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ECONOMIA E GESTÃO.

Quem decide quem tem que estudar?

24 ago 2021

Pesquisador responsável: Angelo Cruz do Nascimento Varella

Título do artigo: THE SCHOOLING DECISION: FAMILY PREFERENCES, INTERGENERATIONAL CONFLICT, AND MORAL HAZARD IN THE BRAZILIAN FAVELAS

Autores do artigo: Leonardo Bursztyn e Lucas C. Coffman

Localização da intervenção: Distrito Federal, Brasil

Tamanho da amostra: 210 famílias

Setor: Educação

Tipo de Intervenção: Experimento sobre transferências financeiras

Variável de Interesse principal: Decisões familiares sobre a educação de jovens

Método de avaliação: Avaliação Experimental (RCT)

Problema de Política

A educação brasileira, assim como ocorre em diversos países em desenvolvimento, é um grande desafio. Apesar de ser obrigatória para crianças e jovens a partir de seis anos de idade, a educação no Brasil não é devidamente implementada. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao considerar os 25% mais pobres da população, cerca de 9% dos jovens de 14 anos não frequentavam a escola. Essa realidade era ainda pior para jovens com 15 anos de idade, sendo que mais de 15% não estudava e mais de 22% já trabalhavam.

Apesar desses percentuais terem sido reduzidos ao longo das últimas décadas, o abandono escolar ainda é um problema considerável no país. Uma possível explicação pauta-se no fato de que jovens e adultos discordam sobre a importância dos estudos, de modo que os indivíduos responsáveis pela família tendem a valorizar a educação mais do que seus dependentes. Nesses casos, estudantes podem faltar às aulas sem o conhecimento de sua família, aumentando o problema da frequência escolar sem que seus parentes identifiquem o problema ou possam tomar as devidas providências. A falta de mecanismos de fiscalização e comunicação entre as instituições de ensino e as famílias responsáveis caracteriza um agravante dessa situação.

Contexto de Avaliação

Em 2008, apesar da educação compulsória no Brasil, 10% da população a partir de 15 anos de idade ainda era analfabeta, com uma média per capita de 7,1 anos estudados, o que representa o ensino fundamental incompleto, em termos de níveis de escolaridade. Uma das formas mais efetivas de se combater esse problema e incentivar a frequência escolar ocorre, no Brasil, por meio de programas condicionais de transferência de renda, que auxiliam lares de baixa renda sob a condição de atendimento a demandas pré-estabelecidas voltadas à educação pública.

Um desses programas, o Bolsa-Escola, foi criado em 1995 para o Distrito Federal e implementado nacionalmente em 1998. Posteriormente, em 2003, a iniciativa federal foi unificada a outras políticas públicas no Programa Bolsa Família. Tais programas de auxílio condicionado são socialmente relevantes uma vez que possibilitam ao governo estimular a educação e, simultaneamente, combater a pobreza e a desigualdade social. De fato, no Brasil, a implementação de tais ações nacionais auxiliou significativamente na redução dos indicadores de pobreza e de analfabetismo, aumentando a frequência escolar.

Detalhes da Política

A presente pesquisa avaliou o Bolsa-Escola, que em 2009 ainda era administrado separadamente pelo governo do Distrito Federal. Para ser elegível ao auxílio, a renda per capita mensal da família tinha que ser de até meio salário-mínimo, pouco mais de 230 reais, e todas as crianças entre 6 e 15 anos de idade, pertencentes ao núcleo familiar, tinham que atender a, no mínimo, 85% dos dias letivos, sob a pena de suspensão do auxílio financeiro. Caso os critérios fossem atendidos, o responsável pelos alunos recebia 120 reais por mês para o primeiro filho e 30 reais mensais para cada criança adicional, ainda em idade escolar. O limite do apoio era de 180 reais por mês para cada família participante.

A partir da existência desse programa de transferência condicionada de renda, foi criado um experimento com a intenção de analisar a existência de conflitos entre diferentes gerações em famílias de baixa renda, relacionados à educação dos mais jovens. Para tanto, entre junho e julho de 2009, os pesquisadores avaliaram 210 famílias do Distrito Federal, que eram beneficiadas pelo Bolsa-Escola e que tinham apenas um jovem apto ao benefício, com idade entre 13 a 15 anos, uma vez que indivíduos nessa faixa etária eram mais propensos ao abandono escolar.

Detalhes da Metodologia

A avaliação ocorreu por meio de um sistema de entrevistas, no qual as famílias foram previamente divididas em quatro grupos. A cada conjunto, foram apresentados cenários distintos com opções alternativas a programas de transferência de renda, englobando diferentes valores e condições de recebimentos. Os detalhes são descritos a seguir:

  • Grupo 1 (Controle) – o responsável escolhia se preferia receber o auxílio com a condição de seu dependente ter que atender a 85% dos dias letivos, ou se preferia receber a verba incondicionalmente. As perguntas eram repetidas com um aumento dos valores de 5 em 5 reais, de modo que primeiro aumentava-se o valor condicional e depois o valor incondicional. O objetivo é averiguar o valor que os pais dão à condição de educação dos filhos. Os jovens eram informados sobre a escolha dos pais;

Exemplo: Você prefere 120 reais condicionais ou 120 reais incondicionais? E 125 reais condicionais a 120 reais incondicionais? E 130 a 120? E assim por diante, até 180, para cada um dos valores.

  • Grupo 2 – o responsável recebia as mesmas opções do grupo 1, sem que o jovem pudesse saber de sua escolha. O objetivo é mensurar o conflito entre as gerações;
  • Grupo 3 – o responsável também tinha as mesmas opções do grupo 1, com a opção de receber mensagens gratuitas de texto sobre a frequência escolar de seu dependente. O objetivo é mensurar a opção de controle de informações para os responsáveis;
  • Grupo 4 - o responsável recebia as mesmas opções do grupo 1, com a diferença de que a condição de recebimento seria vinculada à presença do jovem na escola, sem a necessidade de assistir às aulas. O objetivo é observar o valor da educação frente à opção de tirar o jovem das ruas.

Para fomentar a participação, os familiares responsáveis receberam quantias entres 7 e 10 reais e foram informados que 5% dos participantes seriam aleatoriamente selecionados para ter suas decisões implementadas.

Resultados

No grupo 1, de controle, 88% dos responsáveis escolheram o programa com a condição educacional e 82% preferiram adotar o sistema condicional, mesmo quando o valor incondicional era maior. Nesse grupo, os responsáveis não se importavam em deixar de receber até 37 reais mensais a mais, sem condições de recebimento, para manter a frequência escolar de seus dependentes, o que mostra uma preferência pela educação de seus jovens.

No grupo 2, quando os jovens não sabiam das condições, apenas 44% dos responsáveis preferiram as transferências condicionadas, e somente 25% preferiram adotar as condições quando a transferência incondicional era maior, o que demonstra que os responsáveis valorizam mais a capacidade de monitorar seus dependentes e acreditam que os jovens não valorizam a educação da mesma forma que eles.

Um fenômeno similar ocorreu no grupo 3, no qual apenas 35% dos parentes preferiram receber transferências condicionadas e somente 29% escolheram as condições quando as transferências incondicionais eram mais valiosas, uma vez que o sistema de mensagens de texto provê poder de controle aos responsáveis.

No grupo 4, os resultados demonstram que os responsáveis atribuem valores à presença na escola para além da educação, como tirar os jovens das ruas, por exemplo. Nesse grupo, os parentes preferiram as transferências condicionadas em 74% dos casos. Mesmo quando as transferências incondicionais eram maiores, 68% dos responsáveis ainda preferiram as condições de presença escolar.

Lições de Política Pública

Os resultados do experimento, para os quatro grupos, indicam que responsáveis e jovens tendem a discordar da importância da educação, sendo que os mais velhos estão dispostos a abrir mão de rendimentos para ter a capacidade de monitorar o comportamento dos mais jovens, no que se refere à educação. O estudo sugere que formas de informar os responsáveis sobre a frequência escolar de seus jovens é uma ferramenta útil para os núcleos familiares conseguirem atuar no sentido de manter o estudante nas escolas. Dessa forma, ao prover ferramentas de controle e informação sobre a educação dos jovens às famílias, políticas públicas podem diminuir o problema de abandono escolar, auxiliando os responsáveis a assegurar a educação de crianças e adolescentes no país.

Referência

BURSZTYN, Leonardo; COFFMAN, Lucas C. The schooling decision: Family preferences, intergenerational conflict, and moral hazard in the Brazilian favelas. Journal of Political Economy, v. 120, n. 3, p. 359-397, 2012.