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ECONOMIA E GESTÃO.

QUAL O IMPACTO DO SALÁRIO MÍNIMO NA REDUÇÃO DE DESIGUALDADES SALARIAIS?

20 out 2023

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Título original: Minimum Wages and Racial Inequality

Autores: Ellora Derenoncourt e Claire Montialoux

Localização da Intervenção: Estados Unidos

Tamanho da Amostra: 490.000 trabalhadores-ano

Setor: Trabalho

Variável de Interesse Principal:  Renda

Tipo de Intervenção: Salário mínimo

Metodologia: DID, TD

Resumo

A diferença salarial entre brancos e negros enfatiza um problema social histórico nos Estados Unidos. Contudo, durante a era dos Direitos Civis tal diferença reduziu-se significativamente entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970. O objetivo deste artigo foi estimar os impactos do Fair Labor Standards Act implementado na década de 1960, que ocasionou a adoção do salário mínimo para diversos setores produtivos em que a maior parte da população negra encontrava-se empregada.  Utilizando a metodologia de diferença em diferenças, os autores demonstraram os setores afetados auferiram aumento nos salários dos trabalhadores, impactos mais elevados para trabalhadores negros, e ausência de efeito no nível de emprego dos trabalhadores.

  1. Problema de Política

Nos Estados Unidos, uma das desigualdades mais notáveis diz respeito à persistente disparidade econômica entre diferentes grupos raciais (BAYER; CHARLES, 2016; CHETTY et al., 2020). Um aspecto central dessas disparidades é a diferença nos rendimentos entre trabalhadores negros e brancos. A diferença média anual de rendimentos entre esses dois grupos é atualmente de 25%.

Ao longo dos últimos 70 anos, essa diferença diminuiu de forma significativa somente uma vez, durante o final da década de 1960 e o início da década de 1970, quando foi reduzida em aproximadamente metade. O período foi marcado pela implementação de políticas de Direitos Civis da população negra nos Estados Unidos. Especificamente, o Fair Labor Standards Act (FLSA)de 1966, implicando na adoção do salário mínimo federal para diversos setores representativos para a população negra economicamente ativa.

Nesse sentido, compreender os fatores que contribuíram para essa melhoria histórica pode oferecer informações relevantes para a adoção de políticas que reduzam disparidades raciais que ainda persistem atualmente.

  1. Contexto de Implementação da Política

Diversas políticas anti-discriminação foram adotadas nos Estados Unidos durante a década de 1960, conhecida como a era dos movimentos dos direitos dos negros. Tais políticas implicaram em aprimoramentos institucionais em prol da educação, renda e direitos políticos da população afro-americana.

Dentro desse contexto, o FLSA de 1966 introduziu o salário mínimo federal para diversos setores da economia americana subrepresentados pela população negra no período: agricultura, hotéis, restaurantes, escolas, hospitais, casas de repouso, entretenimento, e outros serviços. Os setores afetados pelo FLSA representavam 20% do total da força de trabalho dos Estados Unidos, e um terço dos trabalhadores afro-americanos. Enquanto o FLSA de 1938 cobria apenas 54% da força de trabalho americana, a reforma no FLSA em 1966 introduziu o salário mínimo federal para outros 21% da força de trabalho, representando um terço de toda força de trabalho de afro-americanos (comparado à 18% de trabalhadores brancos).

  1. Detalhes da Avaliação e da Política

A introdução do salário mínimo para diversos novos setores ocorreu em 1967 e estava inicialmente abaixo do salário mínimo federal, convergindo para o nível do salário mínimo federal até 1971, com exceção ao setor de agricultura (igualando-se em 1977). Tal qual observado nos setores cobertos pelo FLSA de 1938, a proporção entre o salário mínimo federal e o salário médio atingiu uma proporção entre 40% e 50% durante a década de 1970.

Este estudo utilizou quatro base de dados para avaliar o impacto do FLSA de 1966: (i) relatórios salariais da indústria publicados pelo Bureau of Labor Statistics (BLS); (ii) microdados da Current Population Survey (CPS)desde 1962; (iii) dados do Censo decenal dos Estados Unidos; e (iv) dados sobre legislação estadual de salário mínimo por indústria e gênero.

A amostra inclui todos os trabalhadores com idade entre 25 e 55 anos. Para eliminar distorções causadas por ganhos anuais muito baixos, foram excluídos trabalhadores autônomos, trabalhadores em residências coletivas, trabalhadores familiares não remunerados e indivíduos que trabalharam menos de 13 semanas por ano e/ou menos de três horas por semana. Considerou-se como controle os trabalhadores de todos os setores que foram abrangidos no FLSA de 1938 (foram desconsiderados setores incorporados em outras reformas). Todos os salários foram convertidos para dólares de 2017.

  1. Método

O estudo apresenta diversas análises para verificar os impactos do FLSA de 1966 nos salários a partir de fevereiro de 1967. Para tal, os autores verificam os impactos da adoção do salário mínimo nos setores da economia americana afetados através de diversas bases de dados. Como covariáveis, foram utilizadas características demográficas, laborais e regionais, além de variáveis de efeitos fixos de indústria e de tempo.

A primeira análise do artigo considerou dados do CPS. Foi empregado o método de diferença em diferenças (DID) para avaliar o impacto do FLSA de 1966 nos salários dos trabalhadores tratados após 1966 (o salário mínimo passou a ser vigente a partir de 1967) em comparação aos trabalhadores do grupo controle. Considerou-se como variável de resultado o logaritmo do salário dos trabalhadores. Adicionalmente, os autores estimaram diversos modelos com  diferentes covariáveis consideradas.

Como uma segunda estratégia de identificação dos efeitos da política, os autores utilizaram os dados do CPS e consideram a parcela dos trabalhadores afetados pela implementação do FLSA de 1966 que estavam abaixo do salário mínimo e a média do aumento salarial observado entre esses trabalhadores para estimar o efeito da intervenção sobre o salário. Adicionalmente, foram estimados os efeitos considerando a educação (até 11 anos de escolaridade e mais de 11 anos de escolaridade), a raça (brancos e negros) e o quartil da distribuição do salário dos trabalhadores.

Na terceira estratégia foram considerados os dados do BLS para estimar o impacto da implementação do salário mínimo nos salários por hora dos setores afetados. Para tal, foram adotados os métodos de DID e tripla diferença (TD). O método de DID segue o modelo adotado na primeira análise, enquanto o método de TD verifica a combinação do impacto do tratamento nos estados do Sul dos Estados Unidos, região com maior concentração da população negra no país.

A quarta análise avaliou os impactos do FLSA de 1966 para subamostras separadas para os trabalhadores brancos e negros. Foram considerados dados do CPS e os períodos de tratamento 1967-1972 e 1973-1980. Essa estratégia empregou vários modelos de DID, considerando efeitos fixos de estado ou a interação entre os anos e os estados. Os autores também realizaram uma análise para verificar o efeito da política no salário nos estados sem a leis de salário mínimo em janeiro de 1966.

Por fim, os autores realizaram diversas análises para verificar o impacto do FLSA de 1966 em outros indicadores. Assim, foi utilizado o método de DID para estimar os impactos no número de horas trabalhadas anualmente, na probabilidade de estar empregado. Adicionalmente, os autores computam cenários contrafatuais para avaliar o impacto da política na elasticidade do emprego-salário e na diferença salarial entre os trabalhadores brancos e negros.

  1. Principais Resultados

Os resultados indicaram um significativo aumento nos salários dos trabalhadores dos setores afetados pela implementação do salário mínimo a partir de 1967. Considerando a análise de DID com os dados do CPS, o FLSA de 1966 incorreu em um acréscimo de 5,3% no salário desses trabalhadores em relação aos trabalhadores dos setores do grupo controle. Os autores também estimaram que 16% dos trabalhadores dessas indústrias foram afetados, implicando em um aumento de 34% no salário -  resultando em um efeito de 5,4% para todos trabalhadores das indústrias tratadas, próximo ao coeficiente da análise de DID. Os resultados utilizando os dados do BLS foram similares.

Com relação à heterogeneidade do efeito do tratamento, os resultados indicam que o FLSA de 1966 afetou de forma mais forte trabalhadores com menor educação (10,1% em relação a 2,5%) e no menor quartil da distribuição dos salários (+7%). Os trabalhadores negros foram os mais afetados, observando uma elevação quase duas vezes maior (9,5%) em relação aos trabalhadores brancos (5,4%).

Através do método de TD e utilizando dados do BLS, os autores verificaram impactos mais elevados (7,5%) em estados do sul dos Estados Unidos, região com maior concentração de trabalhadores negros. Adicionalmente, estados do grupo dos tratados sem a presença de leis de salário mínimo em período prévio à implementação do FLSA de 1966 foram mais afetados do que os estados que já possuíam leis similares (4,1%).

A implementação do FLSA não resultou em mudanças nas dinâmicas de oferta e demanda no mercado de trabalho. Observando o período anterior e posterior à reforma, os autores identificaram efeitos da reforma na elasticidade da oferta de mão de obra. Além disso, não foram identificados efeitos significativos na probabilidade de estar empregado.

  1. Lições de Política Pública

Neste artigo os autores avaliaram os impactos da reforma trabalhista FLSA de 1966, estabelecendo o salário mínimo para diversos setores da economia que concentravam grande parcela dos trabalhadores negros dos Estados Unidos. Através de uma metodologia robusta, os autores demonstraram que essa política provocou grande aumento nos salários dos trabalhadores socioeconomicamente mais vulneráveis sem afetar a empregabilidade dos setores contemplados.

Como a reforma teve grandes efeitos positivos nos salários, mas pequenos efeitos no emprego, ela reduziu não apenas a diferença racial nos ganhos entre indivíduos empregados, mas também a diferença racial na renda em geral. Portanto, este estudo forneceu informações contundentes para os formuladores de políticas públicas, demonstrando o potencial do salário mínimo para a redução das desigualdades sociais e apresentando evidências relacionadas a possíveis efeitos indesejados dessa política.

Referências

BAYER, P.; CHARLES, K. K. Divergent Paths: Structural Change, Economic Rank, and the Evolution of Black-White Earnings Differences, 1940-2014, n. w22797. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, nov. 2016.

CHETTY, R.; HENDREN, N.; JONES, M. R.; PORTER, S. R. Race and Economic Opportunity in the United States: an Intergenerational Perspective. The Quarterly Journal of Economics, v. 135, n. 2, p. 711–783, 1 maio 2020.