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ECONOMIA E GESTÃO.

COMO A DISTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL IMPACTA NA DESIGUALDADE DE RENDIMENTOS ENTRE AS FAMÍLIAS?

01 dez 2023

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Título original: Educational Assortative Mating and Household Income Inequality

Autores: Lasse Eika, Magne Mogstad e Basit Zafar

Localização da Intervenção: Dinamarca, Alemanha, Noruega, Reino Unido, Estados Unidos

Tamanho da Amostra: 2.846.609 indivíduos

Setor: Educação

Variável de Interesse Principal: Desigualdade de renda

Tipo de Intervenção: Seleção matrimonial por educação

Metodologia: OLS, Decomposição de DiNardo

Resumo

A persistência das desigualdades entre as famílias é um dos tópicos de maior repercussão nas sociedades atualmente. A seleção de companheiros com características sociais similares pode ser destacada como um mecanismo de perpetuação desse fenômeno, englobando também o grau de instrução dos indivíduos. Este artigo procurou identificar como a desigualdade de renda entre as famílias está associada à seleção matrimonial a partir do nível de educação dos parceiros em cinco países no período de 1962 e 2013. Através de uma análise descritiva e da utilização de um método de decomposição semiparamétrica, as evidências encontradas demonstraram que os indivíduos de todos os países selecionam parceiros com nível de educação similar, e que esse comportamento explica parte considerável da desigualdade de renda entre as famílias.

  1. Problema de Política

A riqueza das unidades domiciliares está intimamente relacionada às condições socioeconômicas dos integrantes da família. Assim, a desigualdade de renda entre as famílias pode ser explicada pelas características do casal que compõem o chefe da família e o seu cônjuge. Na medida em que os parceiros selecionem indivíduos com condições socioeconômicas semelhantes, esse comportamento pode explicar a persistência de desigualdades de renda entre as famílias (Eika, Mogstad e Zafar, 2019).

Nesse contexto, a seleção de parceiros com mesmo nível de educação (educational assortative mating) pode representar um dos vetores indutores da manutenção e da expansão de desigualdades de renda entre as famílias (unidades domiciliares). No entanto, para a correta identificação do efeito desse comportamento sobre a distribuição de renda ao longo do tempo, é necessário levar em consideração aspectos como a expansão do acesso ao ensino superior para ambos os gêneros (Liu e Lu, 2006), e os retornos oriundos da educação de cada período (Autor, Katz e Kearney, 2008).

  1. Contexto de Implementação da Política

No decorrer do período entre 1962 e 2013, o coeficiente de Gini na renda familiar entre casais casados aumentou de 33,9 para 43,2 nos Estados Unidos. Paralelamente, a proporção de casais nos quais ambos os cônjuges possuem ensino superior elevou-se em 22 pontos percentuais no mesmo período. Em período similar, o mesmo comportamento foi observado na Alemanha, Dinamarca, Noruega e Reino Unido.

Especificamente, a proporção de maridos com diploma universitário era de 13% em 1962 e 37% em 2013, enquanto que apenas 7% das mulheres possuíam diploma universitário em 1962, aproximando-se dos maridos em 2013 ao alcançar o percentual de 40%. Também foi observado um aumento no prêmio do ensino superior ao longo desse intervalo. Adicionalmente, a razão entre o rendimento dos homens e das mulheres também caiu de 6,4 em 1962 para aproximadamente 2,1 em 2013.

  1. Detalhes da Avaliação

A análise dos Estados Unidos foi baseada em duas fontes de dados. A primeira análise para os Estados Unidos compreendeu o período de 1962 a 2013, utilizando-se a Pesquisa Mensal da População (em inglês, CPS) de uso público. A CPS fornece dados para cada ano com abrangência nacional e representativa de domicílios, permitindo a identificação dos domicílios e membros da família. As variáveis consideradas incluíram informações demográficas individuais (como gênero, data de nascimento e estado civil) e dados socioeconômicos (incluindo nível educacional e renda).

A segunda fonte de dados envolveu a utilização dos dados dos Censos decenais dos Estados Unidos. A principal vantagem dos dados do censo está em sua abrangência temporal, permitindo estudar a seleção matrimonial por educação desde 1940. Devido a impossibilidade de identificação dos cônjuges, o Censo de 1950 não foi considerado. A análise da desigualdade de renda familiar para os Estados Unidos considerou apenas os dados da CPS.

A análise relacionada aos outros países considerou diversas fontes de dados com estrutura similar ao da CPS, contendo dados demográficos e socioeconômicos representativos dos indivíduos e domicílios, e abrangendo dados até 2013. Para a Dinamarca e Noruega, foram utilizados dados de registro administrativo com dados disponíveis a partir de 1980 e 1967, respectivamente. A fonte dos dados para a Alemanha é o Painel Socioeconômico Alemão (em inglês, SOEP), fornecendo um painel desde 1984. Para o Reino Unido, utilizou-se dados da Pesquisa de Força de Trabalho do Reino Unido (em inglês, LFS) com início em 1979.

Para a análise principal, restringiu-se a amostra a casais onde pelo menos um dos parceiros tinha entre 26 e 60 anos de idade. Os indivíduos foram separados em quatro grupos mutuamente exclusivos de acordo com o seu nível mais alto de educação: (i) até ensino médio incompleto, (ii) ensino médio completo, (iii) ensino superior incompleto, e (iv) ensino superior completo.

  1. Método

O processo de seleção matrimonial por educação é definido como a tendência de pessoas com características semelhantes a se casarem mais do que seria esperado em um cenário aleatório. Assim, pode-se identificar e quantificar esse comportamento ao comparar a tabela de contingência para os níveis educacionais das esposas e maridos com uma tabela de contingência gerada por emparelhamentos aleatórios entre maridos e esposas. Dessa forma, são calculados parâmetros que permitem avaliar a probabilidade de união entre parceiros de mesmo nível educacional, indicando se a frequência é maior ou menor do que o esperado aleatoriamente. Valores positivos ou negativos deste parâmetro indicam casamentos mais ou menos frequentes do que o previsto. A distribuição conjunta de educação dos cônjuges é descrita por esses parâmetros e pelas distribuições marginais de educação. Para estimar esses parâmetros, foram utilizados os dados da CPS entre 1962 e 2013.

Para verificar a robustez dos parâmetros, estes foram reestimados considerando ajustes por idade, criando três grupos de faixa etária, e incorporando casais não casados que coabitam à amostra, utilizando dados da Noruega. Adicionalmente, também foram verificados os parâmetros considerando a raça, um painel mais longo a partir dos dados dos Censos decenais, dados de outros países, e o campo de estudo do ensino superior. Por fim, foi estimado o índice de Altham (1970), proporcionando uma nova medida para a mensuração da seleção matrimonial por educação baseado na razão de chances dos grupos de educação pareado (para cada um dos quatro níveis de educação).

 Os autores também realizaram regressões para os anos de educação da esposa (variável de resultado) em relação aos anos de educação do marido (variável explicativa), e também regressões invertendo a relação entre essas variáveis. Esse exercício foi realizado para cada ano no período de 1962 a 2013. Por fim, verificou-se o comportamento dos coeficientes associados às variáveis explicativas para cada ano das duas regressões (em relação à educação da esposa e do marido).

Para quantificar a contribuição para a desigualdade de renda familiar das mudanças nos retornos à educação, na composição educacional e na seleção matrimonial por educação, o método de decomposição proposto por DiNardo et al. (1996) foi adotado. Essa abordagem fornece distribuições de renda sob cenários contrafactuais, nos quais a distribuição de um fator é fixada determinado ano base, enquanto os outros fatores variam ao longo do tempo. Para a validação dos resultados dos resultados do método de decomposição, foram consideradas especificações, subamostras e países diferentes.

  1. Principais Resultados

Os resultados encontrados para os parâmetros de seleção por educação nos Estados Unidos evidenciaram a existência de seleção positiva em todos os níveis de educação. No entanto, as tendências temporais apresentaram variação de acordo com o nível educacional, indicando diminuição no parâmetro entre os mais escolarizados no decorrer dos anos. Em 1962, indivíduos nos Estados Unidos com formação universitária eram quase cinco vezes mais propensos a se casar com o mesmo nível educacional comparado à seleção aleatória. Essa relação entre os casais com ensino superior diminuiu para aproximadamente três e duas vezes nos anos 1980 e 2013, respectivamente. Em sentido oposto, o parâmetro de seleção por educação elevou-se de 1,6 em 1962 para 7,2 em 2013 quando observado os com ensino médio incompleto. Quando considerada a média de todos os parâmetros de todos os níveis educacionais durante o período entre 1962 e 2013, os autores identificaram um crescimento gradual na seleção por educação.

Referente aos resultados das análises de robustez para o parâmetro de seleção matrimonial por educação, todas abordagens indicaram a consistência do comportamento e das tendências temporais identificadas para países, amostras, especificações, e períodos distintos. Notavelmente, as análises evidenciaram uma queda mais acentuada do parâmetro entre os casais com ensino superior para o Reino Unido e a Noruega, além de terem indicado que o processo de seleção matrimonial por educação é ainda mais acentuado quando considerado o tipo do curso de graduação: formados em direito na Noruega eram 73 vezes mais propensos a casarem-se entre si em 1967, declinando para 26 vezes em 2013.

Os resultados da análise  sobre os determinantes da desigualdade de renda entre as famílias indicaram que a seleção matrimonial por educação teve impacto na desigualdade de renda quando comparado ao contrafactual, porém com relevância limitada. Os aumentos nos retornos à educação surgiram como a principal fonte para o aumento da desigualdade. Além disso, mudanças na composição educacional compensaram parte do aumento da desigualdade, especialmente na extremidade inferior da distribuição de renda domiciliar. Assim, o contrafactual estimado indicou que a desigualdade teria caído continuamente caso os retornos à educação no nível de 1962 tivessem sido mantidos ao longo dos anos. Novamente, os resultados foram corroborados pelas análises de robustez.

  1. Lições de Política Pública

Este estudo buscou abordar a relação entre a desigualdade de renda entre as famílias e a seleção matrimonial por educação. Primeiro, examinou-se o grau de seleção matrimonial por educação ao longo do tempo e entre diferentes países, estimando parâmetros que explicassem tal relação. Segundo, esse parâmetro foi utilizado para a quantificação do papel explicativo de vários fatores na desigualdade de renda domiciliar através de um método de decomposição.

As evidências deste artigo demonstraram que ao longo dos anos a seleção matrimonial por educação aumentou para casais com menos escolarização e diminuiu para casais com maior grau de instrução. Os resultados também indicaram que a seleção por educação dos casais contribuiu com uma parte não negligenciável da desigualdade na renda domiciliar em cada país. O principal aspecto que explicou a desigualdade entre famílias, contudo, foi o aumento do retorno à educação observado no período. Essas evidências fornecem informações cruciais para a formulação de políticas públicas que visem diminuir a desigualdade de renda entre as famílias.

Referências

ALTHAM, P. M. E. The Measurement of Association of Rows and Columns for an r × s Contingency Table. Journal of the Royal Statistical Society: Series B (Methodological), v. 32, n. 1, p. 63–73, jan. 1970.

AUTOR, D. H.; KATZ, L. F.; KEARNEY, M. S. Trends in U.S. Wage Inequality: Revising the Revisionists. Review of Economics and Statistics, v. 90, n. 2, p. 300–323, maio 2008.

DELAVANDE, A.; ZAFAR, B. University Choice: The Role of Expected Earnings, Nonpecuniary Outcomes, and Financial Constraints. Journal of Political Economy, v. 127, n. 5, p. 2343–2393, out. 2019.

DINARDO, J.; FORTIN, N. M.; LEMIEUX, T. Labor Market Institutions and the Distribution of Wages, 1973-1992: A Semiparametric Approach. Econometrica, v. 64, n. 5, p. 1001, set. 1996.

EIKA, L.; MOGSTAD, M.; ZAFAR, B. Educational Assortative Mating and Household Income Inequality. Journal of Political Economy, v. 127, n. 6, p. 2795–2835, dez. 2019.

LIU, H.; LU, J. Measuring the degree of assortative mating. Economics Letters, v. 92, n. 3, p. 317–322, set. 2006.