Na porta da minha geladeira, dentre ímãs de viagens, cartões postais e fotografias, guardo um ímã de um anúncio antigo da Volkswagen, publicado na década de 60, que diz: “Êle: de manhã vai ao trabalho e volta à noite / Ela: leva as crianças à escola. Vai à feira, vai ao cabeleireiro, vai buscar mamãe, busca as crianças da escola, vai à costureira. Leva mamãe para casa. Vai fazer compras na cidade. Devolve os sobrinhos, vai visitar as amigas, vai ver como titia Celina está passando, volta à casa de uma amiga para apanhar a bolsa que tinha esquecido etc. etc. etc. / Não é justo que ela tenha um Volkswagen só para ela?”.
Com frequência, olho para esse anúncio e reflito sobre o quão representativo ele já foi. Sim. Hoje podemos achá-lo ultrapassado, antigo, estereotipado. Mas, há poucos anos, o papel da mulher era exatamente e somente esse: cuidar da casa, dos filhos e de si.
Para usar a lógica de Grant McCracken, antropólogo e pesquisador de cultura material, a publicidade é um instrumento que atribui significado aos bens de consumo a partir dos significados que já existem no mundo culturalmente constituído. Assim, associar a figura masculina ao trabalho e a feminina a afazeres domésticos parecia ser uma escolha coerente. Afinal, aquilo funcionava como um espelho do que era culturalmente e socialmente ditado.
É por isso que, até pouco tempo atrás, era comum nos depararmos com mensagens publicitárias sexistas (como não lembrar da publicidade de cerveja?); racistas; gordofóbicas; heteronormativas. Mensagens que reforçavam padrões socioculturais e incentivavam o consumo pelo puro consumo. Mensagens que refletiam os preconceitos e o consumismo de uma sociedade extremamente desigual e segregacionista.
Não acho que vivemos tão distantes disso. Frequentemente, a cultura do cancelamento e os boicotes organizados em rede sinalizam erros cometidos por vários tipos de marcas e corporações em suas comunicações e posicionamentos. Mas, ao mesmo tempo, assistimos ao crescimento do movimento consumerista e da transformação do propósito genuíno em valor de marca. A publicidade, assim, tem refletido e produzido os anseios, as crenças e as necessidades de um mundo em transformação.
Enquanto consumidores, estamos mais informados e, portanto, exigentes. Enquanto cidadãos, passamos a utilizar o consumo como uma forma de posicionamento político. Enquanto profissionais da comunicação, estamos mais atentos às posturas das marcas para as quais trabalhamos, certificando-nos que levantar determinadas bandeiras deve ir além do mero ativismo comunicacional. Skrivanek svetainės vertimas
Nas minhas aulas em publicidade, sempre enfatizo o quanto é importante olhar para o(a) publicitário(a) enquanto um(a) agente da história. Nossos anúncios tanto representam os comportamentos, valores, gostos e hábitos de cada tempo, quanto atuam como máquinas de construção do sentido, protagonizando o espírito de cada tempo. Convido você, caro leitor, a uma jornada de conhecimento da nossa cultura por meio do universo publicitário.
Para os que quiserem mergulhar...
DOMINGUES, Izabela. MIRANDA, Ana Paula de. Consumo de ativismo. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2018.
MCCRACKEN, Grant. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
PEREZ, Clotilde. Publicidade e o espírito do tempo: sob a iconografia do reflexo ou indiciamento de caminhos? São Paulo: ECA USP, 2014.
ROCHA, Everardo. Magia e capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 2010.
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