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ECONOMIA E GESTÃO.

Bolsa família aumenta o gasto alimentar?

06 nov 2020

Pesquisador responsável: Eduarda Miller de Figueiredo

Título do artigo:  IMPACT OF THE BOLSA FAMILIA PROGRAM ON FOOD AVAILABILITY OF LOW-INCOME BRAZILIAN FAMILIES: A QUASI EXPERIMENTAL STUDY

Autores do artigo: Ana Paula Bortoletto Martins e Carlos Augusto Monteiro

Localização da intervenção:  Brasil

Tamanho da amostra: 11.282 domicílios

Grande tema:  Política Econômica e Governança

Tipo de Intervenção: Transferência de renda

Variável de interesse principal: Gasto alimentar

Método de avaliação:  Outros – Quase experimental

Problema de Política

Os programas condicionados de transferência de renda, CCTP, possuem como objetivo o combate a pobreza e a desigualdade social, onde as transferências de renda ocorrem condicionadas à uma série de regras que englobam a área de saúde, educação e serviços sociais.

Esse tipo de programa foi criado nos anos 90, mas sua expansão só ocorreu em 2001 com os programas “Bolsa Escola”, “Bolsa Alimentação”, “Auxílio Gás” e “Cartão Alimentação”. Em 2003, esses programas foram unificados no Programa Bolsa Família (PBF) que, de acordo com os autores, possui três focos:

“i) transferência de renda para promover o alívio imediato da pobreza;

ii) condicionalidades que reforçam o acesso aos direitos sociais básicos em educação, saúde e assistência social;

iii) programas complementares voltados ao desenvolvimento das famílias, para que sejam capazes de superar a vulnerabilidade”.

Em 2009, as famílias que podiam se eleger para receber o PBF tinham que possuir renda per capita inferior a R$ 70,00, independentemente da composição familiar, ou renda per capita inferior a R$ 140,00 para famílias com crianças, adolescentes, mulheres grávidas ou que amamentam. Os benefícios variavam de R$ 68,00 – R$ 200,00 por família e, em 2012, o programa beneficiou o total de famílias em situação de pobreza conforme estimado pelo Censo Demográfico Brasileiro de 2010.

Contexto de Avaliação

Um estudo do impacto do PBF nas despesas com alimentos no nordeste rural em 2005, demonstra que houve um aumento no gasto alimentar anual nas famílias beneficiárias. Outros estudos também demonstraram essa associação, mas apontaram uma maior ingestão de biscoitos, doces e refrigerantes entre as crianças beneficiadas, mesmo com a falta de representatividade na amostra, conforme os autores argumentam.

As avaliações do Bolsa Família não consideram o consumo de alimentos processados industrialmente, mesmo que esse tipo de alimentos tenha impactos importantes na saúde da população, como obesidade e outras doenças crônicas.  Logo, o objetivo deste estudo foi avaliar o impacto do PBF nas compras de alimentos de famílias de baixa renda no Brasil, utilizando um desenho metodológico apropriado para a seleção do grupo de controle e, assim, obtendo resultados robustos sobre os efeitos causais.

Detalhes da Política

Foram analisadas as compras de itens alimentares para consumo domiciliar da família por sete dias consecutivos através dos registros feitos pela família ou por entrevistadores do IBGE. Alimentos comprados fora de casa não foram registrados, mas a Pesquisa de Orçamento Domiciliar também registrou informações de aquisição não monetária de alimentos, como troca, doação ou autoprodução. Conheça todas as informações sobre Lightning Roulette Bet365 , um jogo de roleta ao vivo desenvolvido pela Evolution Gaming.

As quantidades totais de cada item alimentar foram convertidas em energia através da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos e da USDA Food Composition Table. Assim, a energia per capita diária total foi a soma das calorias de cada alimento, dividido pelo número de moradores, que depois foi dividido pelos sete dias da pesquisa. Os itens foram agrupados de acordo com o processamento industrial dos alimentos:

Grupo 1Alimentos in natura ou minimamente processadosAlimentos naturais somente com a remoção de partes não comestíveis e sem dependência de substâncias.Arroz, feijão, farinha de mandioca, farinha de trigo, macarrão, carne, leite, ovos, peixe, frutas, legumes, raízes, tubérculos e outros.
Grupo 2Ingredientes culinários processadosSubstâncias obtidas diretamente do grupo 1 – para preparar, temperar e cozinhar.Açúcar, sal, óleo vegetal, gordura animal.
Grupo 3Produtos alimentícios processadosAlimentos com substância adicionadas.Vegetais enlatados ou engarrafados, frutas e legumes, carne salgada, curada ou defumada, peixe enlatado, frutas em calda.
Grupo 4Produtos ultra processados para alimentos e bebidasFormulações industriais com 5 ou mais ingredientes e substâncias, passíveis de substituir alimentos dos grupos 1 e 2.Bebidas carbonatadas, lanches doces ou salgados, sorvetes, chocolates, margarinas e pastas, biscoitos, cereais matinais, bebidas de cacau, prontos para aquecer.

Para observar o impacto do programa na compra de alimentos, houve a comparação dos valores médios entre os blocos de beneficiários e não beneficiários através de dois indicadores: o gasto semanal (R$) e a disponibilidade diária de energia (kcal).

Método de Avaliação

Nos anos de 2008 e 2009 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou a Pesquisa de Orçamento Familiar, onde seu banco de dados foi empregado neste estudo. Foram selecionadas famílias consideradas de baixa renda, ou seja, com renda mensal per capita inferior a R$ 210,00. Esse valor foi escolhido pois o ponto de corte do Bolsa Família é R$ 140,00 renda per capita, dessa forma 50% desse valor corresponde ao montante de R$ 70,00. Logo, a soma desses valores totaliza a quantia de renda per capita utilizada como ponto de corte para selecionar as famílias para a pesquisa, compensando imprecisões nas informações de renda. Nos registros de renda individual na pesquisa de orçamento, foram identificados como beneficiários do PBF aquelas famílias que um dos indivíduos declarou receber algum valor do Bolsa Família durante os 12 meses anteriores à coleta de dados. Desta forma, 11.282 domicílios foram elegíveis, no qual 48,5% são beneficiários do Programa Bolsa Família.

Como os domicílios não foram inicialmente randomizados em grupos que receberiam e não receberiam a transferência de renda do PBF, pode-se dizer que o desenho desta pesquisa foi um estudo quase experimental. Mas os grupos de famílias foram emparelhadas através dos escores de propensão das características sociodemográficas e econômicas que poderiam vir influenciar na disponibilidade de alimentos nas famílias, assim reduzindo os possíveis vieses na estimativa.  As características utilizadas são: renda per capita mensal, proporção de gasto alimentar fora do domicílio, escolaridade do chefe de família, número de pessoas na família, número de quartos, número de banheiros, proporção de domicílios com água encanada e distribuição de indivíduos por gênero e faixa etária.  Para as famílias beneficiárias, calculou-se o valor per capita mensal do benefício e a participação no total da renda per capita.

Os domicílios foram agrupados em blocos de beneficiários e não beneficiários do PBF, utilizando o escore de propensão. Dessa forma, formou-se 117 pares de blocos de famílias beneficiárias e não beneficiárias, todas com os escores de propensão similares. Com o benefício do Bolsa Família, os beneficiários receberam R$ 20,20 per capita por mês, em média. Essas famílias que participam do programa possuem uma menor renda per capita mensal, menor nível educacional, menores gastos com alimentos fora de casa, além de apresentar uma proporção maior de jovens. Em relação a posição geográfica, as famílias beneficiárias estão mais presentes na região Nordeste e as não beneficiárias estão situadas no Sudeste, Sul e Centro-Oeste. A região Norte tem uma proporção semelhante de famílias beneficiárias e não beneficiárias. Além do mais, a maioria das famílias do PBF estão localizadas nas áreas rurais do Brasil.                                                                                                                                                                                                                                                                                     

Principais Resultados

Com o programa Bolsa Família, o gasto semanal per capita total com alimentos foi em torno de 6% maior nas famílias beneficiárias. Ao observar esse gasto entre os grupos, observou-se que as famílias participantes do programa tiveram um gasto de 7,7% a mais com alimentos in natura ou minimamente processados (grupo 1) do que as famílias não participantes, já em relação aos ingredientes culinários (grupo 2), o gasto foi 18% maior para as famílias beneficiárias. Nos grupos 3 e 4 não houve diferença nas despesas. Dessa forma, fica demonstrado que a participação no PBF não influencia na compra de alimentos processados ou ultra processados.

Em relação ao impacto do programa na disponibilidade de energia, os beneficiários apresentaram 115,5 kcal a mais em disponibilidade de alimentos do que os não beneficiários, onde a maior parte de compras foi de alimentos do grupo 1.  Esse resultado que expressa uma maior disponibilidade de calorias é interessante, visto que esse é um índice que em famílias de baixa renda está abaixo da média nacional (1.611 kcal).

Lições de Política Pública

A pesquisa demonstra que o programa condicionado de transferência de renda para famílias de baixa renda, Bolsa Família, contribuiu para maiores gastos em alimentos, nos quais a maioria são alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários. Mas os efeitos sutis do PBF também indicam que apenas o aumento de renda não é suficiente para promover melhorias substanciais na dieta, sendo necessário políticas públicas para incentivar o consumo de alimentos saudáveis.

Referência

MARTINS, Ana Paula Bortoletto; MONTEIRO, Carlos Augusto. Impact of the Bolsa Família program on food availability of low-income Brazilian families: a quasi experimental study. BMC Public Health, v. 16, n. 1, p. 827, 2016.