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ECONOMIA E GESTÃO.

O Programa Bolsa Família é capaz de reduzir a pobreza no Brasil?

27 ago 2020

Pesquisador responsável:  Angelo Cruz do Nascimento Varella

Título do artigo: A EFICÁCIA DAS TRANSFERÊNCIAS DE RENDA: AS TENDÊNCIAS DA DESIGUALDADE ANTES E DEPOIS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Autores do artigo:  Carlos Rosano Peña; Danielle Sandi Pinheiro; Pedro H. M. Albuquerque; Loyane Mota Fernandes;

Localização da intervenção: Brasil

Tamanho da amostra: Renda média domiciliar per capita por décimos da população, dos 27 estados brasileiro, entre 1999 e 2009

Grande tema: Política Econômica e Governança

Variável de interesse principal: Redução da pobreza

Tipo de Intervenção: Análise dos efeitos do Programa Bolsa Família na redução da pobreza a partir de dados coletados da PNAD, no período entre 1999 e 2009

Método de avaliação: Diferenças em Diferenças

O Problema de Política

O Brasil é um país emergente com elevados níveis de pobreza e desigualdade socioeconômica. Em 2013, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicou que a renda apropriada de 1% da parcela mais rica da população brasileira era cerca de 17 vezes maior do que a renda dos 40% mais pobres, o que demonstra uma forte concentração dos recursos financeiros, que era observada em todas as regiões do país.

A miséria, a concentração de renda e a desigualdade regional são problemas estruturais brasileiros, que se aprofundaram com a expansão econômica nacional. Vários fatores como baixos níveis de instrução, serviços públicos insuficientes e sem qualidade, corrupção, elevada carga tributária e desigualdades de oportunidades agravam esse cenário de discrepâncias e reproduzem um ciclo vicioso de pobreza no Brasil, no qual indivíduos pertencentes às classes mais pobres não conseguem melhorar seus níveis de renda e a mobilidade social é prejudicada.

Tais efeitos impactam negativamente o desenvolvimento econômico brasileiro. Segundo os pesquisadores, as políticas públicas tradicionais adotadas no país priorizaram erroneamente o crescimento econômico como fator principal de desenvolvimento inclusivo, durante décadas. Entretanto, a partir do final do século XX, o Brasil passou a adotar políticas públicas de redistribuição de renda, no intuito de mitigar os efeitos da desigualdade e reduzir os malefícios provenientes da pobreza e da miséria.

O Contexto de Implementação e de Avaliação

Na virada do século XX, políticas públicas de redistribuição de renda e auxílio contra a pobreza e a miséria surgiram no Brasil como uma solução aos problemas de desigualdades socioeconômicas. Políticas públicas como os Programas de Erradicação do Trabalho Infantil, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, entre outros, visavam reduzir a pobreza no curto prazo e impedir que as novas gerações permanecessem vítimas da desigualdade social. Cada um desses benefícios exigiam contrapartidas das famílias contempladas, como exames pré-natais para gestantes, aleitamento materno, vacinação infantil e frequência escolar acima de 85% para crianças entre 6 a 15 anos.

Em 2003, o então Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) unificou os programas federais de transferência de renda no Programa Bolsa Família (PBF), cujo principal objetivo era integrar os auxílios federais concedidos às famílias em situação de pobreza de acordo com o número de crianças e adolescentes que integravam o núcleo familiar. Assim, buscou-se centralizar e otimizar a gestão federalizada, melhorando a execução dos programas assistenciais e mantendo-se a lógica de contrapartidas por parte das famílias e de implementação de sistemas de acompanhamento e monitoramento.

Durante a primeira década de implementação, o PBF foi consideravelmente ampliado. Entre 2003 e 2012, o programa passou de um orçamento de 3,2 bilhões de reais para atender a 3,6 milhões de famílias, para um total de 20,2 bilhões de reais, atendendo a 13,7 milhões de lares brasileiros. Consequentemente, o programa passou a ser amplamente debatido, de modo que um dos principais questionamentos refere-se à capacidade do PBF em combater a pobreza e reduzir a desigualdade social.

Detalhes da Política/Programa

De acordo com o MDS, o PBF considerava indivíduos em situação de pobreza extrema quando sua renda familiar per capita era inferior a R$ 70 por mês. Por sua vez, considerava-se em condição de pobreza o indivíduo cuja renda familiar por pessoa estivesse entre R$ 70 e R$ 140 por mês. De acordo com a quantidade de filhos, sejam crianças ou adolescente, os benefícios variavam de R$ 32 a R$ 306 mensais. Qualquer família que fosse enquadrada nessas características, teria direito ao benefício, de modo que a cada dois anos os cadastros são revisados para averiguar o atendimento das condições de recebimento. Cabe ressaltar que núcleos familiares aptos à participação no programa, mas que apresentaram dificuldades em atender as contrapartidas necessárias, recebiam acompanhamento assistencial do governo no intuito de retornar às condições estabelecidas.

No intuito de averiguar os desdobramentos da implementação do PBF e mensurar seus efeitos no combate à pobreza no Brasil, os pesquisadores utilizaram a base de dados IPEADATA, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), referente às proporções de renda da população brasileira de acordo com a renda domiciliar. Essa base de dados específica é criada a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divide a população brasileira em 10 classes, que descrevem a proporção da renda total apropriada por cada classe, de acordo com sua renda domiciliar per capita. Essa classificação pode ser observada na tabela a seguir para o período compreendido entre 1999 e 2009.

Tabela 01 - Proporção da renda total do país apropriada pelos 10 décimos da população segundo a renda domiciliar per capita

Fonte: Ipeadata (2013) com base nos dados do IBGE/Pnad (1999-2009). Elaboração: Peña et al. (2015).

O Método de Avaliação

A partir dos dados coletados, os pesquisadores dividiram a base em dois períodos. O primeiro, composto pelos anos de 1999 a 2003, representa o período anterior à implementação do PBF. O segundo, composto pelos anos de 2005 a 2009, representa o período posterior à implementação do programa. Assim, ao comparar ambos os períodos, é possível mensurar a probabilidade de um indivíduo pertencente a uma dessas classes aumentar ou diminuir seu nível de renda, transitando ou não entre as classes. Ou seja, caso seja possível identificar a transição entre as proporções das classes mais baixas para classes mais altas, a partir da implementação do PBF, é factível argumentar que o programa impactou diretamente no combate à pobreza e à miséria.

Ademais, ao comparar o mesmo fenômeno de transição de classes de renda no período anterior e posterior à implementação do PBF, é possível comparar a eficiência do programa unificado com o modelo composto por vários auxílios federais paralelos. Para tanto, os pesquisadores utilizam dois métodos comuns às análises de políticas públicas, no intuito de assegurar a veracidade dos resultados.       

Principais Resultados

Os resultados são divididos em duas partes:

  1. Antes do Programa Bolsa Família

Os resultados indicam que as políticas de transferência de renda anteriores ao PBF eram insuficientes para melhorar as condições de renda de indivíduos pertencentes às classes mais pobres. Mesmo no caso de longo prazo, no qual a simulação indicou transições levemente positivas de classes mais baixas para classes mais altas, o período estimado para a ocorrência da mudança era equivalente a centenas de anos. Ou seja, as probabilidades de melhorias das condições socioeconômicas das classes de renda inferiores foram mínimas e não demonstraram padrões benéficos de mobilidade social. Para a classe de renda mais baixa, por exemplo, as chances de permanecer na mesma classe social foi de 93%, com apenas 7% de chance de ascensão para a segunda classe mais baixa.

2. Depois do Programa Bolsa Família

Após a implementação do programa, os resultados obtidos apontam para uma situação melhor e mais propícia à mobilidade social. As probabilidades associadas com a permanência nas classes mais baixas diminuíram após o PBF, de modo que na classe mais pobre, a probabilidade de subir para a classe imediatamente superior foi de 67%. Já na segunda classe mais baixa, a probabilidade de ascensão para a próxima classe superior foi de 48%. Até mesmo o período de equilíbrio foi reduzido de centenas de anos para seis décadas. Ou seja, os resultados obtidos com a implementação do programa foi consideravelmente mais positiva e apresentou melhores condições para a mobilidade social e redução dos níveis de pobreza e miséria no país.

  • Lições de Política Pública

A partir da realização do estudo é possível afirmar que a implementação do Programa Bolsa Família teve impacto positivo no combate à desigualdade social, permitindo que as camadas mais pobres da sociedade obtivessem melhores condições de mobilidade social, reduzindo os níveis de pobreza e miséria no Brasil. Tais resultados indicam que a unificação dos programas anteriores de transferência de renda no PBF foi benéfica à sociedade brasileira, de modo que a evolução e aumento da abrangência do programa apresentaram impactos positivos na busca pela ruptura do “ciclo da pobreza”.

Dessa forma, é possível afirmar que a ampliação da abrangência e dos benefícios do programa possuem o potencial de reduzir os impactos negativos da pobreza e da miséria no Brasil, reduzindo as desigualdades socioeconômicas e mitigando a dinâmica do ciclo de exclusão social que perdura a pobreza extrema no país.

Referências

ROSANO PEÑA, Carlos et al. A eficácia das transferências de renda: as tendências da desigualdade antes e depois do Programa Bolsa Família. RAP: Revista Brasileira de Administração Pública, v. 49, n. 4, 2015.