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O Programa Bolsa Família influencia votos no Brasil?

17 ago 2021

Pesquisador responsável: Angelo Cruz do Nascimento Varella

Título do artigo: WHEN PAYOUTS PAY OFF: CONDITIONAL CASH TRANSFERS AND VOTING BEHAVIOR IN BRAZIL 2002-10

Autor do artigo: Cesar Zucco Jr.

Localização da intervenção: Brasil

Tamanho da amostra: 4 ciclos eleitorais em todos os municípios brasileiros

Setor: Política Econômica e Governança

Tipo de Intervenção: Efeitos do Programa Bolsa Família nas eleições brasileiras

Variável de interesse principal: Proporção de votos de acordo com o Programa Bolsa Família

Método de avaliação: Outros

Problema de Política

No Brasil, algumas das políticas públicas de maior impacto social são os Programas Condicionais de Transferência de Renda (PCTR). Tais iniciativas permitem incentivar boas práticas na sociedade de modo simultâneo à redistribuição de riquezas, fazendo com que famílias de classes socioeconômicas mais baixas sejam amplamente beneficiadas, gerando diminuição da pobreza e aumento do bem-estar social. No Brasil, o Programa Bolsa Família (PBF) é, até o momento deste estudo, o maior programa desse gênero, tornando-o objeto recorrente de estudos científicos acerca de seus efeitos e consequências.

Uma das questões mais relevantes que envolvem o Programa Bolsa Família trata-se de sua possível influência eleitoral, especialmente no caso das famílias beneficiadas. Por ser um programa amplo e de grande popularidade, pesquisadores questionam se a existência desse tipo de política pública é capaz de causar interferência no processo decisório de cidadãos, gerando um clientelismo que possui o potencial de afetar eleições.

Contexto de Implementação e de Avaliação

É possível argumentar que os PCTR caracterizam um dos tipos de políticas públicas sociais de maior adesão e crescimento nos países em desenvolvimento. Em 1995, duas cidades brasileiras, Brasília e Campinas, implementaram pagamentos em dinheiro para famílias de baixa renda em concordância com uma série de condições propostas pelos governos locais, das quais as mais importantes eram assegurar a frequência escolar de seus filhos e frequentemente realizar consultas médicas específicas, com propósitos de prevenção.

Desde então, dezenas de outros países instituíram versões de PCTR, de modo que iniciativas de abrangência nacional, como é o caso brasileiro do PBF e o caso mexicano do programa “Progressa”, atendem a milhões de pessoas em seus respectivos países, tornando-se pilares centrais em seus sistemas de assistência social.

Uma vez que pesquisas indicam que a condição econômica afeta os resultados eleitorais de uma região, acadêmicos ganharam interesse em analisar a influência que tais políticas públicas assistencialistas possuem nas democracias que as adotam. Outros estudos realizados em diversos países, tais quais Alemanha, Brasil, México e Uruguai demonstram que os PCTR possuem a capacidade de gerar resultados positivos de curto prazo em eleições, mas não há evidências de que essa tendência seja duradoura ou que se vincule aos partidos políticos que as implementaram, mesmo quando o programa permanece vigente.

Detalhes da Política

Ao longo da presidência de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil já possuía diversos PCTR instituídos. Em 1996, o governo iniciou um programa piloto desse gênero para remover crianças que trabalhavam em indústrias de carvão, posteriormente expandindo a iniciativa para mitigar outras formas de trabalho infantil. Já em 1997, o governo deu início ao programa que, em 2001, tornou-se o Bolsa Escola, com objetivo de assegurar a frequência escolar. Logo em seguida, criou-se o Bolsa Alimentação, com condições voltadas à saúde dos beneficiados.

Mesmo com a implementação de todos esses relevantes programas sociais, Luís Inácio Lula da Silva é eleito em 2002 e, no ano seguinte, cria o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Esse órgão é responsável por unificar o cadastro de todos os beneficiários dos programas assistencialistas, denominado Cadastro Único, e configura a base para a composição gradual do Programa Bolsa Família. Em outubro de 2006, o PBF atendia a mais de 40 milhões de indivíduos, de 11 milhões de famílias, o que corresponde a mais de 20% da população brasileira.

Podem se cadastrar ao PBF núcleos familiares com renda per capita abaixo de 70 dólares mensais que possuam crianças com até 15 anos. Também se enquadram mulheres grávidas e famílias extremamente pobres. Apesar de serem raros os casos, o programa poderia pagar até 120 dólares por mês, à época.

Detalhes da Metodologia

Os pesquisadores utilizaram dados da cobertura do PBF nos municípios brasileiros, assim como o montante alocado em cada localidade, e relacionaram tais informações com os resultados municipais das eleições para presidente. Desse modo, é possível averiguar o impacto que a existência desses programas assistenciais possui nos votos das cidades brasileiras.

Ao todo, foram analisadas as corridas presidenciais de 2002, 2006 e de 2010, sendo que as eleições de 1998 foram utilizadas como parâmetro de controle, uma vez que a implementação dos PCTR ainda não eram de abrangência nacional. Os autores também utilizaram outros métodos estatísticos para assegurar a validade dos modelos propostos.

Resultados

O principal resultado encontrado para as análises realizadas aponta que o PBF beneficia candidatos que já estão no poder. Entretanto, cabe ressaltar que, assim como descrito na literatura acadêmica, esse efeito é dissipado ao longo do tempo e não necessariamente beneficia os criadores da legislação, muitas vezes sendo associado a mudanças ou integrações de programas já existentes. Também cabe ressaltar que é possível que, em eleições, a simples promessa de manter ou ampliar os PCTR seja suficiente para angariar votos.

A análise dos gastos provenientes do PBF demonstrou que, em 2002, a cada 100 reais em aumento per capita dos gastos, a parcela de votos aumentou em 15 pontos percentuais. Porém, em 2010, essa relação caiu progressivamente para 6,5 pontos percentuais. Com relação à cobertura do programa em porcentagem de famílias atendidas, os resultados mantiveram-se estáveis.

Outro fator relevante da análise demonstra que, apesar de beneficiar políticos titulares que são candidatos aos cargos de presidência, o PBF não melhora o desempenho de candidatos a cargos legislativos, nem aumenta a identidade com partidos políticos específicos.

Lições de Política Pública

O artigo apresenta resultados interessantes para o cenário político no Brasil. No que se refere aos PCTR, presentes nas últimas décadas da política brasileira. É possível afirmar que existe um impacto real e observável dessas iniciativas nas eleições para presidente, beneficiando os políticos titulares, no curto prazo.

Porém, cabe ressaltar que esses efeitos não ocorrem no longo prazo e são enfraquecidos por uma série de variáveis, como a disposição de candidatos de oposição a manter, ou até mesmo ampliar, os PCTR. Tampouco percebe-se uma influência partidária desse gênero de política nem uma preferência permanente dos eleitores com os criadores de tais programas, de modo que o argumento de que políticas públicas como o PBF causam clientelismo são pouco sustentadas pelas análises empíricas.

Finalmente, é válido destacar o impacto social destas políticas públicas. Não somente combate-se efetivamente a pobreza, atuando proativamente para a redistribuição de renda, como aumenta-se o bem-estar social por meio de controle, monitoramento e incentivo de boas práticas sociais. Não é à toa que tais programas são bem-vistos pelos eleitores, pois promovem mudanças reais. No entanto, tais medidas não são suficientes para perpetuar a intenção de voto, que são, de um modo geral, boas notícias para a democracia.

Referência

ZUCCO JR, Cesar. When payouts pay off: Conditional cash transfers and voting behavior in Brazil 2002–10. American journal of political science, v. 57, n. 4, p. 810-822, 2013.