Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título orgininal: Pathways toward sustainable aviation: Analyzing emissions from air operations in Europe to support policy initiatives
Autore: Nicolò Avogadro e Renato Redondi
Localização da Intervenção: Europa
Tamanho da Amostra: 9 milhões de voos
Setor: Economia do Transporte
Variável de Interesse Principal: Emissão de GEE
Tipo de Intervenção: Eficiência operacional
Metodologia: Bottom-up
Resumo
Com o crescente debate a respeito do aquecimento global, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) vêm sofrendo grande escrutínio da opinião pública. A aviação é um dos setores que mais provoca preocupações nesse sentido, gerando uma demanda por maior eficiência por parte dos atores do setor. Este estudo avaliou a eficiência da utilização de combustíveis e as emissões de GEE no setor de aviação, utilizando dados de voos intercontinentais e intra-europeus. Os resultados encontrados destacaram que parcela relevante das emissões totais decorre dos procedimentos de pouso e decolagem. As evidências também ressaltaram a importância do aprimoramento operacional, sugerindo que rotas mais curtas (regionais e intra-europeia) são menos eficientes.
A indústria de transporte desempenha um papel central no crescimento econômico global, estando associada ao processo de integração mundial vivenciado nas últimas décadas. No entanto, a sua rápida expansão tem gerado preocupações ambientais. O setor foi o único entre as principais atividades econômicas da Europa a apresentar aumento contínuo nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) entre 2013 e 2019, contribuindo para cerca de um quarto das emissões totais da União Europeia nesse período (AVOGADRO; REDONDI, 2024). Embora o transporte terrestre represente a maior parcela dessas emissões, o transporte aéreo tem se destacado como uma das principais fontes de preocupação devido ao seu crescimento acelerado. Desde 1990, as emissões da aviação mais que dobraram.
Com uma expectativa de crescimento da demanda a médio e longo prazo, aliada à redução dos ganhos marginais de eficiência no consumo de combustível das aeronaves, a discussão a respeito da sustentabilidade do setor aéreo tem ganhado maior notoriedade. Diante desse cenário, governos e instituições internacionais estabeleceram metas ambiciosas para descarbonizar o transporte aéreo, tendo como objetivo alcançar emissões líquidas zero de CO2 até 2050.
Com a tendência de intensificação na adoção de políticas ambientais mais rigorosas, como mecanismos de precificação de carbono, diversas companhias têm procurado adotar medidas mais eficientes visando reduzir custos e emissões. Dentre as iniciativas avaliadas, incluem-se o uso de combustíveis sustentáveis, avanços tecnológicos em aeronaves, melhorias na gestão do tráfego aéreo e a adoção de medidas operacionais mais eficientes. A compreensão dos padrões de emissões e a identificação de variações na eficiência do consumo de combustível entre diferentes tipos de voo podem auxiliar no desenvolvimento de políticas mais eficazes, viabilizando que o setor continue atendendo à demanda por viagens aéreas sem comprometer a sustentabilidade ambiental.
As operações de voo convencionais são divididas em duas fases principais: as atividades realizadas abaixo de 3.000 pés, que incluem táxi, decolagem, subida inicial, aproximação e pouso, e aquelas que ocorrem em altitudes superiores, abrangendo subida, cruzeiro e descida. Diferentes fatores, como condições meteorológicas adversas, restrições de tráfego aéreo e regulamentos específicos de aeroportos, podem alterar o perfil ideal de voo, influenciando as emissões geradas em cada uma dessas etapas. A relação entre a capacidade do setor aéreo de acomodar a demanda e a eficiência tecnológica e operacional das companhias e aeroportos também é um aspecto relevante para a avaliação das emissões.
Nesse contexto, o impacto ambiental da aviação tem sido cada vez mais estudado para aprimorar a compreensão das suas emissões de GEE. A fase de cruzeiro do voo (CCD), que inclui subida, voo em altitude de cruzeiro e descida, tem sido tradicionalmente o foco das pesquisas, pois representa a maior parte das emissões totais. Estudos mais recentes também passaram a analisar as emissões geradas durante as operações de pouso e decolagem (LTO). Embora represente uma parcela menor de GEE, as emissões geradas pelo LTO afetam diretamente a qualidade do ar nas proximidades dos aeroportos e têm implicações para a saúde humana e os ecossistemas locais.
No contexto da aviação intra-europeia, as emissões de GEE variam conforme a estrutura do mercado doméstico de cada país e sua dependência do transporte aéreo. Alguns mercados apresentam emissões mais elevadas devido ao maior volume de voos internos, enquanto outros possuem uma participação mais expressiva em rotas transfronteiriças. As emissões em rotas internacionais dentro da Europa são significativas, com algumas conexões entre grandes centros urbanos concentrando a maior parte dos voos e, consequentemente, das emissões.
Diversos estudos avaliaram esses tipos de emissões em nível de aeroporto, região ou país, porém ainda existem lacunas na literatura em relação à eficiência no consumo de combustível e à variabilidade dos padrões de emissões entre aeroportos e países do continente. No entanto, estudos que abordam essa questão de forma integrada ainda são escassos, em especial para no contexto da Europa. Tal lacuna reforça a necessidade de ampliar as análises sobre padrões de emissões e eficiência operacional no setor de aviação.
Este estudo considerou o mercado da Europa para avaliar as emissões de GEE na aviação. Com esse intuito, os autores utilizaram uma ferramenta desenvolvida pela Agência Ambiental Europeia (EEA, 2019) para estimar as emissões de GEE no setor de aviação com observações detalhadas ao nível dos voos. A base de dados utilizada no estudo abrangeu voos comerciais de passageiros com partida ou chegada em países do Espaço Schengen, além do Reino Unido, Irlanda e Turquia, sendo obtida a partir de registros de voos programados. O conjunto de dados inclui aproximadamente 9 milhões de voos, totalizando mais de 1,53 bilhão de assentos ofertados. Entre esses voos, cerca de 6,9 milhões ocorreram dentro da Europa, correspondendo a 76,7% do total, com 1,05 bilhão de assentos ofertados.
Dado o impacto significativo da pandemia de COVID-19 sobre o setor em 2020 e 2021, e a recuperação ainda incompleta em 2022, foi selecionado o ano de 2019 como referência. Para estimar o consumo de combustível e as emissões geradas durante os procedimentos de pouso e decolagem, foram utilizados dados específicos sobre o consumo de combustível por tipo de aeronave e fase do voo, com base em informações sobre motores e sua eficiência. Além disso, os tempos médios efetivos de táxi em solo foram incorporados à análise para capturar variações entre aeroportos.
A metodologia adotada considerou informações sobre aeroportos de origem e destino, bem como os modelos de aeronaves utilizadas. Essa abordagem permitiu o cálculo do consumo de combustível e das emissões para cada voo individualmente, além da análise segmentada por fases do voo. Os dados foram agregados em níveis de aeroporto e país. A metodologia também considerou o impacto de fatores operacionais, como desvios de rota, procedimentos de espera e fragmentação do espaço aéreo europeu, que afetam a eficiência do tráfego aéreo. Estudos indicam que essas ineficiências aumentam o consumo de combustível entre 6% e 12%, dado que as aeronaves raramente seguem trajetórias diretas entre os aeroportos de origem e destino (AVOGADRO; REDONDI, 2024).
O método adotado para estimar o consumo de combustível e as emissões de GEE considerou separadamente as fases de decolagem e pouso (LTO) e a fase de cruzeiro (CCD), adotando uma abordagem bottom-up, conforme proposto pela EEA (2019). O consumo de combustível na fase LTO foi determinado com base em fatores específicos de consumo dos motores e no tempo gasto em cada subfase do ciclo. Para a fase CCD, o consumo foi estimado levando em conta o tipo de aeronave e a distância entre os aeroportos de origem e destino.
As emissões foram expressas em equivalentes de CO2 e incluem não apenas o dióxido de carbono, mas também metano e óxido nitroso, ponderados de acordo com seus potenciais de aquecimento global. Além disso, para refletir as ineficiências na trajetória real dos voos, foi utilizado um modelo que ajusta a distância efetivamente percorrida em relação à rota em linha reta.
A análise principal das emissões com base no comprimento do voo categorizou as rotas em quatro grupos: regionais (menos de 500 km), curta distância (entre 500 e 1500 km), média distância (entre 1500 e 4000 km) e longa distância (mais de 4000 km). Para compreender a heterogeneidade de como as emissões de GEE se dão em operações de aviação, os autores estimaram os impactos nas fases de CCD e LTO, e em seus diferentes componentes.
A distribuição espacial das emissões geradas durante o ciclo LTO varia entre os países europeus, dependendo do volume de tráfego aéreo e da densidade populacional ao redor dos aeroportos. Assim, também considerou-se os níveis de emissões em diferentes regiões, países e destino das viagens (voos internos e externos). Por fim, os autores apresentaram o cálculo das emissões per capita de forma a compreender o impacto relativo dessas emissões em cada país.
A análise das emissões por comprimento de voo revelou que, apesar de os voos de longa distância representarem apenas cerca de 10,7% dos movimentos aéreos, foram responsáveis por aproximadamente 60,3% das emissões totais de GEE. Esse impacto elevado ocorreu devido às maiores emissões por voo e por assento disponíveis nesse segmento. Em média, um voo de longa distância emitiu 210,4 toneladas de CO2, resultando em aproximadamente 700 kg por assento. Comparativamente, um voo de longa distância polui cerca de 6,5 vezes mais que um voo médio e 15 vezes mais que um voo curto.
Por outro lado, os voos regionais apresentaram a maior intensidade de emissões por quilômetro por assento disponível, devido à menor eficiência energética das aeronaves regionais e à alta incidência de procedimentos de decolagem e aterrissagem em curtas distâncias. Em contrapartida, os voos de médio curso demonstraram ser o segmento mais eficiente ambientalmente, possivelmente devido ao equilíbrio entre eficiência da aeronave e distância percorrida.
A distribuição das emissões por fase de voo mostrou que os voos regionais e de curta distância tiveram uma incidência significativamente maior de emissões durante os ciclos de pouso e decolagem (31,5% e 18,6%, respectivamente), em comparação com os voos médios e longos (10,4% e 4,3%, respectivamente). Isso ocorreu devido ao alto consumo de combustível em operações em solo e a baixa altitude, onde a eficiência do motor é reduzida. Apesar da predominância das emissões durante a fase de cruzeiro nos voos de longa distância, os impactos das emissões em solo e durante a decolagem não foram desprezíveis. Estimativas indicaram que os movimentos de solo nos aeroportos europeus geraram cerca de 8,65 milhões de toneladas de CO2 anualmente, com mais da metade dessas emissões concentradas nos 17 aeroportos mais movimentados da região.
No contexto dos voos intra-europeus, as emissões totais foram estimadas em cerca de 102 milhões de toneladas de CO2 em 2019, com uma média de 14,72 toneladas por voo e 96,7 kg por assento disponível. O mercado doméstico de cada país influenciou fortemente as emissões totais e per capita. A Turquia apresentou as maiores emissões absolutas, seguida pela Espanha, Itália, França, Alemanha e Reino Unido. Quando consideradas as emissões per capita, a Noruega se destacou com os maiores valores devido à dependência do transporte aéreo e ao uso frequente de aeronaves regionais menos eficientes. De acordo com os autores, a transição para aeronaves elétricas foi apontada como uma solução viável para reduzir o impacto ambiental dos voos regionais e domésticos em mercados com poucas alternativas de transporte terrestre. Nos voos internacionais dentro da Europa, as conexões entre Espanha, Reino Unido e Alemanha representaram as rotas mais poluentes, destacando a necessidade de iniciativas coordenadas para mitigar as emissões dessas rotas, incluindo investimentos em infraestrutura ferroviária de alta velocidade.
As estimativas a respeito da distribuição espacial das emissões locais revelaram que os maiores volumes de emissões durante a fase de LTO ocorreram nos aeroportos do Reino Unido, Alemanha, Turquia, França e Itália. Em termos per capita, países insulares como Malta, Islândia e Chipre, além da Noruega, registraram os valores mais elevados devido à menor população e maior dependência do transporte aéreo. A Turquia e o Reino Unido destacaram-se por apresentarem uma alta proporção de emissões associadas ao taxiamento, representando aproximadamente 40% das emissões totais da fase de LTO.
Neste artigo, os autores analisaram a relação entre o crescimento do transporte aéreo e as emissões de gases de efeito estufa, considerando diferentes fatores que influenciam essa dinâmica. Os resultados indicam que a expansão do setor aéreo tem contribuído significativamente para o aumento das emissões, com variações conforme o tipo de voo, a eficiência das aeronaves e a regulação ambiental vigente.
As evidências deste artigo auxiliam na compreensão dos desafios associados à redução das emissões no setor de aviação, fornecendo subsídios para a formulação de políticas voltadas à sustentabilidade no transporte aéreo. Os autores ressaltam que, considerando a necessidade de conciliar crescimento econômico e redução do impacto ambiental, o aprimoramento das regulamentações, o incentivo a tecnologias menos emissoras e a operacionalização mais eficiente dos voos podem contribuir para a mitigação das emissões do setor.
Referências
AVOGADRO, N.; REDONDI, R. Pathways toward sustainable aviation: Analyzing emissions from air operations in Europe to support policy initiatives. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 186, p. 104121, ago. 2024.
EEA. Transport: Increasing Oil Consumption and Greenhouse Gas Emission Hamper EU Progress Towards Environment and Climate Objectives. [s.l.] European Environment Agency, 2019.