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ECONOMIA E GESTÃO.

O acesso ao crédito rural ajuda a diminuir a desigualdade de renda?

18 abr 2022

Pesquisadora responsável: Viviane Pires Ribeiro

Título do Paper: Does Access to Rural Credit Help Decrease Income Inequality in Brazil?

Autores: Mateus de Carvalho Reis Neves, Carlos Otávio Freitas, Felipe de Figueiredo Silva, Davi Rogério de Moura Costa e Marcelo José Braga

Localização da Intervenção: Brasil

Tamanho da Amostra: 15.402 indivíduos

Grande tema: Finanças

Variável de Interesse principal: Desigualdade de renda

Tipo de Intervenção: Análise do impacto do crédito rural sobre a desigualdade de renda

Metodologia: Método de regressão quantílica incondicional

O segmento agropecuário brasileiro cresceu exponencialmente nas últimas décadas e ampliou sua participação no mercado internacional. No entanto, o Brasil continua enfrentando um alto nível de desigualdade rural. Neves et al. (2020) buscam identificar se o acesso ao crédito aumenta ou reduz a desigualdade entre as famílias rurais no Brasil. Os resultados sugerem que o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) não está associado ao aumento da desigualdade. Entretanto, o acesso ao crédito rural de outras fontes que não o PRONAF levou a uma maior desigualdade de renda das famílias. Os resultados também indicam que maiores níveis de escolaridade e acesso à extensão rural têm potencializado o efeito do crédito sobre a renda.

Contexto da Avaliação

A produção agrícola brasileira tem aumentado nas últimas décadas. Apesar disso, a população rural continua enfrentando a desigualdade de renda. Isto é, mesmo que o país tenha se engajado em uma participação mais forte no mercado global, a produção agrícola comercial continua concentrada em grandes fazendas.

Embora a desigualdade de renda tenha diminuído ao longo do tempo, ainda há muito a ser feito para atingir níveis mais baixos de desigualdade. Vários fatores podem contribuir para uma distribuição de renda mais igualitária nas áreas rurais, incluindo o acesso à extensão rural e aos mercados financeiros. O governo brasileiro, por exemplo, implementou várias políticas públicas destinadas a diminuir tal desigualdade.

Em 1965, foi criado o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) para aumentar a produção agrícola e melhorar as condições de vida das famílias rurais. A Política Nacional de Agricultura, criada em 1991, também contribuiu para a geração de renda nas áreas rurais do país. Para superar a desigualdade na distribuição de benefícios, o governo brasileiro criou o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar em 1995. No entanto, Neves et al. (2020) ressaltam que há um consenso na literatura indicando que, embora o Brasil tenha melhorado o acesso das famílias rurais aos mercados financeiros, a desigualdade de renda nessas áreas continua alta e as políticas estabelecidas para combater a desigualdade vêm beneficiando os grandes produtores rurais.

Detalhes da Intervenção

Neves et al. (2020) identificaram duas limitações na literatura que trata o acesso ao crédito rural e a desigualdade de renda. A primeira limitação é que a literatura carece de pesquisas que identifiquem os fatores adicionais que contribuem para a redução da desigualdade rural, como a extensão rural, que potencializam o efeito do crédito sobre a renda das famílias. A segunda limitação é que a literatura também carece de análises que desdobrem o efeito do crédito sobre a renda por quantis de renda (por exemplo, o acesso ao crédito pode ter um efeito mais forte sobre a renda das famílias de renda maiores em comparação com as de renda menores). Desse modo, os autores abordam essas duas limitações estimando o efeito do crédito sobre a renda familiar nas áreas rurais do Brasil.

Para estimar como o acesso ao crédito afeta (não de forma causal) a renda familiar, os autores utilizaram a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa pesquisa categoriza o crédito rural em (i) PRONAF e (ii) outras fontes (ou seja, outros programas públicos e/ou empréstimos bancários para uso rural).

A amostra considera produtores rurais que são (i) economicamente ativos; (ii) empregadores ou trabalhadores por conta própria (sendo estes os indivíduos entrevistados no questionário); e (iii) ocupado principalmente pela atividade agropecuária. A amostra também inclui uma pequena parcela de gestores de propriedades rurais que vivem em áreas urbanas. Após a exclusão de valores ausentes e discrepantes, a amostra final foi composta por 15.402 indivíduos.

Detalhes da Metodologia

O conjunto de dados foi utilizado para determinar o efeito da extensão rural na renda familiar. Primeiramente, Neves et al. (2020) utilizaram o método de regressão quantílica incondicional para identificar o efeito do crédito rural em diferentes quantis de renda na área rural brasileira. Em segundo lugar, identificaram características dos domicílios que podem gerar disparidade de renda no resultado do acesso ao crédito rural.

A variável dependente é a renda familiar mensal em R$ (reais), que é uma proxy da renda do agricultor. Para controlar outros fatores, que também influenciam o nível de renda familiar, foram incluídas as seguintes variáveis:

a) sexo: uma variável dummy que é igual a 1 se o indivíduo for do sexo masculino;

b) raça: uma variável dummy que é igual a 1 se o indivíduo for negro;

c) escolaridade: diversas variáveis ​​dummy divididas nas categorias “não lê e escreve”, “ensino fundamental incompleto”, “ensino fundamental completo”, “ensino médio incompleto”, “ensino médio completo”, “ensino superior incompleto” e “ensino superior completo”;

d) idade: várias dummy, distribuídas em “até 25 anos”, “26 a 35 anos”, “36 a 45 anos”, “46 a 55 anos”, “56 a 65 anos” e “idade igual ou superior a 65 anos”;

e) rural: variável dummy que é igual a 1 se o indivíduo residir em área rural;

f) extensão: variável dummy que é igual a 1 se o indivíduo recebeu assistência técnica e extensão rural de fonte privada ou governamental;

g) propriedade da terra: diversas variáveis ​​dummy buscam identificar a condição do produtor em relação à terra, como se o produtor é sócio, arrendatário, ocupante, proprietário ou outra condição;

h) tamanho da fazenda: quatro variáveis ​​dummy representam o tamanho da fazenda, que são divididas em muito pequena (até 10 hectares), pequena (10-100 hectares), média (100-1.000 hectares) e grande (> 1.000 hectares);

i) regiões: cinco variáveis ​​dummy representam as macrorregiões brasileiras – Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Resultados

Os resultados dão indícios de que o acesso ao crédito pode estar correlacionado com a renda familiar mensal e a desigualdade de renda no meio rural brasileiro. Também sugerem que o acesso ao crédito não está atingindo um dos objetivos pretendidos. Ou seja, no Brasil, as políticas públicas de disponibilidade de crédito rural também visam aumentar a renda rural, proporcionando às famílias rurais a oportunidade de adquirir mais insumos, acessar novas tecnologias e reduzir os efeitos da imperfeição de mercado.

As variáveis que capturam o efeito de gênero e raça não apresentaram efeitos diferentes nos quantis de renda familiar. Observa-se apenas diferença na base da distribuição de renda, em que as mulheres possuem uma renda maior em relação aos homens. Os resultados sugerem que os domicílios chefiados por negros apresentam rendas menores em comparação aos demais indivíduos. A experiência, representada no estudo pela idade do indivíduo, tem maior influência na base da distribuição de renda.

As variáveis relacionadas à maior escolaridade (“ensino fundamental completo”, “ensino médio” e “ensino superior”) aumentaram a renda familiar em relação à variável base (“pessoas que não sabem ler e nem escrever”). Assim, Neves et al. (2020) constatam que a educação pode diminuir a desigualdade de renda, ou seja, grandes retornos de renda ao nível “ensino médio” nos quantis inferiores da distribuição de renda.

Os resultados também sugerem que quanto maior a propriedade, maior a renda, e que os domicílios das regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste estão em melhor situação em relação aos do Norte e Nordeste (base).

Portanto, a análise indica que o crédito levou a uma maior desigualdade de renda familiar nas áreas rurais do Brasil. O estudo determina que os domicílios nos quantis de renda maiores observaram elevados benefícios no acesso ao crédito em comparação com aqueles nos quantis menores. As famílias que também tiveram acesso à extensão rural tiveram mais benefícios no acesso aos contratos de crédito. Esse efeito combinado da concessão de crédito é maior entre as famílias nos quantis de renda maiores. Esses resultados indicam que a articulação de políticas públicas de acesso ao crédito e extensão rural simultaneamente resultaria em maiores benefícios para as famílias do meio rural.

Lições de Política Pública

A análise realizada por Neves et al. (2020) sugerem que a política de crédito rural brasileira foi capaz de aumentar a renda das famílias rurais em todos os quantis de renda, mas isso também aumentou a desigualdade de renda. No entanto, observou-se uma menor influência do PRONAF no aumento da desigualdade. Adicionalmente, os autores constataram que o crédito rural de outras fontes tem maior efeito sobre a renda rural nos quantis de renda superiores. Uma decomposição do diferencial de renda demonstrou que a diferença nas características individuais explica a maior parte do diferencial de renda na porção superior da distribuição de renda.

Os resultados indicam que um maior nível de escolaridade e acesso à extensão rural podem estar associados a uma maior influência do crédito rural na renda familiar, o que implica que o acesso ao crédito rural por si só não pode elevar o bem-estar social dos agricultores de baixa renda. Além disso, a análise indica que o design de uma política pública conjunta incorporando crédito rural, extensão rural e promoção do capital humano teria um efeito muito mais forte na redução da desigualdade de renda nas áreas rurais. Isso sugere a existência de sinergia entre as políticas públicas e os serviços públicos vinculados ao crédito rural. Adicionalmente, é importante notar que a região Nordeste do Brasil deve receber maior foco no contexto de recebimento de serviços de extensão de benefícios e políticas de aumento de capital humano. Isso permitiria que seus produtores tivessem desempenho semelhante aos produtores das regiões Sul e Sudeste, o que potencializaria o resultado dos programas de crédito rural nessa região.

Referências

NEVES, Mateus de Carvalho Reis et al. Does Access to Rural Credit Help Decrease Income Inequality in Brazil?. Journal of Agricultural and Applied Economics, v. 52, n. 3, p. 440-460, 2020.