Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Toward sustainable port-hinterland transportation: A holistic approach to design modal shift policy mixes
Autores: Taolei Guo, Pei Liu, Chao Wang, Jingci Xie, Jianbang Du e Ming K. Lim
Localização da Intervenção: China
Tamanho da Amostra: Simulações entre os anos 2000 e 2035
Setor: Economia do Transporte
Variável de Interesse Principal: Externalidades negativas
Tipo de Intervenção: “Mistura de políticas” no modal de transporte
Metodologia: Simulação de Monte Carlo
Resumo
Com a expansão das cadeias globais de comércio nas últimas décadas, os portos se tornaram exponencialmente relevantes para o desenvolvimento econômico dos países. O recebimento e escoamento das cargas aos portos, contudo, envolve a conexão do transporte marítimo com o transporte hinterlândia. A hinterlândia, região interior logística e economicamente conectada a um porto, pode ser impactada por externalidades negativas, especialmente ambientais e de piora do tráfego rodoviário. Este estudo procurou analisar os impactos de diferentes políticas implementadas na China nas mudanças no modal de transporte portuário e nessas externalidades. Os resultados revelaram que o crescimento econômico da hinterlândia eleva significativamente a comercialização portuária e as externalidades do transporte porto-hinterlândia. Adicionalmente, os resultados também mostraram que a eficácia do conjunto de políticas na redução de externalidades aumenta com o aumento da demanda de frete, mas o efeito integrado das políticas é inferior à soma dos efeitos das políticas individuais.
Apesar dos ganhos econômicos decorrentes da integração comercial global, a logística necessária para dar suporte ao abastecimento de cargas para o transporte marítimo impõe desafios à sustentabilidade. Os portos e as hinterlândias, região interior logística e economicamente conectada a um porto, desempenham um papel central nesse processo, representando os elos de ligação entre o transporte marítimo e o escoamento de produtos para o restante da economia (GUO et al., 2023).
No entanto, dentro de toda a cadeia logística relacionada aos portos, o transporte porto-hinterlândia, que inclui a coleta e distribuição de cargas (TALLEY; NG, 2017), é responsável por uma grande parte das externalidades negativas. Essas externalidades envolvem tanto aspectos ambientais, como a expansão de emissões de gases de efeito estufa (GEE), como de qualidade de vida, congestionamentos, e saúde/segurança, acidentes de trânsito.
Em um sistema de transporte de carga multimodal porto-hinterlândia, a utilização de transportes mais eficientes e a coordenação entre modais rodoviário e ferroviário podem representar soluções importantes para a sustentabilidade. Assim, a promoção de uma mudança modal por meio de políticas direcionadas é importante para que os sistemas de transporte porto-hinterlândia mitiguem externalidades negativas decorrentes dessas operações. Nesse sentido, torna-se relevante avaliar como que diferentes conjuntos de políticas na estrutura dos modais no transporte porto-hinterlândia podem promover a sua eficiência e sustentabilidade.
Apesar de iniciativas implementadas por alguns dos maiores portos globais, ainda há lacunas significativas na exploração de estratégias que considerem o volume de carga, infraestrutura, frotas de veículos, fontes de energia e políticas. O transporte entre portos e hinterlândias se diferencia dos sistemas gerais de frete por sua função estratégica de conectar mercados globais e locais, influenciando diretamente o desenvolvimento econômico regional.
A promoção de um transporte sustentável frequentemente envolve mudanças modais, como a substituição de modos de transporte mais poluentes por alternativas mais eficientes e menos impactantes. Políticas com essa finalidade podem visar a redução da dependência do modal rodoviário, promovendo a expansão de subsídios e de oferta de serviços de ferrovias, como também a aplicação de políticas de internalização de custos externos (IEC). No caso da União Europeia, foram adotadas estratégias de mudança modal como parte de seus esforços de descarbonização do transporte. Tais já demonstraram impacto positivo na sustentabilidade do setor.
Uma abordagem integrada, ou "mistura de políticas" (policy mix"), que combine diferentes instrumentos políticos de forma sinérgica, tem o potencial de provocar impactos globais diferenciados. De acordo com BOUMA et al. (2019), tal abordagem provoca efeitos holísticos decorrentes de ganhos mútuos entre as políticas adotadas de forma integrada e a economia da hinterlândia. Embora o impacto dessas políticas já tenha sido observado separadamente, há uma carência de estudos que analisem os impactos globais dessas combinações no transporte porto-hinterlândia.
Para a análise deste estudo, considerou-se um estudo de caso a partir do Porto de Qingdao, um dos maiores do mundo. Atualmente, o porto enfrenta desafios decorrentes da transição econômica da província de Shandong, na China. Em 2018, a província de Shandong iniciou plano econômico de longo prazo chamado Kinetic Conversion from Old to New Industries (KCONI). O seu objetivo é reduzir indústrias tradicionais baseadas em carvão e metais, substituindo-as por novas indústrias de alto valor agregado.
Assim, foi avaliado os impactos holísticos da economia da hinterlândia do Porto de Qingdao e a “mistura de políticas” de mudança modal sobre a performance de sustentabilidade do seu transporte-hinterlândia. Para tal, foram consideradas dados oficiais da província de Shandong (GUO et al., 2023). O modelo analítico adotado para estudar a sustentabilidade do transporte porto-hinterlândia seguiu um fluxo estruturado em três etapas: definição de cenários econômicos, estabelecimento do modelo integrado e simulação do modelo.
A validação do modelo foi realizada por meio de testes estruturais e comportamentais, comparando suas previsões com dados históricos do Porto de Qingdao. Além disso, o modelo foi aplicado ao Porto de Xangai, que apresenta características distintas em termos de economia da hinterlândia e modais de transporte.
O impacto da economia da hinterlândia e da “mistura de políticas” de mudança modal na sustentabilidade do transporte portuário foi estimado por meio de um modelo econométrico que correlaciona cenários econômicos com a movimentação portuária. O modelo econométrico do estudo estimou a relação entre a movimentação portuária e variáveis econômicas, como importações e exportações, produto industrial bruto e extensão rodoviária.
O sistema de transporte porto-hinterlândia foi representado em um esquema hub-and-spoke, onde portos atuam como hubs conectados às hinterlândias por diferentes modos de transporte. O modelo integrado baseou-se na teoria clássica de quatro etapas do transporte, dividindo o processo de frete em geração de carga, distribuição de viagens, divisão modal e alocação do tráfego. Dentro dessa estrutura, cinco submodelos foram empregados:
Por fim, um modelo dinâmico de simulação de Monte Carlo é utilizado para avaliar diferentes combinações de políticas de mudança modal e sua efetividade na promoção da sustentabilidade do sistema. As simulações consideraram diferentes cenários e políticas de mudança modal, de forma a permitir identificar parâmetros exógenos que afetam os resultados diante da incerteza na evolução econômica da hinterlândia. Os cenários econômicos consideraram perspectivas de crescimento baixa, média e alta, enquanto que as políticas compreenderam: (i) políticas de IEC, (ii) construções de rodovias, (iii) oferta de serviços ferroviários e (iv) subsídio ferroviário.
Os resultados mostraram que a movimentação do Porto de Qingdao varia significativamente entre os diferentes cenários econômicos. No cenário médio, a movimentação portuária cresceu de forma estável, aumentando cerca de 50% até 2035 em comparação com 2020. No cenário baixo, a expansão desacelerou devido à fraca atividade econômica e aos impactos prolongados da pandemia de COVID-19. Já no cenário alto, os autores identificaram que o porto pode atingir um bilhão de toneladas de carga a longo prazo.
Independentemente do cenário, as simulações indicaram que a participação do modal rodoviário permaneceria preponderante, representando mais de 80% do transporte total. Contudo, essa preferência pelo transporte rodoviário, apesar de seus custos operacionais mais altos em comparação ao ferroviário, indica que a baixa qualidade dos serviços ferroviários – especialmente tempos de espera elevados – é um fator determinante para sua participação reduzida no transporte de carga.
Como consequência da predominância do modal, observou-se implicações negativas na forma de externalidades do transporte porto-hinterlândia. Os custos externos, como congestionamento e emissões, não aumentam proporcionalmente à movimentação portuária, pois o crescimento da demanda acentua a ineficiência do transporte rodoviário. No cenário alto, em que o fluxo de cargas cresceu 90% até 2035, os custos de congestionamento mais do que dobraram, indicando que a malha rodoviária pode ser afetada por graves congestionamentos.
Com relação à implementação de políticas de mudança modal, identificou-se eficiência na mitigação de externalidades negativas, reduzindo os custos externos em 35%, 40% e 52% nos cenários baixo, médio e alto, respectivamente. Entre as medidas avaliadas, a precificação baseada em custos externos (IEC) se destacou como uma das mais eficazes, especialmente no cenário alto, aprimorando a competitividade do transporte ferroviário frente ao rodoviário. As simulações também sugeriram que a elevação do nível de serviço ferroviário pode desempenhar um papel importante na redução das externalidades, sendo mais eficiente em relação à concessão de subsídios ao setor ferroviário.
A análise custo-benefício realizada no estudo indicou que a política de IEC apresenta um potencial significativo para viabilizar economicamente a mudança modal. Em contrapartida, os ganhos ambientais associados a subsídios ferroviários, melhoria no nível de serviço do modal ferroviário e expansão da infraestrutura rodoviária seriam inferiores aos custos de implementação dessas medidas. Os autores também destacaram a necessidade de investimento em melhorias tecnológicas para aumentar a eficiência energética do transporte ferroviário.
Este estudo analisou o impacto integrado (holístico) da economia da hinterlândia e da implementação de políticas de mudança modal sobre as externalidades negativas do transporte entre a hinterlândia e o porto de Qingdao, localizado na China. Com esse intuito, os autores apresentaram diversos modelos de forma a compreender as dinâmicas do ambiente econômicos do transporte porto-hinterlândia e realizaram simulações de Monte Carlo considerando diferentes cenários econômicos e tipos de políticas.
Embora essa abordagem já tenha sido implementada em algumas regiões da Europa, sua adoção na China ainda é incerta. Os resultados mostram que a redução das externalidades do transporte rodoviário é acompanhada por um aumento das externalidades ferroviárias, reforçando a necessidade de investimentos em eficiência energética no modal ferroviário para maximizar os benefícios da transição modal e garantir um sistema de transporte porto-hinterlândia mais sustentável.
A formulação de políticas voltadas à mudança modal deve considerar não apenas sua eficácia na redução de externalidades, mas também sua viabilidade de implementação, tornando-se uma alternativa promissora para a redução de externalidades. As evidências deste estudo indicam que a interação entre os instrumentos de política deve ser considerada para otimizar sua eficácia.
Referências
BOUMA, J. A. et al. Policy mix: mess or merit? Journal of Environmental Economics and Policy, v. 8, n. 1, p. 32–47, 2 jan. 2019.
GUO, T. et al. Toward sustainable port-hinterland transportation: A holistic approach to design modal shift policy mixes. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 174, p. 103746, ago. 2023.
TALLEY, W. K.; NG, M. Hinterland transport chains: Determinant effects on chain choice. International Journal of Production Economics, v. 185, p. 175–179, mar. 2017.