identificaram que a implementação conjunta de ambos os tipos de infraestrutura foi fundamental para a redução na taxa de mortalidade infantil observada no período.

  1. Problema de Política

A mortalidade infantil foi a principal causa da baixa expectativa de vida ao nascer nos Estados Unidos e em grande parte da Europa. No estado americano de Massachusetts, as mortes de bebês correspondiam a 20,4% de todas as mortes em 1880, ao passo que os nascimentos representavam apenas 2,5% da população total da época (Alsan e Goldin, 2019). No entanto, entre 1870 a 1930, a mortalidade infantil despencou de cerca de 1 em 5 para 1 em 16 bebês brancos nos Estados Unidos – em Massachusetts, as mortes de crianças com menos de cinco anos diminuíram sete vezes.

O período coincide com a implementação de sistemas públicos de água e saneamento. O saneamento reduz a transmissão fecal-oral de patógenos ao remover o excremento das fontes de água potável, diminuindo o contato humano com fezes e limitando a exposição a doenças gastrointestinais transmitidas por moscas. Intervenções de água limpa removem impurezas, tornando a água segura para consumo e higiene. Essas intervenções foram consideradas por diversos autores como fundamentais para explicar a trajetória de queda na morbidade infantil observada, destacando a importância desse tipo de política pública.

  1. Contexto de Implementação da Política

No final do século XIX, a área metropolitana de Boston estava enfrentando uma crise sanitária de grandes proporções. O rápido crescimento populacional e a industrialização desenfreada resultaram em condições insalubres nas cidades e municípios da região. Os sistemas de esgoto eram primitivos e frequentemente despejavam resíduos não tratados diretamente nos rios e no Porto de Boston. Isso não apenas poluía as fontes de água, mas também contribuía para surtos de doenças transmitidas pela água, como cólera e febre tifóide. Além disso, o acesso limitado à água limpa exacerba os problemas de saúde pública, já que muitas comunidades dependiam de fontes de água contaminada.

Contudo, a situação começou a mudar com a implementação de políticas públicas proativas. A criação do Distrito de Saneamento Metropolitano (DSM) e a construção de sistemas de tratamento de esgoto e abastecimento de água foram passos cruciais na melhoria das condições sanitárias. O DSM permitiu a coordenação eficiente entre várias municipalidades para tratar o problema do esgoto, enquanto os sistemas de tratamento de água tornaram a água potável segura para consumo. Ao longo dos anos seguintes, a morbidade infantil apresentou uma significativa redução, indicando a importância do investimento em infraestrutura de saneamento e água limpa como componentes vitais da saúde pública e do bem-estar das comunidades urbanas.

  1. Detalhes da Avaliação

Os dados utilizados neste estudo foram compostos por um conjunto de bases de informações relacionadas às intervenções de água e saneamento na área metropolitana de Boston. As principais fontes de dados incluem relatórios anuais da Junta de Saúde do Estado, da Comissão de Saneamento Metropolitano, do Distrito de Água Metropolitano e do Conselho de Água e Saneamento Metropolitano. Esses relatórios detalham as datas em que as intervenções de água e saneamento foram concluídas em diferentes municípios da região, fornecendo registros sobre as implementações dos serviços públicos sanitários ao longo do tempo. Além disso, os dados abrangem informações demográficas e de vitalidade a nível municipal, coletadas a partir dos relatórios anuais de estatísticas vitais da Secretaria do Estado de Massachusetts.

A amostra principal compunha um painel de 60 municípios entre o período de 1880 a 1920, consistindo em 2440 municípios-ano. Essa amostra contemplou todos os municípios dentro da área imediata da bacia do Porto de Boston, além dos municípios fora da área imediata de Boston que eram cidades incorporadas até 1895. Adicionalmente, foram considerados dois municípios costeiros (Ipswich e Weymouth) e cinco com as maiores populações de 1880 (Attleboro, Clinton, Milford, Natick e Peabody).

  1. Método

Para avaliar o impacto das políticas de saneamento sobre a saúde, foram consideradas variáveis de resultado relacionadas à mortalidade infantil. A principal variável de interesse foi a taxa de mortalidade infantil (logarítmica), bem como as taxas de mortalidade para outras idades: menores de um, menores de dois e maiores de cinco anos. Assim, foram inicialmente avaliadas as diferenças nas características observadas entre os municípios tratados e controles.

Como estratégia empírica principal, empregou-se o método de Diferença em Diferenças (DID), assumindo a condição de tendências paralelas da trajetória das variáveis de resultado de saúde  entre os grupos tratado e controle em caso de não ocorrência da intervenção das políticas de infraestrutura de abastecimento de água e saneamento. Diversas especificações de modelos foram apresentadas, considerando diferentes conjuntos de variáveis, efeitos fixos (de tempo e municipais) e tendências temporais, além de modelos de contagem e lineares no nível (não logarítmico). Os erros padrão foram agrupados no nível do município ao longo de toda a análise.

Como estratégia de robustez, os autores analisaram possíveis efeitos concomitantes. Foram conduzidas análises para examinar possíveis efeitos na composição populacional decorrentes da melhoria da infraestrutura, que poderiam afetar abruptamente as taxas de mortalidade infantil a partir da imigração de indivíduos mais ricos. Além disso, foram verificados os efeitos heterogêneos considerando o período do ano (primavera-verão e outono-inverno), composição populacional (taxa de crescimento populacional municipal, proporção de estrangeiros britânicos, e proporção de estrangeiros irlandeses). Também foram estimados os efeitos das intervenções por categoria de doença causadora de morte e na taxa de mortalidade não infantil. Por fim, o estudo apresenta os resultados com amostras considerando diferentes grupos de municípios tratados e controles.

  1. Principais Resultados

Os resultados iniciais demonstraram a similaridade na maioria das características entre os municípios de ambos os grupos tratado e controle. De maneira geral, poucas mudanças foram verificadas nas taxas de mortalidade nos municípios ao longo dos 9 anos que precederam a intervenção.

Os resultados da análise principal indicaram que a introdução conjunta dos sistemas de abastecimento de água e esgoto provocou uma redução significativa de 33,6% na taxa de mortalidade infantil nos municípios que sofreram a intervenção ao longo dos 41 anos observados. Quando analisadas separadamente, os resultados indicaram efeitos significativos de menor magnitude decorrentes da implementação dos sistemas de esgoto, enquanto o sistema de abastecimento de água não apresentou significância estatística. Esses resultados foram consistentes considerando diversas especificações de modelos.

Com relação às análises de efeitos heterogêneos, os resultados indicaram que, na medida em que houve uma significativa redução na mortalidade infantil oriunda de doenças gastrointestinais (associadas aos aprimoramentos de saneamento básico), foram identificados um efeito menos significativo na redução de mortes por doenças respiratórias e efeitos não significativos na mortalidade infantil por tuberculose e na taxa de mortalidade não infantil. A taxa de mortalidade infantil apresentou efeitos significativos quando considerado o período de abril à setembro (primavera-verão), e efeitos não significativos entre outubro e março (outono-inverno), resultados condizentes com a maior vulnerabilidade infantil à doenças gastrointestinais, mais comuns em períodos mais quentes.

Em termos de ganhos relativos relacionados a condições socioeconômicas, os resultados indicam que municípios com maior parcela de estrangeiros irlandeses (à época, mais vulneráveis) auferiram reduções na taxa de mortalidade infantil mais significativas em relação aos com maior parcela de britânicos. Adicionalmente, municípios com menor crescimento populacional apresentaram efeitos significativos de redução na taxa de mortalidade infantil, diferentemente da metade dos municípios com maiores taxas de crescimento populacional. Os resultados permaneceram significativos considerando diferentes composições de municípios na amostra, indicando a robustez dos resultados.

  1. Lições de Política Pública

Esse artigo conduziu uma análise sobre a importância da infraestrutura de saneamento básico, com foco nas intervenções de água e esgoto, para a redução da mortalidade infantil na área metropolitana de Boston entre os anos de 1880 a 1920. Os resultados revelaram que a implementação de sistemas de água limpa e saneamento eficaz desempenhou um papel fundamental na melhoria da saúde infantil, sendo responsável por cerca de um terço da redução na mortalidade infantil ao longo de 41 anos.

Os resultados deste estudo têm implicações significativas para a formulação de políticas públicas relacionadas à saúde infantil e à infraestrutura de saneamento básico. Eles destacam a importância de investimentos em sistemas de água limpa e saneamento como medidas efetivas na redução da mortalidade infantil. Além disso, ressaltam a necessidade de abordagens abrangentes e coordenadas no planejamento e implementação de infraestrutura de saneamento, especialmente em regiões urbanas. Essas descobertas podem orientar futuras decisões políticas e estratégias de investimento que visam melhorar a saúde das crianças em contextos urbanos, tanto nos Estados Unidos quanto em outras partes do mundo, onde desafios semelhantes persistem.

Referências

ALSAN, M.; GOLDIN, C. Watersheds in Child Mortality: The Role of Effective Water and Sewerage Infrastructure, 1880–1920. Journal of Political Economy, v. 127, n. 2, p. 586–638, abr. 2019.