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ECONOMIA E GESTÃO.

QUAIS AS DIFERENÇAS RACIAIS NAS ABORDAGENS POLICIAIS?

22 dez 2023

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Autor: Roland G. Fryer Jr

Título original: An Empirical Analysis of Racial Differences in Police Use of Force

Localização da Intervenção: Estados Unidos

Tamanho da Amostra: 5.000.000 abordagens policiais

Setor: Segurança pública

Variável de Interesse Principal: Violência policial

Tipo de Intervenção: Discriminação racial

Metodologia: Logit

Resumo

Até recentemente, as informações sobre tiroteios envolvendo policiais eram escassas e careciam de detalhes sobre os incidentes. A simples contagem do número de tiroteios policiais não explorava suficientemente se as discrepâncias raciais na frequência desses eventos eram resultado de má conduta policial ou diferenças no comportamento dos suspeitos. Nesse sentido, este estudo investigou as diferenças raciais no uso da força policial nos Estados Unidos. Empregando um modelo de otimização, os resultados revelaram que em situações de uso de força não letal, indivíduos negros e hispânicos têm até 50% mais probabilidade de vivenciarem alguma forma de força em interações com a polícia. Com relação ao uso da força policial envolvendo uso de força letal, não foram encontradas diferenças raciais significativas que implicam em aumento na incidência de tiroteios, tanto nos dados brutos quanto quando fatores contextuais são considerados.

  1. Problema de Política

O problema da brutalidade policial em relação a indivíduos negros nos Estados Unidos é um tema historicamente sensível e que tem gerado amplos debates públicos. A história do país está marcada por incidentes lamentáveis nos quais cidadãos afro-americanos foram vítimas de violência policial, levantando preocupações sobre o tratamento desigual e a aplicação seletiva da força por parte das autoridades. Além disso, o tema também relaciona-se com outras formas de desigualdades raciais no país, como as disparidades existentes no sistema de justiça criminal.

Esses casos destacam a relevância das persistentes desigualdades raciais nos Estados Unidos e suscitam o escrutínio sobre a forma como as autoridades lidam com esse problema. A identificação de como esse problema se manifesta é fundamental para o aprimoramento das práticas policiais, do treinamento e das políticas que regem as interações entre a polícia e a comunidade. No entanto, a disponibilidade de dados desse tipo de incidente são escassos e, quando disponíveis, podem incorrer em subnotificação durante o processo de compilação decorrente de possíveis conflitos de interesse com os próprios policiais e as suas corporações (Fryer, 2019).

  1. Contexto de Implementação da Política

Este estudo utilizou quatro conjuntos de dados separados para verificar diferenças raciais no uso de força policial, incluindo dois construídos especificamente para a pesquisa. Todos os resultados foram condicionados a uma interação. O estudo procurou lidar com a existência de vieses na coleta de dados decorrentes da reportagem dos próprios policiais, envolvendo possíveis conflitos de interesse que pudessem induzir à subnotificação.

Com esse intuito, as quatro fontes de dados empregadas procuraram retratar de forma conjunta as diferenças raciais no uso de força policial condicional a uma interação. As duas primeiras fontes de dados, provenientes do programa Stop, Question, and Frisk da cidade de Nova York e da Pesquisa de Contato entre Polícia e Público (PPCS), forneceram informações sobre o uso de força não letal, observadas tanto do ponto de vista policial quanto civil, respectivamente. As outras duas bases de dados incluíram resumos de eventos relacionados a tiroteios envolvendo policiais em 16 locais nos Estados Unidos e informações sobre interações entre civis e policiais em Houston, nas quais o uso de força letal poderia ter sido justificado legalmente. A utilização desse conjunto de dados permitiu a investigação das diferenças raciais em tiroteios envolvendo policiais tanto em termos de extensão quanto intensidade, analisando bases de dados com fontes distintas.

  1. Detalhes da Avaliação

O programa Stop, Question, and Frisk da cidade de Nova York provém de uma prática do Departamento de Polícia de Nova York na qual os policiais abordavam e questionavam pedestres, podendo também revistá-los em busca de armas ou itens ilegais. O conjunto de dados continha aproximadamente 5 milhões de observações. Essa base de dados forneceu informações detalhadas sobre uma ampla gama de usos de força, desde a colocação das mãos dos civis até o uso de cassetetes. O segundo conjunto de dados, PPCS, é uma pesquisa trienal de uma amostra nacionalmente representativa de civis, que incluía, do ponto de vista civil, uma descrição das interações com a polícia, abrangendo também o uso de força. Ambos conjuntos de dados são de uso público e facilmente acessíveis.

Os terceiro e quarto conjuntos de dados foram compilados por uma equipe de pesquisadores para os propósitos do estudo. Na terceira base de dados, foram considerados resumos de eventos de todos os incidentes nos quais um policial disparou sua arma contra civis - incluindo tanto acertos quanto erros - em três grandes cidades do Texas (Austin, Dallas e Houston), Denver, Seattle, nove condados grandes da Flórida, Jacksonville e no condado de Los Angeles, a fim de construir um conjunto de dados no qual é possível investigar as diferenças raciais em tiroteios envolvendo policiais. Dado que todas as pessoas nesses dados estiveram envolvidas em um tiroteio policial, a análise desses dados por si só permite estimar as diferenças raciais apenas no âmbito intensivo (por exemplo, se os policiais dispararam suas armas antes ou depois de o suspeito atacar).

Finalmente, o quarto conjunto de dados contém uma amostra aleatória de interações entre a polícia e civis do Departamento de Polícia de Houston a partir de códigos de prisão nos quais o uso de força letal é mais provável de ser justificado: tentativa de assassinato de um oficial de segurança pública, agressão a um oficial de segurança pública, resistência à prisão, evasão à prisão e interferência em uma prisão. Esses dados provêm de relatórios de prisão que variam em comprimento de duas a 100 páginas. Uma equipe de pesquisadores foi responsável por ler os relatórios de prisão e coletar quase 300 variáveis em cada incidente. Combinando isso com os dados de tiroteios envolvendo policiais de Houston, podemos estimar tanto a extensão (por exemplo, se um policial decide ou não atirar) quanto o âmbito intensivo.

  1. Método

O estudo apresentou estimativas da extensão das diferenças raciais no uso da força policial usando os quatro conjuntos de dados apresentados de forma separada. Para tal, foi empregado o método de regressão logística (Logit), comumente empregado para a análise de variáveis de resultado binárias. Referente às variáveis de resultado examinadas, observou-se inicialmente a probabilidade de interação policial condicionado à raça dos civis e considerando diferentes “conjuntos de risco”, ou seja, os conjuntos de civis que poderiam ser potencialmente parados. Além disso, essas interações foram desagregadas considerando o nível de força utilizada pelos policiais, separando-as por uso violento da força não letal: (i) colocar as mãos em um civil, (i) forçar contra a parede, (iii) algemar, (iv) sacar arma, (v) empurrar ao chão, (vi) apontar uma arma, (vii) usar spray de pimenta ou golpear com um cassetete. Adicionalmente, foram estimadas diferenças raciais em relação ao envolvimento em tiroteios. Foram estimados com a adição de várias especificações com relação ao vetor de covariáveis. Quando incorporados controles aos modelos, foram consideradas características demográficas, comportamento dos civis abordados, características da abordagem, características dos agentes policiais e efeitos fixos de ano.

A análise foi concluída por meio do desenvolvimento de um teste para discriminação, baseado nos modelos dos estudos de Knowles, Persico e Todd (2001) e Anwar e Fang (2006). O teste de Knowles et al. verifica preferências racistas ao analisar a taxa de sucesso de buscas realizadas por policiais em diferentes raças. O modelo deles pressupunha que a polícia buscava maximizar o número de buscas bem-sucedidas, levando em consideração o custo associado a essas abordagens. Caso existisse preconceito racial, o custo de realizar buscas em motoristas seria diferente entre as raças, implicando em uma taxa de buscas bem-sucedidas também diferenciada entre as raças. Todos os resultados do estudo foram condicionados a uma interação.

  1. Principais Resultados

As estimativas encontradas utilizando os dados sobre interações policiais do programa Stop and Frisk da cidade de Nova York indicaram grandes diferenças raciais. Quando observados os dados brutos, os civis negros e hispânicos apresentaram mais de 50 por cento mais chances de terem uma interação com a polícia que envolve algum uso de força. Controlando variáveis que representam características básicas, características da abordagem, comportamento do civil, e efeitos fixos do distrito e do ano, a razão de chances para negros e hispânicos quando comparados a brancos foi de 1,178 e 1,122, respectivamente. Especificamente em relação aos negros, esse grupo possui 21% mais chances do que brancos de lidar com uma abordagem onde o uma arma é sacada pelo policial. Adicionalmente, a razão de chances do uso não letal de força para negros em relação a brancos variou entre 1,175 e 1,275, diminuindo de acordo com o nível de intensidade da força empregada na abordagem.

Os resultados considerando os dados da Pesquisa de Contato entre Polícia e Público (PPCS) são qualitativamente semelhantes aos resultados dos dados de Nova York, porém quantitativamente diferentes em termos de magnitude. Negros e hispânicos apresentaram aproximadamente 1,3 ponto percentual a mais do que brancos de chances de relatar qualquer uso de força em uma interação policial em comparação à média de 0,7 por cento dos brancos. Ou seja, a razão de chances foi de 2,769 para negros e 1,818 para hispânicos. O autor justifica que as diferenças nas estimativas entre os dados Stop and Frisk e PPCS podem ser explicados pelas disparidades nas probabilidades básicas de uso de força e na representatividade nacional do PPCS versus a natureza específica do Stop and Frisk em áreas urbanas densas, bem como limitações das variáveis de localização presentes na base de dados PPCS.

As evidências encontradas a partir do modelos de Knowles, Persico e Todd (2001) e Anwar e Fang (2006) revelaram que, controlado ao comportamento dos civis, os policias apresentam abordagens com maior uso da força contra civis negros em relação a brancos. Ao avaliar a probabilidade de suspeitos envolvidos em tiroteios possuírem armas considerando a raça dos policiais envolvidos não foi verificada diferença estatisticamente significante entre o comportamento de policiais brancos e negros para suspeitos negros. No entanto, surpreendentemente, verificou-se que policias negros apresentaram uma probabilidade de 16 pontos percentuais a mais do que policiais brancos quando o suspeito era branco.

Ao observar tais resultados, verificou-se que esse comportamento condiz com o modelo de otimização dos agentes de polícia proposto na medida que os custos à utilidade dos policiais associados ao envolvimento em tiroteios é consideravelmente maior em comparação à utilização do uso de força não letal.

  1. Lições de Política Pública

A violência policial e sua correlação racial tornou-se um dos temas mais polêmicos nos debates americanos, suscitando uma gama de emoções, desde indignação até indiferença. A falta de dados substanciais complica a compreensão das disparidades raciais no uso da força policial, acrescida pela complexidade das interações entre polícia e civis. Além da escassez de dados, a análise do comportamento policial enfrenta desafios, como a confiabilidade dos dados existentes e a impossibilidade de atribuir aleatoriamente raça.

Na medida que os departamentos de polícia nos EUA exploram modelos de policiamento comunitário que induzam o maior compliance de boas práticas e a redução de viés discriminatório implícito dos agentes durante as abordagens policiais, os resultados encontrados neste estudo evidenciaram como o processo de discriminação racial nas abordagens policiais se dá. Atualmente, poucos departamentos de polícia coletam dados sobre usos menos graves de força ou aplicam punições explícitas por má conduta nessas táticas, implicando em incentivos que refletem-se na baixa responsabilização por condutas discriminatórias. Tal cenário destaca a necessidade do aumento do custo esperado do uso excessivo de força não letal para os agentes policiais.

Referências

ANWAR, S.; FANG, H. An Alternative Test of Racial Prejudice in Motor Vehicle Searches: Theory and Evidence. American Economic Review, v. 96, n. 1, p. 127–151, 2006.

DELAVANDE, A.; ZAFAR, B. University Choice: The Role of Expected Earnings, Nonpecuniary Outcomes, and Financial Constraints. Journal of Political Economy, v. 127, n. 5, p. 2343–2393, 2019.

FRYER, R. G. An Empirical Analysis of Racial Differences in Police Use of Force. Journal of Political Economy, v. 127, n. 3, p. 1210–1261, 2019.

KNOWLES, J.; PERSICO, N.; TODD, P. Racial Bias in Motor Vehicle Searches: Theory and Evidence. Journal of Political Economy, v. 109, n. 1, p. 203–229, 2001.