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ECONOMIA E GESTÃO.

Como as medidas de intervenção podem fortalecer a relação entre paciente e profissional de saúde?

30 jan 2023

Pesquisadora responsável: Viviane Pires Ribeiro

Título do Paper: Building Resilient Health Systems: Experimental Evidence from Sierra Leone and the 2014 Ebola Outbreak

Autores:  Darin Christensen, Oeindrila Dube, Johannes Haushofer, Bilal Siddiqi e Maarten Voors

Localização da Intervenção: Serra Leoa

Tamanho da Amostra: 5.080 domicílios

Grande tema: Saúde

Variável de Interesse principal: Sistema de Saúde

Tipo de Intervenção: Monitoramento comunitário e premiação não financeira

Metodologia: Randomização

A melhoria da qualidade percebida dos cuidados de saúde pode promover a saúde da comunidade e, em última análise, ajudar a conter epidemias? Buscando responder essa questão, Christensen et al. (2021) utilizam um experimento de campo, no contexto da crise do Ebola na África Ocidental em 2014, para avaliar dois programas destinados a melhorar a utilização de clínicas administradas pelo governo e a qualidade do atendimento prestado nessas instalações. Um programa focado no monitoramento da comunidade e o outro programa conferindo prêmios não financeiros ao pessoal da clínica. Os resultados, em geral, apontam que promover a responsabilização não só tem o poder de melhorar os sistemas de saúde em tempos normais, mas também pode torná-los mais resilientes a crises emergentes.

Contexto da Avaliação

Os países em desenvolvimento são caracterizados por altas taxas de mortalidade e morbidade. Um potencial fator contribuinte é a baixa utilização dos sistemas de saúde, decorrente da baixa qualidade percebida dos cuidados prestados pelo pessoal dessa área. Esse fator não apenas frustra o tratamento de doenças endêmicas, mas também pode prejudicar a contenção de epidemias emergentes. A contenção de epidemias exige o cumprimento das diretrizes de saúde pública relacionadas, por exemplo, os testes e a quarentena. Conforme evidenciado pelos surtos de Covid-19, Zika e Ebola, as epidemias e pandemias se repetem com efeitos locais e globais devastadores.

Em setembro de 2014, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) descreveu a epidemia de Ebola na África Ocidental como a mais grave emergência aguda de saúde pública vista nos tempos modernos, a Serra Leoa, oficialmente República da Serra Leoa, foi um dos países que tiveram os problemas crônicos de saúde agravados por essa crise. 

No final da crise, início do ano de 2016, quando os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estimaram mais de 28.000 casos confirmados, suspeitos ou prováveis, Serra Leoa respondeu por cerca de metade desses casos e pouco menos de 4.000 mortes.

Detalhes da Intervenção

Antes do surto de Ebola em Serra Leoa, Christensen et al. (2021) projetaram um experimento de campo, em larga escala, para avaliar dois programas destinados a melhorar a utilização de clínicas administradas pelo governo e a qualidade do atendimento prestado nessas instalações. O período de pesquisa permitiu examinar os efeitos dos programas tanto em “condições normais” quanto durante a crise do Ebola que se seguiu (a pesquisa final foi concluída em junho de 2013 e o primeiro caso de Ebola foi relatado em maio de 2014). Posteriormente, os autores avaliaram os efeitos desses programas durante a epidemia de Ebola que se seguiu. Assim, foi possível observar se as intervenções contribuíram para a resiliência do sistema de saúde.

A pesquisa foi realizada incluindo 318 clínicas de saúde primária. Dentre estas, analisou-se 254 clínicas, de modo que todas as clínicas da amostra foram separadas por pelo menos 3 quilômetros de distância para minimizar os transbordamentos. No início do estudo, as clínicas tinham, em média, pouco mais de dois funcionários presentes e funcionava seis dias por semana, atendendo cerca de 450 pacientes por mês.

Mais de 80% das clínicas tinham paredes e tetos em boas condições, acesso à água encanada ou protegida e estoques de medicamentos básicos (por exemplo, sais de reidratação oral e antibióticos). No entanto, apenas 10% delas tinham iluminação elétrica funcional.

Detalhes da Metodologia

Christensen et al. (2021) atribuíram aleatoriamente 254 clínicas a uma das duas intervenções ou controle, em parceria com o Governo de Serra Leoa e três Organizações não Governamentais (ONGs) internacionais. A primeira intervenção, Monitoramento Comunitário (MC), forneceu informações aos pacientes e um fórum público para monitorar os profissionais de saúde da linha de frente. A intervenção distribuiu fichas para classificar os serviços de saúde locais e convocou reuniões de interface entre membros da comunidade e profissionais de saúde para discutir essas classificações e desenvolver “planos de ação conjuntos” para melhorar a prestação de serviços.

A segunda intervenção forneceu prêmios não financeiros (NFA) para melhorar as clínicas. A equipe clínica foi incentivada a desenvolver planos de ação, e as clínicas vencedoras recebiam placas de parede e cartas de recomendação do governo distrital. Nenhum dos programas fornecia recursos para clínicas; em vez disso, eles pretendiam motivar os profissionais de saúde a fornecer atendimento de maior qualidade sob as restrições de recursos existentes.

Visando testar se as intervenções contribuem para a resiliência do sistema de saúde, questionou se elas afetam a notificação de casos de Ebola. Para tanto, os autores usaram um banco de dados não identificado mantido pelo Governo da Serra Leoa e Centros de Controle e Prevenção de Doenças para construir contagens semanais de pacientes testados e confirmados em pequenas unidades administrativas chamadas seções. A pesquisa concentrou-se nas 160 seções que continham uma única clínica da amostra experimental, o que permitiu a codificação inequívoca do estado de tratamento de cada seção.

As 254 clínicas da amostra foram agrupadas em trio pareados usando o algoritmo de pareamento não bipartido de Greevy e Beck (2016). As clínicas em um trio se enquadravam no mesmo distrito e exibiam níveis semelhantes de utilização e desempenho na linha de base. Bloqueando trios combinados, foram randomizadas 84 clínicas para controle, 85 para Monitoramento Comunitário (CM) e 85 para Prêmios Não Financeiros (NFA).

Resultados

Dois anos antes do surto do Ebola na África Ocidental em 2014, Christensen et al. (2021) atribuíram aleatoriamente duas intervenções a clínicas de saúde administradas pelo governo de Serra Leoa, uma focada no monitoramento da comunidade e a outra conferindo prêmios não financeiros ao pessoal da clínica. Antes da crise do Ebola, ambas as intervenções aumentaram a utilização da clínica e a satisfação do paciente. O monitoramento comunitário também melhorou a saúde infantil, resultando em 38% menos mortes de crianças menores de cinco anos. Mais tarde, durante a crise, as intervenções também aumentaram a notificação de casos de Ebola em 62%, e o monitoramento da comunidade reduziu significativamente as mortes relacionadas ao Ebola.

Evidências sobre os mecanismos indicam que ambas as intervenções melhoraram a qualidade percebida dos cuidados de saúde, encorajando os pacientes a relatar os sintomas do Ebola e receber cuidados médicos. As melhorias nos resultados de saúde sob o monitoramento da comunidade sugerem que essas mudanças refletem, em parte, um aumento na qualidade subjacente dos cuidados administrados.

Por tanto, o estudo aponta que as melhorias na percepção da qualidade do atendimento nas clínicas de intervenção levaram a um aumento de relatórios durante a crise, e as melhorias nos cuidados administrados nas clínicas monitoramento comunitário também persistiram no período de crise. Assim, o monitoramento da comunidade tem efeitos qualitativamente mais fortes do que os prêmios não financeiros ao pessoal da clínica antes da crise e durante o surto de Ebola. Isso sugere que envolver a comunidade na promoção da responsabilização pode ser especialmente eficaz na melhoria da qualidade dos serviços de saúde.

Lições de Política Pública

Os resultados observados não só indicam melhorias quando as intervenções foram implementadas no sistema de saúde a curto prazo, bem como a resiliência em relação as crises que ocorrem a longo prazo. Segundo Christensen et al. (2021), o aumento de pacientes na utilização dos serviços de saúde no período pré-Ebola, mesmo não sendo alto, tem efeito significativos durante a pandemia do Ebola.

Isso sugere que os incentivos contribuíram nas mudanças moderadas na percepção da qualidade do atendimento. Portanto, podem fortalecer os sistemas de saúde durante as crises e pagar dividendos substanciais durante esses períodos críticos. Se essas intervenções também forem eficazes em outros contextos, elas podem constituir uma abordagem promissora para a preparação para futuras crises de saúde.

As melhorias nos resultados de saúde sob o monitoramento da comunidade indicam que essas mudanças refletem, em parte, um aumento na qualidade subjacente dos cuidados administrados. No geral, os resultados apontam que promover a responsabilização não só tem o poder de melhorar os sistemas de saúde em tempos normais, mas também pode torná-los mais resilientes a crises emergentes.

Referências

CHRISTENSEN, Darin et al. Building resilient health systems: Experimental evidence from sierra leone and the 2014 ebola outbreak. The Quarterly Journal of Economics, v. 136, n. 2, p. 1145-1198, 2021.