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ECONOMIA E GESTÃO.

Auditorias ajudam a combater a corrupção no Brasil?

31 jul 2020

Pesquisador responsável: Angelo Cruz do Nascimento Varella

Título do artigo: DO GOVERNMENT AUDITS REDUCE CORRUPTION? ESTIMATING THE IMPACTS OF EXPOSING CORRUPT POLITICIANS

Autores do artigo: Eric Avis; Claudio Ferraz; Frederico Finan;

Localização da intervenção: Municípios brasileiros sorteados, em todos os estados

Tamanho da amostra: 2.241 auditorias, em 1.949 municípios.

Grande tema: Política Econômica e Governança

Variável de interesse principal: Níveis de corrupção

Tipo de intervenção: Auditorias públicas aleatórias em municípios como ferramenta de combate à corrupção.

Método de avaliação: Avaliação Experimental (RCT)

Contexto da Avaliação

Corrupção política é um tema relevante principalmente porque dificulta o desenvolvimento econômico e causa danos ao país. Atos corruptos desviam verbas públicas, fragilizam a credibilidade de instituições e enfraquecem a democracia como um todo. Ainda assim, várias nações ao redor do mundo enfrentam constantemente esse problema, de modo que o combate à corrupção é um tema de pesquisa recorrente, no qual se estudam as melhores formas de se combater esse mal.

Nesse contexto, uma condição necessária para o combate à corrupção é a identificação de atos corruptos. Ou seja, a habilidade de comprovar a prática de corrupção tem se mostrado uma ferramenta fundamental para punir essas atividades e impedi-las de ocorrer novamente. Nesse sentido, vários países no mundo adotam programas de auditorias para descobrir o uso indevido de dinheiro público, o que se mostra indispensável para informar não só as autoridades competentes, mas também os eleitores sobre políticos engajados em práticas corruptas.

No Brasil, um dos órgãos responsáveis por realizar auditorias sobre as atividades políticas é a Controladoria Geral da União (CGU). Esse órgão, em 2003, iniciou um programa de auditorias aleatórias em municípios brasileiros com a intenção de identificar e reduzir atos de corrupção no país, o Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos. Um aspecto importante sobre essa ação consiste no fato de que o Brasil é um dos países mais descentralizados do mundo e, todo ano, cada município recebe milhões de reais do Governo Federal para financiar serviços públicos. Logicamente, a aplicação adequada dessas verbas é uma condição para o desenvolvimento econômico brasileiro.

Detalhes da Intervenção

O Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos da CGU funciona por meio de um sistema de loterias, que escolhe aleatoriamente municípios brasileiros para terem suas contas públicas auditadas. O sorteio ocorre em Brasília de dois a quatro meses e seleciona até 60 municípios, com até 500 mil habitantes, para receber de 10 a 15 auditores, que irão se certificar de que as verbas federais estão sendo gastas da maneira certa, garantindo a qualidade dos serviços públicos oferecidos em cada local. Entre julho de 2006 e março de 2013, foram realizadas 40 loterias, totalizando 2.241 auditorias, em 1.949 municípios brasileiros, que analisaram mais de 22 bilhões de reais em recursos federais.

Após a conclusão das auditorias, os relatórios são enviados para a CGU e são disponibilizados no site da instituição, além de serem encaminhados ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Polícia Federal (PF) e ao Poder Legislativo Municipal. Consequentemente, o programa configura uma importante arma no combate à corrupção política no Brasil, de modo que as informações coletadas são utilizadas em investigações, campanhas políticas, pesquisas e ações contra corrupção em todo o país.

No intuito de mensurar os efeitos desse programa no combate à corrupção política nos municípios brasileiros, os pesquisadores utilizaram os relatórios do programa da CGU, em conjunto com dados socioeconômicos e de processos eleitorais dos municípios brasileiros, a partir de bases do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da Polícia Federal (PF), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Detalhes da Metodologia

A partir das bases de dados selecionadas e das características aleatórias do programa da CGU, os pesquisadores avaliaram o impacto das loterias públicas na corrupção local dos municípios brasileiros selecionados. Para isso, os pesquisadores compararam os níveis de corrupção de municípios que foram auditados uma única vez, com municípios que haviam sido auditados mais de uma vez. Já que o sistema de loterias é aleatório e todos os municípios possuem as mesmas chances de serem auditados, é possível estimar os efeitos das auditorias nos níveis de corrupção observados em cada um desses municípios.

Ao revisar os dados da CGU, os pesquisadores diferenciam dois tipos de irregularidades. O primeiro tipo refere-se às irregularidades que ocorreram devido a atos de corrupção política. O segundo tipo de irregularidade caracteriza-se como decorrências de má administração, como o preenchimento errado de um formulário ou armazenagem indevida de suprimentos, por exemplo.

 É possível afirmar que o estudo tem foco nos atos de corrupção política nos mandatos que ocorreram entre os anos de 2004 a 2008 e de 2008 a 2012. Entretanto, a base de dados contempla um período mais extenso, entre 2006 a 2013. Nesse período, dentre os 1.949 municípios auditados, 14% foram auditados mais de uma vez, sendo que 253 haviam sido sorteados duas vezes, 18 municípios haviam passado por três auditorias e 1 município foi selecionado quatro vezes.

A partir da análise, os autores distinguiram quatro mecanismos pelos quais as auditorias públicas aleatórias contribuem para o combate à corrupção política no Brasil:

  1. Responsabilidade Eleitoral – Caso um prefeito, que está apto a se reeleger, perceba que existe uma probabilidade de ser exposto em uma eleição como um político corrupto, por meio de uma auditoria, aumenta-se a chance desse político escolher não praticar atos de corrupção;
  2. Responsabilidade Jurídica – Se o fato de ser auditado aumenta os custos legais ou causa danos à reputação de um agente político, prefeitos podem preferir não praticar atos corruptos, mesmo se não estiverem aptos à reeleição;
  3. Seleção Política – Se as auditorias permitem que os cidadãos identifiquem políticos corruptos, é possível que os eleitores prefiram votar em candidatos com melhores reputações, privilegiando políticos melhores por meio do processo eleitoral;
  4. Entrada Política – Se as auditorias impactam no ambiente político dos municípios selecionados, novos candidatos menos corruptos poderão concorrer, melhorando as condições políticas do município como um todo.

Resultados

Os resultados encontrados pelos autores comprovam a importância que auditorias possuem no combate à corrupção política. De um modo geral, os dados apontam para uma redução de 8% na identificação de práticas corruptas em municípios que foram previamente auditados, além de um aumento de 20% em ações legais contra políticos corruptos. Para ajudar a quantificar esse impacto, os autores argumentam que, em média, um município brasileiro recebe cerca de 15 milhões de reais anualmente e, de acordo com os dados, cerca de 30% dos valores auditados foram alvo de algum ato de corrupção. Isso indica que os procedimentos de auditoria reduzem aproximadamente 355 mil reais por ano e por município, em média.

Com relação aos demais testes realizados, os autores não encontraram resultados robustos que apontam para uma redução nos níveis de corrupção em municípios com melhores indicadores socioeconômicos. Já no que se refere a auditorias em municípios vizinhos, os resultados são robustos quando esses municípios possuem cobertura de mídia, de modo que os resultados das auditorias são divulgados regionalmente. Para localidades com cobertura de Rádio AM, auditorias em municípios vizinhos reduziu a identificação de atos corruptos em 7,5%, enquanto que a presença de mídia televisiva impactou negativamente a incidência de atos corruptos em 10,4%.

Outro fator analisado foi a presença de instituições jurídicas. Após auditorias, municípios com essas instituições aumentam a probabilidade de ações legais contra políticos corruptos em 35,4%, em comparação com locais sem essa presença. Auditorias também afetam ciclos políticos, principalmente em municípios nos quais prefeitos foram recentemente auditados ou buscam reeleição, de modo que a redução observada atinge 12,7%.

Lições de Política Pública

A pesquisa demonstra a eficácia de auditorias no combate à corrupção em municípios brasileiros. Isso ocorre em função da utilidade que as informações provenientes desses procedimentos de controle possuem em investigações, processos jurídicos e campanhas eleitorais. Aumentar e melhorar a realização de procedimentos idôneos de auditoria das contas públicas municipais mostra-se como um bom caminho no combate à corrupção política, uma vez que fortalece as instituições e reforça negativamente os incentivos de praticar atos indevidos. No entanto, os autores reforçam que além de incrementar os meios de identificar práticas corruptas, também é necessário melhorar a capacidade de processar políticos corruptos. Reforçar as instituições capazes de realizar auditorias aleatórias e bem estruturadas mostra-se como uma forma viável de caminhar nessa direção.

Referência

AVIS, Eric; FERRAZ, Claudio; FINAN, Frederico. Do government audits reduce corruption? Estimating the impacts of exposing corrupt politicians. Journal of Political Economy, v. 126, n. 5, p. 1912-1964, 2018.