Após um mês de instalação da chamada CPI da Pandemia, provavelmente você tem ouvido falar bastante sobre o assunto. São várias audiências, pessoas ouvidas e novas informações reveladas sobre a condução do enfrentamento à pandemia pelo Governo Federal. Mas, conta para a gente: você sabe, de fato, o que é uma Comissão Parlamentar de Inquérito? Como acontece, que poderes tem?
Segundo o cientista político e professor do IDP, Rafael Silveira, a CPI é um dos principais instrumentos que o Poder Legislativo tem para fazer o controle sobre as ações do Poder Executivo, por meio da apuração de fatos sobre qualquer tema que determine uma investigação de responsabilização, seja de atores do setor privado ou do setor público. “A CPI pode verificar ações ou falta de ações por parte do governo, pode averiguar denúncias de corrupção e de irregularidades”, afirma o docente.
De acordo com a legislação, a Comissão Parlamentar de Inquérito tem poderes de investigação próprios de autoridade judiciária. “Isso quer dizer que a CPI investiga, inquire e recolhe provas. Esse é o papel da comissão”, explica o professor do IDP João Trindade, que também é consultor legislativo do Senado e advogado.
Fato determinado
A primeira informação a ficar clara é que CPIs só investigam fatos determinados, que especificam objetivo da comissão. “Ou seja, quando há algo específico a ser objeto de investigação. Um assunto de natureza pública que mereça atenção política dos deputados ou senadores”, detalha João. Isso quer dizer, por exemplo, que não é possível formar uma comissão para investigar um tema amplo, como a corrupção em geral, mas, em casos específicos nos quais há suspeita de corrupção, sim.
“Isso serve tanto a nível formal, para ter amparo na lei, como também para facilitar o trabalho dos próprios parlamentares em conduzir as atividades nos rumos das investigações”, aponta Rafael Silveira.
Por que e para que existe CPI?
Historicamente, comissões desse tipo foram criadas para fiscalizar as contas dos reinos, como afirma o professor do IDP, João Trindade: “a função primeira do Parlamento, desde a Baixa Idade Média, era fiscalizar as contas do rei, do Poder Executivo. E isso hoje é feito, também, por meio de CPI”, esclarece o docente.
Você sabia que diversos acontecimentos históricos ou de grande importância e repercussão tiveram como início uma Comissão Parlamentar de Inquérito?
O impeachment do presidente Fernando Collor em 1992, por exemplo, foi consequência das investigações realizadas pela CPI do PC Farias, que fora tesoureiro na campanha de Collor à presidência e agia como intermediário entre o empresariado e o governo.
A CPI do Orçamento, entre 1993 e 1994, por exemplo, “causou uma fortíssima repercussão no modo de fazer o orçamento no Brasil, inclusive, no modo de trabalhar da Comissão Mista de Orçamento como nós conhecemos hoje”, aponta Rafael Silveira.
Já em 2005, a CPI dos Correios “investigava o pagamento de propina no âmbito dos Correios e acabou descobrindo um esquema de compra de votos de parlamentares, que ficou conhecido como Mensalão”, cita o professor João Trindade.
A investigação da CPI dos Correios, aliás, trouxe várias repercussões políticas durante o governo do presidente Lula. “O governo Lula sobreviveu à CPI, mas foi um grande embate naquele período e os relatórios redundaram em muitas proposições legislativas”, comenta Rafael Silveira.
Mais recentemente, a CPI da Violência contra a Mulher, no Senado Federal, investigou a omissão do poder público em situações de aplicação da Lei Maria da Penha, em 2012, investigando o enfrentamento à violência contra a mulher em todos os estados do Brasil.
Como explica o professor João Trindade, “a CPI da Violência contra a Mulher se deparou com a inexistência de dados sobre feminicídio no país, simplesmente porque todos os feminicídios no Brasil eram considerados homicídios qualificados. A CPI propôs a tipificação específica do crime de feminicídio e, a partir dali, nós passamos a ter estatísticas confiáveis sobre a incidência desse delito no direito brasileiro”.
Entretanto, os docentes ressaltam que nem todas as Comissões Parlamentares de Inquérito chegam a conclusões de grande repercussão ou, sequer, concluem os trabalhos. “A maior parte não ganha tanta expressão quanto nós imaginamos”, esclarece Rafael.
CPI da Pandemia
No caso da CPI da Pandemia, a finalidade é apurar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da covid-19, principalmente no agravamento da crise sanitária no Amazonas em janeiro deste ano, quando faltou oxigênio na cidade de Manaus.
Também busca levantar possíveis irregularidades em contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos, assinatura de contratos com empresas de fachada para prestação de serviços genéricos ou fictícios, entre outros ilícitos, tendo utilizado, para isso, recursos da União Federal. Além de averiguar outras ações ou omissões cometidas pelos governos a nível federal, estadual e municipal, durante a pandemia do novo coronavírus.
De acordo com o professor Rafael Silveira, a CPI da Pandemia acaba ganhando uma dimensão muito maior do que qualquer outra “dados os grandes problemas que a nossa sociedade tem enfrentado e a maneira débil, fraca, irresponsável, mal articulada e mal administrada do Estado relativamente ao combate à pandemia”, opina.
Quando o número de mortos pela covid-19 já ultrapassa 460 mil, “é absolutamente importante que o Congresso Nacional cumpra o seu papel fiscalizatório e investigue a gestão da pandemia no nível federal, visto que é uma CPI do Congresso, mas, em relação a repasses de verbas federais, que sejam investigados também estados e municípios”, ressalta João Trindade.
A CPI da Pandemia representa um momento fundamental no enfrentamento à covid-19 no Brasil. Por isso, o docente acredita que “é importante principalmente para que o próprio Estado se reorganize e tome as responsabilidades para melhor conduzir a solução para esse problema que nós ainda estamos enfrentando”, finaliza o professor Rafael Silveira.