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ECONOMIA E GESTÃO.

Conceitos de vulnerabilidade são capazes de influenciar práticas sociais?

27 ago 2021

Pesquisadora responsável: Viviane Pires Ribeiro

Título do artigo: O CONCEITO DE VULNERABILIDADE E SEUS SENTIDOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL

Autores do artigo: Michelly Eustáquia do Carmo e Francini Lube Guizardi

Localização da intervenção: Brasil

Tamanho da amostra: 46 estudos mapeados

Setor: Saúde

Tipo de Intervenção: Reflexão crítica sobre vulnerabilidade, seguridade social e cidadania

Variável de Interesse principal: Vulnerabilidade

Método de avaliação: Outros

Contexto da Avaliação

O início da regulamentação da política pública de assistência social brasileira ocorreu em um cenário de conflitos e contradições, na sequência das normativas da política pública de saúde. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) instituída em 2004, explicitou em seu texto que a vulnerabilidade social – expressa por diferentes situações que podem acometer os sujeitos em seus contextos de vida – é o campo de atuação de suas ações.

A vulnerabilidade não é estritamente condicionada à ausência ou precariedade no acesso à renda, mas também às fragilidades de vínculos afetivo-relacionais e desigualdade de acesso a bens e serviços públicos. Conceitos sobre vulnerabilidade surgem na área da saúde reordenando as práticas de prevenção e promoção para um enfoque mais contextualizado e atento ao aspecto social. Da mesma forma, na assistência, o conceito de vulnerabilidade é adjetivado pelo termo social, que indica a evolução do entendimento acerca das privações e desigualdades ocasionadas pela pobreza.

Detalhes da Intervenção

O estudo de reflexão crítica, com abordagem compreensiva-interpretativa, realizado por Carmo e Guizardi (2018) buscou compreender e interpretar, pelo método de revisão da literatura, as concepções de vulnerabilidade nas políticas não contributivas que compõem a seguridade social, produzidas nas duas últimas décadas no Brasil. O objetivo foi problematizar as implicações da concepção de vulnerabilidade nas práticas públicas que visam à produção de cidadania, para compreender os tensionamentos e polarizações que pressionam a materialidade do modelo de Estado proposto pela Constituição Federal de 1988 e os rebatimentos destas concepções na população usuária dos serviços de saúde e assistência social.

Para atingir a proposta de discutir sobre as concepções de vulnerabilidade que figuram nas políticas públicas de saúde e assistência social, os autores optaram por realizar consulta na biblioteca virtual de periódicos eletrônicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Portal de Periódicos Capes), devido ao seu amplo acervo de documentos completos e gratuitos, que inclui importantes bases de busca para a saúde coletiva e assistência social.

Detalhes da Metodologia

Carmo e Guizardi (2018) utilizaram os estudos que estavam integralmente disponíveis para o acesso público e sua seleção aconteceu entre agosto e novembro de 2016. Assim, o mapeamento de estudos foi desenvolvido em duas fases. A primeira fase foi uma busca avançada no Portal de Periódicos Capes mediante o uso de termos situados em qualquer parte de todos os tipos de materiais produzidos em qualquer idioma. Com os descritores Vulnerabilidade AND Cidadania, utilizados sem aspas, os autores admitiram a pesquisa para estudos produzidos em qualquer ano, o que resultou em 44 trabalhos, entre artigos, recursos textuais e teses.

Na segunda fase, foi realizada uma busca avançada com o uso dos descritores Vulnerabilidade AND “Seguridade Social”, em todos os tipos de materiais produzidos em qualquer data, resultando em um artigo e um recurso textual. O recurso textual foi excluído por não conter a obra integralmente disponível para leitura. Do total de 45 trabalhos, 24 foram excluídos após a leitura dos títulos e resumos, por não tratarem do tema pesquisado. Não foram detectados estudos duplicados em nenhuma das fases de busca. Com a leitura integral dos 21 trabalhos, cinco foram excluídos por não apresentarem contribuição teórica para discutir conceitos de vulnerabilidade.

Para organizar os materiais encontrados, os autores delinearam duas categorias operacionais com a leitura flutuante dos estudos. A organização dos estudos levou em conta os aspectos expressos nas categorias operacionais: (1) contexto dos estudos (local e data de produção, área de conhecimento, temática abordada); (2) referências bibliográficas em comum. Após a realização da leitura pormenorizada dos trabalhos, foram definidas as seguintes categorias de análise para proceder à investigação: (1) concepções de vulnerabilidade em saúde e assistência social; (2) influências das concepções de vulnerabilidade nas práticas sociais.

Resultados

Os resultados encontrados por Carmo e Guizardi (2018) mostram que não há vasta produção que contemple a temática específica da pesquisa. Dos 46 estudos mapeados, somente 16 tratam do conceito de vulnerabilidade ou da sua implicação no desenho de políticas públicas para a garantia de direitos à cidadania.

Das obras selecionadas pelos autores, 12 foram produzidas no Brasil, uma na Espanha e três em Portugal, sendo que uma destas últimas pesquisou em uma cidade brasileira. O município foi lócus de pesquisa de 11 dos trabalhos selecionados; três estudos apresentaram enfoque nacional e dois abordaram o contexto internacional. O mecanismo de busca automaticamente levou a estudos cuja produção, recente, esteve concentrada entre os anos de 2000 e 2014.

De acordo com Carmo e Guizardi (2018), a compreensão e o uso do vocábulo vulnerabilidade evoluíram com a nova forma de lidar com a epidemia da AIDS, nos anos 1980. Passou-se a admitir que a suscetibilidade de contágio se devia mais a um conjunto de fatores econômicos, sociais e culturais do que ao comportamento individual. Considerar fatores que transcendem o biológico, quando se fala de sujeitos em vulnerabilidade, foi a tônica observada nos estudos levantados na área da saúde. Seja em relação ao meio ambiente, a adolescentes ou à população em situação de rua, pode-se considerar que a produção de cidadania e formas saudáveis de viver estão atreladas à justa distribuição de poder e conhecimento, haja vista a premência do olhar para os sujeitos em sua integralidade.

Nos estudos da área da assistência social, ficou evidente que a pobreza não explica a vulnerabilidade, mas é o fenômeno que ocasionou o seu apuramento conceitual, mesmo que tal tarefa não tenha resultado em concepções mais nítidas. Valendo-se da impossibilidade de restringir a gênese de processos excludentes e subalternizantes à questão da ausência ou insuficiência de renda, a vulnerabilidade vem se delineando como categoria que equaciona mais amplamente a problemática, admitindo condutas intersetoriais entre as políticas públicas. Contudo, a incorporação das vulnerabilidades no escopo da atuação da política pública de assistência social, no sentido de superá-las, é um processo que revela contradições, pois, partindo de um direcionamento colocado pela cartilha dos organismos internacionais, pode dirimir ou mesmo intensificar a vulnerabilização dos sujeitos. Sendo assim, é justificável todo o esforço de compreensão da influência que o conceito de vulnerabilidade exerce na formulação das políticas, nas práticas profissionais, na sociedade e na representação que os usuários têm de si mesmos.

Lições de Política Pública

Carmo e Guizardi (2018) ressaltam que o termo vulnerabilidade foi inserido no léxico das políticas públicas brasileiras de seguridade social não contributiva orientando a abrangência de suas ofertas. Todavia, conforme os resultados encontrados pelos autores, a imprecisão conceitual do termo ainda permanece, demandando trabalhos mais aprofundados. Ainda que exista uma considerável produção científica sobre vulnerabilidade ao longo das duas últimas décadas, pouco se estudou sobre a vinculação dos diferentes conceitos que a palavra vulnerabilidade pode admitir e sua relação com a produção de cidadania no âmbito das políticas públicas de saúde e assistência social.

Nesse sentido, a reflexão crítica com base na revisão da literatura sobre vulnerabilidade, seguridade social e cidadania nas áreas da saúde e da assistência social revelou pontos de convergência bastante sinérgicos no que diz respeito à ideia de um conceito que representa as múltiplas determinações que incidem sobre os contextos de cidadãos que vivenciam frágil ou nulo acesso a direitos.

No entanto, ainda que o termo vulnerabilidade carregue imprecisões frutificadas pelo processo de construção conceitual em que se encontra, há avanços na discussão da realidade dinâmica e multideterminada. A acepção da vulnerabilidade como parâmetro de reflexão e atuação implica o reconhecimento da concomitância de fatores éticos, políticos e técnicos contornando a incidência de riscos nos territórios e a capacidade humana para o seu enfrentamento.

Referência

CARMO, Michelly Eustáquia do; GUIZARDI, Francini Lube. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cadernos de Saúde Pública, v. 34, p. e00101417, 2018.