Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Autores: Amy Finkelstein, Nathaniel Hendren e Erzo F. P. Luttmer
Título original: The Value of Medicaid: Interpreting Results from the Oregon Health Insurance Experiment
Localização da Intervenção: Estados Unidos
Tamanho da Amostra: 75000 adultos
Setor: Saúde
Variável de Interesse Principal: Cobertura de saúde
Tipo de Intervenção: Elegibilidade à cobertura de seguro de saúde
Metodologia: OLS
Resumo
A análise do bem-estar em relação a programas de saúde é um tema crucial no âmbito das políticas de saúde. Assim, observar a disposição dos beneficiários a pagar pelos serviços adquiridos é fundamental para a avaliação de programas de saúde. Neste contexto, este estudo abordou a relevância da expansão dessas políticas ao examinar um experimento realizado no estado de Oregon para a expansão do programa Medicaid, destinado a adultos de baixa renda e sem seguro. Através de diversos modelos formulados pelos autores, identificou-se estimativas estáveis nas transferências esperadas pelo Medicaid aos beneficiários através de diversas abordagens, enquanto que as estimativas do valor adicional para proteção contra riscos apresentaram maior variabilidade. Além disso, a pesquisa revelou que a maior parte dos gastos do programa não está diretamente relacionada aos custos operacionais, mas sim à transferência de recursos.
Diversos estudos na literatura procuraram avaliar a forma reduzida dos impactos do Medicaid em diversos aspectos relevantes para o bem-estar, incluindo o uso de cuidados de saúde, a saúde em si e a exposição a riscos. No entanto, houve poucas tentativas que procuraram estimar o efeito sobre o bem-estar de maneira direta, desconsiderando um valor relevante associado ao programa. Desta forma, a avaliação do quanto os beneficiários estariam dispostos a pagar pelos serviços e a mensuração de possíveis transferências monetárias para os beneficiários acabam sendo negligenciadas.
Diante de um mercado não funcional, a análise empírica do bem-estar decorrente do seguro de saúde público para adultos de baixa renda pode tornar-se desafiadora uma vez que não observamos os preços dos contratos. Tal limitação impede a análise de bem-estar com base em estimativas da disposição prévia a pagar, derivadas das escolhas contratuais, como é comum em mercados privados de seguros de saúde, requerendo o uso de outras estratégias empíricas.
O Medicaid é o maior programa de seguro de saúde para população em vulnerabilidade socioeconômica nos Estados Unidos, atuando em parceria com todos os estados do país. Em termos de gastos públicos, os recursos destinados ao programa ultrapassaram US$ 550 bilhões em 2015. De acordo com o TANF (Temporary Assistance for Needy Families, 2016), o Medicaid possui um orçamento expressivamente maior do que diversos outros programas nos Estados Unidos, como o programa de cupons de alimentos – SNAP (US$ 70 bilhões), o Crédito Tributário para Trabalhadores de Baixa Renda – EITC (US$ 70 bilhões), a Renda Suplementar de Segurança – SSI (US$ 60 bilhões) e a assistência financeira em dinheiro (US$ 30 bilhões).
Especificamente em relação ao Oregon, a expansão do Medicaid no estado compreendeu adultos de baixa renda sem seguro, ou seja, todos os indivíduos abaixo de 100% da linha federal de pobreza com idade entre 19 e 64 anos que ainda não eram categoricamente elegíveis para o programa. A expansão ofereceu benefícios médicos abrangentes sem compartilhamento de custos para o beneficiário e com mensalidades nulas ou baixas.
O Experimento de Seguro de Saúde do Oregon foi conduzido no início de 2008, seguido da expansão do Medicaid no estado. Essa expansão contou com a abertura de uma lista de espera, sendo selecionadas aleatoriamente 30.000 das 75.000 pessoas na lista de espera que solicitaram adesão ao programa, permitindo a identificação de um grupo de tratados e controles, ambos aderentes (compliers) ao programa. Ambos os grupos apresentaram balanceamento entre as suas características. Os beneficiários sorteados passaram a ter acesso a cobertura dos serviços de saúde fornecidos pelo Medicaid com o pagamento de prêmios ou custos compartilhados com preços nulos ou insignificantes.
Esse experimento forneceu estimativas provenientes de uma avaliação aleatorizada sobre os efeitos da cobertura do Medicaid em adultos de baixa renda e sem seguro no estado, fornecendo uma variedade de informações potencialmente relevantes para a mensuração do bem-estar (Finkelstein, Hendren e Luttmer, 2019).
A ausência de uma pesquisa de consumo no contexto do Oregon foi abordada usando proxies, como a diferença entre o consumo médio para uma população de baixa renda sem seguro e os gastos médicos próprios relatados pelos participantes do estudo, com consideração de um patamar mínimo de consumo. Análises adicionais consideraram dados de consumo de uma amostra de baixa renda oriundos da Pesquisa de Despesas do Consumidor.
Nos dois primeiros anos, os resultados principais revelaram que o Medicaid aumentou a utilização geral de serviços de saúde, incluindo atendimentos ambulatoriais, cuidados preventivos, medicamentos prescritos, internações hospitalares e visitas à sala de emergência. Além disso, observou-se que o programacontribuiu para a melhoria da saúde auto relatada e para a redução da depressão. No entanto, não houve impacto estatisticamente significativo na mortalidade ou em medidas de saúde física. Adicionalmente, o Medicaid reduziu o risco de despesas médicas significativas para os beneficiários, mas não apresentou impacto economicamente ou estatisticamente significativo no emprego, nos ganhos ou na cobertura de seguro de saúde privado.
O estudo empregou duas abordagens analíticas principais para estimar a disposição do beneficiário em pagar pelo Medicaid. Ambas as abordagens foram aplicadas à cobertura do Medicaid no Experimento de Seguro de Saúde do Oregon, utilizando dados diretos de participantes do estudo para medir gastos médicos próprios, utilização de cuidados de saúde e saúde geral. A seleção aleatória da loteria do estudo proporcionou a possibilidade da estimação de efeitos causais do Medicaid sobre diversas medidas de saúde. Para tal, estabeleceu-se inicialmente um modelo de função de utilidade individual de forma que fosse crescente (afetado positivamente) conforme o (i) consumo de bens e serviços não médicos e (ii) a saúde, onde a saúde é afetada pelo consumo de cuidados de saúde.
A primeira abordagem, denominada informação completa, exigiu uma especificação detalhada de uma função de utilidade normativa e estimativas dos efeitos causais do Medicaid na distribuição de todos os elementos dessa função, necessitando observar todos os argumentos de tal função com e sem seguro. Essa abordagem não exigiu a modelagem precisa do conjunto de orçamento criado pelo programa, permitindo a incorporação de fricções, como vieses comportamentais ou fricções de informação. No entanto, a alta demanda por informações tornou necessária uma especificação abrangente dos impactos do Medicaid em todos os elementos da função de utilidade para uma mensuração precisa.
A segunda abordagem, chamada de otimização, reduz os requerimentos de implementação considerados na abordagem de informação completa ao assumir dois novos pressupostos: o Medicaid afeta os indivíduos exclusivamente através do seu impacto em sua restrição orçamentária, parametrizando esse fator, e assumindo que os indivíduos tinham a capacidade e a informação para tomar decisões de forma a otimizar o seu comportamento. Ao especificar a função de utilidade marginal em relação a um único argumento, foi possível avaliar os impactos marginais do programa em outros argumentos potenciais da função de utilidade. Para inferências sobre mudanças não marginais no conjunto de orçamento, como cobrir um indivíduo sem seguro com o Medicaid, uma suposição estatística adicional foi utilizada para interpolar entre estimativas locais do impacto marginal da generosidade do programa.
Como parâmetros para esses modelos, foram estimados os parâmetros referentes aos gastos hospitalares de custos médicos (prescrição de fármacos e serviços hospitalares), despesas médicas próprias e preço das despesas médicas próprias. A medida de saúde principal foi uma conversão da saúde autoavaliada em anos de vida ajustados pela qualidade (QALYs), baseada em estimativas existentes de QALYs associados a diferentes níveis de saúde autoavaliada.
Assim, foram realizadas as identificações de dois termos: (i) um termo de transferência de recursos percebida pelo beneficiário recebida por ele mesmo e (ii) um termo de “seguro puro” medindo o benefício de uma realocação de recursos neutra em relação à restrição orçamentária considerando diferentes estados do parâmetro de saúde. Todas as estimativas do impacto do Medicaid foram efeitos de tratamento médio local (LATE) para os aderentes ao programa que foram selecionados pelo sorteio.
Os resultados das estimativas da função de utilidade revelaram que o custo bruto do Medicaid no Oregon para os beneficiários foi de U$ 3.600 por ano. Em termos práticos, o efeito do programa no custo líquido foi de U$ 1.448, resultante da soma do aumento médio nos gastos médicos (U$ 879) com a redução das despesas médicas próprias (U$ 569). Esses montantes revelaram que o preço das despesas próprias foi de 0,21, e que aproximadamente 60% dos gastos governamentais do Medicaid representam uma transferência para terceiros. Utilizando a abordagem de otimização através da aproximação linear, foi estimado um termo de transferência de U$ 661, variando entre os limites inferior de U$ 569 e superior de U$ 752 quando não considerada a aproximação linear.
Analisando os resultados da abordagem de informação completa, os autores estimaram que os beneficiários do Medicaid seriam indiferentes entre os benefícios do programa e o consumo de U$ 1.675 em outros bens e serviços, estabelecendo a sua disposição a pagar pelos benefícios. Adicionalmente, ao decompor essa quantia entre o valor operado em consumo o valor associado a ganhos de saúde, identificou-se que apenas 80% decorre do impacto no consumo (U$ 1.381 em relação à U$ 294 associado à saúde). Dependendo do valor do componente associado à saúde na valoração do Medicaid, o componente de transferência representa entre um terço (U$ 569) e metade (U$ 863) do seu valor sob a abordagem de informação completa.
Os valores dessas estimativas pouco variaram quando consideradas diferentes medidas de consumo. As estimativas da sensibilidade dos resultados considerando diferentes medidas dos parâmetros revelou que a disposição dos beneficiários em pagar pelos serviços de saúde variaram entre $0,5 e $1,2 por dólar do custo líquido desses serviços.
A análise do bem-estar de bens não negociados é fundamental para a mensuração da efetividade de uma política pública. Tal análise envolve dificuldades de aplicação, fazendo com que os benefícios do Medicaid para seus beneficiários frequentemente fossem ignorados na literatura acadêmica. Neste artigo, propôs-se avaliar através de modelos parametrizados como a expansão do Medicaid no estado do Oregon para adultos de baixa renda e sem seguro.
O estudo revelou que o Medicaid é melhor compreendido como tendo duas partes distintas: um produto subsidiado de seguro saúde para indivíduos de baixa renda e uma transferência para partes externas que, de outra forma, subsidiaria os cuidados médicos para os não segurados de baixa renda. Foi identificado que 40 centavos de cada dólar de gastos governamentais com o Medicaid representavam a cobertura dos custos que esses beneficiários incorreriam caso não estivessem segurados, e que o restante (60 centavos) representa uma transferência para essas partes externas. Essas evidências destacam a importância de trabalhos futuros que estudem a incidência econômica imediata e final dessas transferências.
Referências
FINKELSTEIN, A.; HENDREN, N.; LUTTMER, E. F. P. The Value of Medicaid: Interpreting Results from the Oregon Health Insurance Experiment. Journal of Political Economy, v. 127, n. 6, p. 2836–2874, 2019.
U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES. FY 2015 Federal TANF & state MOE financial data, 2016