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ECONOMIA E GESTÃO.

Quais são os reflexos da Lei de Responsabilidade Fiscal no desempenho financeiro e orçamentário dos municípios?

09 mar 2021

Pesquisador responsável: Silvio da Rosa Paula

Título do artigo:  O IMPACTO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL NO DESEMPENHO FINANCEIRO E NA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DOS MUNICÍPIOS NO RIO GRANDE DO SUL DE 1997 A 2004

Autores do artigo: Sandra Regina Toledo dos Santos e Tiago Wickstrom Alves

Localização da intervenção:  Rio Grande do Sul, Brasil

Tamanho da amostra: 419 municípios do estado do Rio Grande do Sul

Setor:  Finanças

Tipo de Intervenção: Avaliação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)

Variável de interesse principal: Indicadores de desempenho financeiro e orçamentário

Método de avaliação:  Avaliação Experimental (RCT)

Contexto da Avaliação

Após o fim do regime de alta inflação com a consolidação do Plano Real, afloraram novos desafios, dentre eles o controle das contas públicas que vinha sendo ajudado por muito tempo pelos efeitos assimétricos da alta inflação sobre as finanças públicas. Do lado da receita, o valor real da arrecadação era razoavelmente preservado graças aos mecanismos de indexação que haviam sido introduzidos na legislação tributária. Já do lado do dispêndio, o governo tirava proveito da inflação para manter as contas sob controle, tendo em vista que entre a aprovação do orçamento e o efetivo desembolso dos recursos, o valor real do gasto já tinha sido substancialmente erodido pela inflação (ABREU et al., 2014).

Neste contexto, já era esperado que o fim da alta inflação trouxesse uma expansão do valor real do dispêndio público. Sendo assim, diante dos resultados financeiros negativos da União, estados e municípios, mensurados através dos balanços, tornou-se visível que a tônica da gestão pública deveria ser a busca pela eficiência gerencial e a utilização dos recursos de forma mais adequada. Diante desta realidade, no ano 2000, o congresso aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que permitiria impor restrições orçamentárias rígidas aos três níveis de governo.

A Lei Complementar nº 101, de 04/05/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), é um instrumento gerencial voltado para a administração pública, que estabelece em regime nacional, parâmetros a serem seguidos relativos ao gasto público de cada ente federativo brasileiro (união, estados e municípios). Em outras palavras, a LRF tem como objetivo garantir a saúde financeira dos entes federativos, estabelecendo que cada aumento de gasto público precisa vir de uma fonte de financiamento correlata, e os gestores precisam respeitar as questões relativas ao fim de cada mandato, não excedendo o limite permitido e entregando contas saudáveis para seus sucessores (TESOURO NACIONAL, 2020).

Detalhes da Metodologia

A estratégia utilizada pelos pesquisadores foi a de dados em painel com a utilização de uma variável binária, que assume o valor de 0 para o período pré-implantação da LRF e assume o valor de 1 para o período pós-implantação da LRF, que entrou em vigência em maio de 2000. A utilização de dados em painel permite acompanhar os municípios ao longo do tempo, de forma a capturar melhor seu comportamento no decorrer dos anos. Em termos gerais, com a utilização deste método, os pesquisadores buscam identificar os efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre o desempenho financeiro e na execução orçamentária dos municípios.

Detalhes da Intervenção

A análise tem como foco os municípios do estado do Rio Grande do Sul, para o período de 1997 a 2004. Dos 496 municípios do estado existentes em 2006, foram utilizados 419, excluindo 77 municípios que sofreram alguma alteração territorial no período analisado. Os dados foram obtidos dos relatórios anuais dos balanços orçamentários e dos índices econômicos dos municípios do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com objetivo de avaliar o impacto da Lei de Responsabilidade Fiscal nos municípios gaúchos sobre o desempenho financeiro e orçamentário, foram escolhidos nove indicadores amplamente utilizados na literatura para serem analisados. A seguir são apresentados os indicadores utilizados e sua descrição.

Indicador de créditos adicionais (ICA): tem como objetivo verificar se houve uma maior adequação do planejamento orçamentário, ou seja, se ocorreu uma ampliação da utilização de créditos adicionais após a implementação da LRF, o que poderia indicar dificuldades dos municípios em projetar adequadamente a alocação dos recursos públicos, diante de gastos na realização das políticas públicas assumidas.
Indicador da realização da receita orçamentária (IRRO): evidencia se houve um incremento médio na receita orçamentária dos municípios após a implantação da lei.
Indicador da execução orçamentária corrente (IEOC): indica se os mecanismos inseridos pela LRF contribuíram para aumentos nas receitas correntes[1] dos municípios, o que poderia evidenciar uma contenção dos gastos, estimulando uma maior geração de poupança corrente.
Indicador da realização da receita tributária (IRRT): esse indicadorevidencia a pressão tributária exercida sobre os municípios em decorrência das restrições com a renúncia de receita e a busca pela eficiência nessa fonte de receita.
Indicador de investimentos (II): esse indicador permite identificar se houve uma maior capacidade de realizar investimentos em relação ao PIB local após a implementação da Lei.
Indicador do resultado primário (IRP): evidencia se após a implementação da LRF, houve um aumento da capacidade de pagamento da dívida dos municípios.
Indicador de operações de crédito (IOC): indica se o montante das operações de crédito na composição das despesas de capital[2] reduziram ou aumentaram após a implementação da Lei.
Indicador da amortização da dívida fundada (IADF): evidencia as amortizações da dívida fundada[3] em relação às receitas correntes realizadas.
Indicador de Retorno do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (IRICMS): representa a receita realizada com ICMS em relação a população residente do município.  

Resultados

Os resultados encontrados indicam que após a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal, ocorreu uma ampliação da utilização de créditos adicionais, evidenciado pelo (ICA), o que poderia indicar dificuldades dos municípios mais pobres em projetar adequadamente a alocação dos recursos públicos. Já o (IRRO) aponta que houve um incremento médio em torno de 8% na receita orçamentária dos municípios. O (IEOC) indica que ocorreu um aumento de aproximadamente 9% na geração de poupança corrente, podendo ser relacionado aos crescentes resultados das receitas locais e da contenção dos gastos. A análise do (IRRT) evidenciaquea LRF estimulou um incremento de 0,182 no valor médio desse indicador. Este resultado pode indicar que as imposições da Lei, no sentido de combater a evasão ou sonegação fiscal e de restringir a renúncia de receita, acabaram ampliando a eficiência na arrecadação dos tributos.

No contexto de investimentos, olhando para o indicador (II), esse apresentou um aumento em torno de 30%, demonstrando que os municípios menos desenvolvidos economicamente tiveram maiores dificuldades em realizar investimentos para atender as demandas sociais. No que se refere ao resultado primário, com o (IRP) verificou-se que a LRF permitiu um aumento da capacidade de pagamento da dívida dos municípios, decorrente da intensificação do superávit primário. Analisando o Indicador de operações de crédito (IOC), houve uma redução de 62% nas operações de crédito nos municípios menores. Já o (IADF), o indicador da amortização da dívida não foi estatisticamente significativo, no entanto sua relação com o PIB da indícios de que os municípios mais ricos foram capazes de amortizar mais intensamente suas dívidas. Por fim, temos o indicador (IRICMS), que evidencia que após a introdução da LRF houve um aumento expressivo do seu coeficiente estimado, indicando uma maior receita realizada com ICMS frente a população residente no município.

Em termos gerais, após a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal, houve um aumento da eficiência do planejamento e execução das receitas e despesas municipais, evidenciado pelo incremento na capacidade de pagamento das dívidas, do equilíbrio do superávit primário e do aumento das receitas tributárias nos municípios Gaúchos.

Lições de Política Pública

A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe transparência para as contas públicas e contribuiu para o aumento da participação da sociedade civil na fiscalização dos recursos públicos e combate a fraudes. Atualmente, existem diversas Organizações Não Governamentais (ONGs), e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que fiscalizam os gastos públicos à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), evitando prejuízos milionários aos cofres públicos todos os anos.

Referência
DOS SANTOS, Sandra Regina Toledo; ALVES, Tiago Wickstrom. O impacto da Lei de Responsabilidade Fiscal no desempenho financeiro e na execução orçamentária dos municípios no Rio Grande do Sul de 1997 a 2004. Brazilian Journal of Public Administration, v. 45, n. 1, p. 181 a 208-181 a 208, 2011.


[1] Receita Corrente:  é o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras.

[2] Despesas de capital:  são despesas relacionadas com aquisição de máquinas equipamentos, realização de obras, aquisição de participações acionárias de empresas, aquisição de imóveis, concessão de empréstimos para investimento.

[3] Amortização é a redução gradual de uma dívida através de pagamentos periódicos.