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ECONOMIA E GESTÃO.

Como políticas de transferência afetam o apoio ao Governo?

02 out 2020

Pesquisador responsável: Adriano Valladão Pires Ribeiro

Título do artigo:  GOVERNMENT TRANSFERS AND POLITICAL SUPPORT

Autores do artigo: Marco Manacorda, Edward Miguel e Andrea Vigorito

Localização da intervenção:  Uruguai

Tamanho da amostra: 2232 famílias

Grande tema:  Política Econômica e Governança

Tipo de Intervenção: Transferência de dinheiro

Variável de interesse principal: Apoio ao governo

Método de avaliação:  Regressão descontínua

Problema de Política

Questões sobre como o apoio ao governo é impactado pelas políticas públicas implementadas são de amplo interesse e difícil mensuração. Dada sua elaboração, um programa antipobreza de transferência no Uruguai permitiu avanços no tema. Foi possível estimar o efeito das transferências no apoio ao governo entre os beneficiários do programa quando comparado com os não beneficiários.

Contexto da Avaliação

O Uruguai enfrentou enfrentou uma forte crise econômica entre 2001 e 2002, com queda na renda per capita e aumento da pobreza e do desemprego. Mesmo ensaiando uma recuperação em 2004, o partido que estava no poder desde 1995 não conseguiu se reeleger, dando espaço ao partido de esquerda Frente Amplio assumir em março de 2005. Nesse contexto de recuperação, o novo governo, já em abril de 2005, implementou o maior programa antipobreza do país até então, o Plan de Atención Nacional a la Emergencia Social (PANES).

Detalhes da Intervenção

O PANES foi um programa de ajuda temporário que durou até dezembro de 2007 e tinha dois objetivos. Primeiro, prover assistência às famílias afetadas pela crise de 2001-2002 e, segundo, fortalecer o capital humano e social dos mais pobres para que eles pudessem eventualmente sair dessa condição. O principal elemento do programa consistia em transferências mensais de dinheiro que independiam do tamanho da família. As transferências eram significantes e somavam mais da metade da renda média reportada pelos beneficiários do programa antes do começo do auxílio. Famílias com crianças e mulheres grávidas também receberiam um cartão alimentação com valores limitados a depender do número de crianças e grávidas. Cerca de 70% das famílias beneficiadas receberam o cartão.

O Ministério do Desenvolvimento Social foi responsável por coletar informações sobre as famílias, o domicílio, a renda, o trabalho e escolaridade dos quase 190 mil aplicantes ao programa. Mais de 102 mil famílias se tornaram beneficiárias, o que correspondia a cerca de 10% de todas as famílias e 14% da população do Uruguai. Para determinar quem seriam os beneficiários do PANES, foi-se usado uma pontuação considerando apenas as características socioeconômicas das famílias. A fim evitar qualquer tipo de manipulação, tanto os coletadores de dados quanto as famílias não sabiam que a elegibilidade viria por meio da uma pontuação, nem quais as variáveis e pesos que seriam utilizados. Estariam elegíveis ao programa famílias abaixo de certa pontuação (limite de elegibilidade).

Após a coleta inicial de dados, duas outras pesquisas foram feitas. A primeira entre outubro de 2006 e março de 2007, em que, além das informações sobre a casa, a composição familiar, bens duráveis, trabalho, renda, escolaridade, assistência médica, conhecimento de direitos e participação em grupos sociais, também foi coletado informações sobre a satisfação econômica, opinião sobre o desenho do programa e orientação política do respondente, o que incluía apoio ao governo em exercício, a variável de interesse do estudo. A segunda entre fevereiro e março de 2008, após o término do programa em dezembro de 2007, bastante similar a pesquisa anterior, porém com perguntas adicionais sobre posicionamentos sociais e políticos.

Metodologia

Para avaliar o apoio político do PANES ao partido que o implementou, foi-se usada uma amostra com 2.232 famílias que se incresceveram no programa cujas pontuações estavam próximas do limite de elegibilidade. A ideia é comparar famílias elegíveis e inelegíveis que, por estarem próximas do limite, teriam características socioeconômicas muito parecidas e, assim, a única grande diferença seria quanto a receber ou não a transferência de dinheiro. Portanto, diferenças na média das repostas dos questionários quanto a posição política dos grupos poderiam ser inferidas como causadas pelo auxílio financeiro do governo.

Alguns pontos sobre a qualidade no desenho do programa para evitar potenciais manipulações e fraudes e, desta forma, garantir a veracidade dos resultados da pesquisa merecem destaque. Primeiro, constatou-se que o limite de eligibilidade funcionou, isto é, famílias que estavam abaixo do limite receberam a tranferência e as que estavam acima não receberam. Segundo, a regra quanto a pontuação de cada família foi criada após a coleta de dados, não havendo a possibilidade de manipulação nas respostas ao questionário dos respondentes ou dos aplicadores. Terceiro, a regra sobre a pontuação só se tornou pública após o encerramento do programa. Por último, precauções quanto ao questionário político foram tomadas para que os respondentes não agissem estrategicamente em suas respostas com medo de perderem o auxílio governamental.

Resultados

O impacto do PANES no apoio ao governo foi mensurado pelas respostas à seguinte pergunta: “Em relação ao governo anterior, você acredita que o atual governo é pior (0), igual (1/2) ou melhor (1)?”. Esta questão era parte do questionário aplicado tanto ao longo do programa quanto após seu término, a média das respostas se restringe ao intervalo entre 0 e 1, com valores próximos de 1 representando maior apoio ao governo em exercício. Como mencionado anteriormente, a diferença na média das respostas entre os grupos elegíveis e inelegíveis às transferências próximo do limite de elegibilidade é o que permite comparar qual impacto do programa quanto ao apoio ao governo.

Impacto reportado durante o programa: Na pesquisa feita entre o final de 2006 e o início de 2007, o apoio ao governo das famílias elegíveis ao PANES era de 0.90 e o das famílias inelegíveis de 0.77. Portanto, a elegilibade ao programa está associado a um aumento de 13 pontos percentuais.

Impacto reportado após o programa: Quanto a pesquisa feita em 2008, após o término do programa, os resultados são semelhantes, ainda que menores. O aumento do apoio ao governo entre os beneficiários do PANES é estimado entre 8 e 12 pontos percentuais.

Verifica-se, então, um aumento expressivo de apoio ao governo que implementou o programa de transferência, mesmo após a finalização do programa.

Lições de Política

Podemos aprender com os resultados e com o desenho do programa. Primeiro, os resultados desse estudo indicam que políticas governamentais de transferências podem ter efeitos grandes e persistentes na visão política dos beneficiários. Segundo, há diversos problemas potenciais nesse tipo de mensuração, em destaque a possibilidade de se confundir a causalidade dos fatos (no caso, os beneficiários do programa seriam as famílias que já apoiava o governo) e a manipulação na resposta dos questionários. Um bom desenho do programa e de sua implementação, contudo, mostram que não apenas tais problemas podem ser evitados, como os resultados gerados são confiáveis.

Referência

Manacorda, Marco; Miguel, Edward; Vigorito, Andrea. "Government Transfers and Political Support." American Economic Journal: Applied Economics, 3 (3): 1-28. 2011.