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ECONOMIA E GESTÃO.

O que acontece quando uma mulher ganha uma eleição no Brasil?

12 nov 2021

Pesquisadora responsável: Viviane Pires Ribeiro

Título do artigo: What happens when a woman wins an election? Evidence from close races in Brazil

Autores do artigo: Fernanda Brollo e Ugo Troiano

Localização da intervenção:  Brasil

Tamanho da amostra: 723 eleições

Setor: Gênero

Tipo de Intervenção: Análise da relação entre o gênero dos governantes e os resultados das políticas

Variável de interesse principal: Gênero dos governantes

Método de avaliação: Regressão Descontínua

Contexto da Avaliação

O sistema presidencialista federal brasileiro ocorre em um contexto de sistema multipartidário. As camadas da organização política e administrativa no Brasil são o governo federal, os estados, o distrito federal e os municípios. Os municípios são unidades federativas menores com governo local autônomo, governado por um prefeito, eleito diretamente pelos cidadãos para um mandato de quatro anos, e um corpo legislativo, também eleito diretamente pelos eleitores.

Os prefeitos de municípios com mais de 200.000 eleitores são eleitos diretamente por uma regra de segundo turno, enquanto os prefeitos de municípios com menos de 200.000 eleitores são eleitos diretamente pela regra de pluralidade política. As eleições para presidente, governadores e membros do Congresso ocorrem ao mesmo tempo a cada quatro anos, enquanto as eleições municipais são escalonadas por dois anos e ocorrem também a cada quatro anos. Antes de 1998, os prefeitos brasileiros não podiam concorrer à reeleição, mas depois de 1998, os prefeitos foram autorizados a concorrer a um segundo mandato.

Detalhes da Intervenção

Brollo e Troiano (2016) utilizam um conjunto de microdados de 5.567 municípios brasileiros para analisar se o gênero do governante afeta os resultados das políticas e se homens e mulheres respondem de formas diferentes aos incentivos eleitorais locais. Para tanto, os autores analisaram dois mandatos da administração municipal em municípios com menos de 200.000 eleitores: 2001-2004 e 2005-2008. Assim, foram considerados somente as disputas com dois candidatos de gêneros opostos, totalizando uma amostra de 723 eleições, o que representa 7% das disputas em cada mandato.  Os dados eleitorais são do Tribunal Superior Eleitoral.

O estudo centra-se nas transferências discricionárias destinadas a projetos de infraestruturas, que representam cerca de 15% do total das despesas municipais em infraestruturas. Essas transferências estão relacionadas a itens orçamentários que envolvem a construção de edifícios e pontes, a pavimentação de estradas, a melhoria dos sistemas de água e esgoto, a compra de ambulâncias etc.  Os dados sobre transferências de infraestrutura autorrelatados pela administração municipal foram obtidos no portal do Tesouro Nacional - banco de dados do FINBRA.

Para a análise dos resultados de saúde, foram utilizados os dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Esse conjunto de dados contém informações mensais sobre o número de consultas médicas pré-natais e o período de gravidez (semanas). A variável empregada na análise é a proporção de mulheres grávidas sem consultas médicas pré-natais e partos não considerados prematuros (pelo menos 37 semanas).

Os dados sobre corrupção são de auditorias aleatórias de governos municipais. As principais categorias de irregularidades descritas nos relatórios de auditoria são: práticas ilegais nas licitações; fraude; faturamento excessivo; e desvio de fundos. A definição de corrupção é uma variável dummy que indica se pelo menos um episódio de qualquer um dos tipos de irregularidades foi detectado pelos auditores.

Detalhes da Metodologia

Para analisar o efeito de gênero dos governantes municipais sobre os resultados das políticas brasileiras, Brollo e Troiano (2016) utilizaram um grande conjunto de dados em um design de Regressão Descontínua de disputas eleitorais acirradas.

Os autores focaram nos resultados políticos que dependeram do esforço do governo local e para os quais existem dados administrativos a nível municipal. Em primeiro lugar, examinaram as transferências discricionárias de infraestrutura do governo federal, porque o esforço do prefeito é um importante determinante do montante das transferências que os municípios recebem da União. Segundo, analisaram os resultados de saúde, com foco em particular nos serviços de saúde relacionados ao atendimento pré-natal. O sistema público de saúde no Brasil é descentralizado, os gastos são financiados principalmente pelo governo federal, mas os municípios são responsáveis por todas as decisões relativas à alocação de recursos. Assim, as políticas municipais é um importante determinante dos resultados de saúde. Terceiro, analisaram as diferenças de gênero na corrupção, usando dados de auditorias aleatórias de governos municipais que permitiram construir uma medida administrativa de corrupção. Em quarto lugar, analisaram as mudanças de funcionários temporários do setor público, uma vez que as contratações temporárias são um instrumento de clientelismo político (troca de bens e serviços por apoio político) amplamente utilizado no Brasil. Por fim, analisaram se a decisão de concorrer à reeleição e a probabilidade de reeleição diferem entre prefeitas e prefeitos eleitos após disputas acirradas de ambos os gêneros.

Para analisar se os incentivos às eleições locais motivam de forma diferente os candidatos, a pesquisa foi concentrada em dois efeitos de tratamento heterogêneos que podem capturar os incentivos fornecidos aos políticos pelas eleições municipais. Primeiro, buscou estudar os limites do mandato, já que a capacidade de concorrer à reeleição pode afetar as políticas implementadas pelos políticos locais. Os prefeitos no Brasil só podem concorrer por um mandato consecutivo uma vez, portanto, os autores compararam as diferenças de gênero entre os prefeitos em seu primeiro e segundo mandato. Em segundo lugar, analisou se os prefeitos comportam de maneira diferente quando as eleições se aproximam. As eleições municipais são realizadas a cada quatro anos, então, os autores buscaram comparar as diferenças comportamentais de ambos os gêneros entre os anos pré-eleitorais (os últimos dois anos do mandato) e os não eleitorais (os dois primeiros anos do mandato).

Resultados

Os resultados mostram que existem diferenças significativas de gênero em termos de resultados de políticas. Em primeiro lugar, descobriu-se que as prefeitas atraem duas vezes mais transferências discricionárias do governo federal do que os prefeitos. Em segundo lugar, os resultados indicam que ter uma prefeita leva a melhores resultados de saúde relacionados ao atendimento pré-natal. Em particular, os municípios com uma prefeita tiveram uma queda de 61% no número de mulheres sem consultas médicas pré-natais e um aumento de 1,3% no número de partos regulares (ou seja, não prematuros). Esses efeitos positivos para a área saúde estão concentrados entre as mães com menor escolaridade, que dependem mais dos serviços públicos de saúde. Terceiro, descobriu-se que as prefeitas possuem menores probabilidades de se envolverem em irregularidades administrativas. A probabilidade de observar um episódio de corrupção é menor (33% a 28%) em municípios com prefeitas do que em municípios com prefeitos.

A análise das diferenças de gênero no emprego público indica que os prefeitos contratam cerca de 50% mais funcionários temporários para trabalhar diretamente na administração municipal do que as prefeitas. No entanto, não foi observado diferenças significativas entre os gêneros ao analisar os funcionários públicos permanentes. Por outro lado, ao analisar as reeleições, não se observou diferenças entre os gêneros na probabilidade de concorrer à reeleição. Os resultados mostram, porém, que as candidatas eleitas após uma eleição contestada têm menor probabilidade (50%) de serem reeleitas em comparação aos seus adversários.

O estudo sugere que os políticos de ambos os gêneros podem responder de forma diferentes aos incentivos eleitorais locais. Em primeiro lugar, constatou-se que no primeiro mandato, quando podem concorrer à reeleição, os prefeitos tendem a contratar mais funcionários temporários para trabalhar diretamente na administração municipal em relação às prefeitas. Essa descoberta sugere que os prefeitos podem estar promovendo maior patrocínio político para serem reeleitos do que as prefeitas. Também foi observado que as diferenças em termos de consultas pré-natais entre municípios com prefeitas e prefeitos surgem somente para políticos em seu segundo mandato, o que é consistente com a ideia de que prefeitos " lame-duck " podem ter um desempenho pior do que suas adversárias. Finalmente, constatou-se que os prefeitos tendem a contratar mais funcionários públicos temporários (em relação às prefeitas) nos dois anos anteriores à eleição, em vez dos dois primeiros anos de seu mandato.

Lições de Política Pública

Brollo e Troiano (2016) contribui com a literatura que trata da participação feminina na política, destacando como os incentivos eleitorais locais podem afetar as decisões políticas e os resultados em um ambiente competitivo. As eleições locais podem aumentar a responsabilidade, ajudando a alinhar as ações dos políticos às preferências dos eleitores, mas também podem gerar incentivos para que os políticos se comportem estrategicamente. Isto é, o efeito das eleições locais no comportamento dos políticos pode divergir entre os gêneros – homens e mulheres respondem de maneiras diferentes aos incentivos eleitorais.

A análise indica que os municípios governados por prefeitas recebem mais transferências discricionárias e têm melhores resultados em saúde. Por outro lado, os prefeitos tendem a contratar mais funcionários públicos temporários antes das eleições municipais e são mais propensos a se envolverem em corrupção.

Tendo em vista que a pesquisa adota um cenário onde há competição eleitoral acirrada entre candidatos de ambos os gêneros, os autores ressaltam que não pode afirmar que os resultados encontrados também se aplicam a um cenário com cotas reservadas para mulheres na política. Então uma direção interessante para pesquisas futuras seria entender se as políticas destinadas a aumentar a participação feminina por meio de cotas que restringem a competição entre ambos os gêneros têm implicações diferentes das políticas destinadas a aumentar o número de mulheres competindo em eleições abertas.

Referências

BROLLO, Fernanda; TROIANO, Ugo. What happens when a woman wins an election? Evidence from close races in Brazil. Journal of Development Economics, v. 122, p. 28-45, 2016.