Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Losing Prosociality in the Quest for Talent? Sorting, Selection, and Productivity in the Delivery of Public Services
Autores: Nava Ashraf, Oriana Bandiera, Edward Davenport e Scott S. Lee
Localização da Intervenção: Zâmbia
Tamanho da Amostra: 1.585 adultos
Setor: Saúde
Variável de Interesse Principal: Motivação pró-social
Tipo de Intervenção: Benefícios de carreira
Metodologia: OLS, DID
Resumo
O trade-off entre habilidades e empenho dos agentes de saúde pode ser um aspecto crucial para explicar a qualidade dos serviços de saúde, indicando uma dualidade entre recompensas extrínsecas e intrínsecas. Para analisar como esses incentivos se inter relacionam, os autores deste artigo realizaram um experimento junto a um recrutamento nacional realizado na Zâmbia para avaliar se a oferta de benefícios de carreira provoca a contratação de profissionais menos pró-sociais. Os resultados demonstram que tal fenômeno só foi observado entre agentes de baixa habilidade, e que os agentes que optaram pela opção de carreira são mais talentosos e igualmente pró-sociais. Adicionalmente, o tratamento provocou a melhora de diversos indicadores de saúde dos pacientes e de produtividade dos agentes nos distritos tratados.
A qualidade dos serviços públicos é um aspecto crítico para o desenvolvimento econômico. O tema possui grande relevância quando relacionado à prestação de serviços de saúde em regiões rurais, gerando debates sobre a possibilidade de a seleção de agentes de saúde envolve um trade-off entre as qualificações e habilidades comparados à inclinação pró-social (Ashraf et al., 2020). Segundo os autores, na medida em que incentivos econômicos (recompensas extrínsecas) representam maior atratividade para os agentes de saúde com maior qualificação e habilidade, a maior afinidade local e inclinação pró-social (recompensas intrínsecas) motivam a escolha de profissionais mais empenhados e engajados com a função exercida.
Na Zâmbia, boa parte da atenção primária de saúde em áreas rurais remotas se dá através da prestação de serviços de agentes informais vinculados a organizações religiosas e de caridade. Com o objetivo de profissionalizar a prestação do serviço de saúde, o governo da Zâmbia criou uma nova posição de trabalhador de saúde no serviço público, denominada Assistente Comunitário de Saúde (ACS). O primeiro recrutamento e treinamento para essa nova modalidade ocorreu em 2010. O ACS deveria realizar visitas domiciliares e encaminhamentos a unidades de saúde. Portanto, esse profissional necessita tanto das habilidades técnicas para realizar a triagem, anamnese, primeiros-socorros e encaminhamento, quanto da competência social para o aconselhamento, suporte e orientação dos pacientes.
Nesse sentido, a oferta de benefícios de carreira no processo de seleção desses agentes pode atrair agentes de saúde mais capacitados, porém com menor engajamento pró-social. Embora ambos predicados afetem positivamente a prestação de serviços, os ganhos marginais dessas características na qualidade da prestação de serviços e nos indicadores de saúde são incertos. Além disso, devido à escassez de profissionais médicos, a aplicação dessa medida pode implicar em grandes disparidades na qualidade do serviço prestado, destacando a importância da avaliação dessa política pública.
O experimento ocorreu conjuntamente à campanha nacional de recrutamento para uma nova posição na área de cuidados de saúde na Zâmbia. Para verificar se os benefícios de carreira atraem talentos em detrimento da motivação pró-social, o experimento foi realizado através de dois tipos de cartazes, um para o grupo dos tratados e outro para o grupo dos controles. O recrutamento foi realizado de forma aleatória em 48 distritos estratificados pela província e pelo nível distrital de educação. O cartaz para o grupo dos distritos tratados recrutava agentes para a nova posição de trabalhador de carreira, e o cartaz para o grupo dos distritos controles era destinado a interessados na modalidade informal junto às organizações não governamentais, até então vigente. Os dois tipos de anúncios diferenciavam-se apenas em relação à divulgação de oportunidades de carreira, exigindo os mesmos pré-requisitos para ambas modalidades.
Durante o processo de recrutamento, o painel de seleção observava as habilidades gerais, habilidades cognitivas (QI) e não-cognitivas (ambição, persistência e ética de trabalho), e as habilidades pró-sociais, determinada pela perceção de utilidade gerada ao ajudar os outros. As habilidades cognitivas dos candidatos foram medidas a partir da nota do exame final do 12º ano e o número de disciplinas cursadas em biologia e outras ciências naturais. As habilidades não cognitivas considerou a ambição profissional, medida de acordo com a pretensão autodeclarada dos candidatos em relação a sua carreira. Para mensurar a pró-sociabilidade, os autores consideraram a disposição auto-relatada do candidato de permanecer na comunidade a longo prazo (5 a 10 anos após a entrevista), além do resultado do alinhamento de interesses na escala "Inclusão de Outros no Eu (IOS)" (Aron et al., 2004).
No primeiro ano do programa, em 2010, o governo iniciou o processo de recrutamento e treinamento para cada uma das 167 comunidades em 48 distritos. Os painéis de seleção foram responsáveis por escolher os dois candidatos para atuarem como agentes comunitários nos postos de saúde de cada comunidade. Esses painéis foram compostos por cinco membros: o oficial de saúde do distrito, um representante do centro de saúde associado ao posto de saúde e três membros do comitê de saúde do bairro local. Ao todo, o recrutamento contou com 2.457 inscrições, dos quais 1.585 participantes foram considerados para as análises realizadas neste estudo. Por fim, foram recrutados 334 candidatos como titulares e 413 como reservas para 47 distritos (um foi excluído da amostra ao não enviar candidatos para ACS). Os profissionais de saúde selecionados tornam-se contratualmente obrigados aos cargos por um ano, e os ACSs precisam esperar dois anos antes de concorrerem a cargos mais altos.
A fim de controlar para o possível viés de seleção com relação às habilidades entre os grupos tratado e controle, foram realizadas pesquisas antes e após a realização do treinamento pelos agentes de saúde para verificar diferenças nos aspectos de preferências de ambição e pró-sociais dos recrutados. Os autores também realizaram um teste para verificar a existência de diferença entre a importância dada às habilidades gerais e pró-sociais entre os painéis dos grupos tratado e controle durante o processo de seleção.
Posteriormente, o artigo apresentou uma série de análises relacionadas à produtividade dos serviços de saúde prestados a partir do método de mínimos quadrados ordinários. Através do método de mínimos quadrados ordinários (OLS), o primeiro conjunto de análises verificou o impacto do tratamento (o efeito das oportunidades de carreira do ACS) no número de visitas nos primeiros 18 meses após o tratamento. Conjuntamente, os autores analisaram se houve diferença nos serviços prestados após o término do vínculo de 1 ano do cargo, observando a presença de efeitos de compensação do tratamento que afetaram a qualidade das visitas, reuniões comunitárias e chamados de emergência.
O segundo conjunto de análises observou se o tratamento afetou a utilização das instalações das unidades de saúde dos distritos tratados. Para tal, empregou-se o método de diferença-em-diferenças (DID) para verificar o efeito do tratamento em unidades de saúde após a intervenção, ou seja, a integração dos ACSs a essas unidades.
Por fim, adotou-se o método de OLS para o terceiro conjunto de análises para verificar o impacto do tratamento em termos de práticas de saúde, incidência de doenças e indicadores antropométricos de desnutrição doenças para as mães e crianças das comunidades.
A análise em relação às preferências dos recrutados indica que os grupos diferiam-se antes do treinamento, porém houve convergência nas preferências dos agentes após o treinamento, e apenas os candidatos com baixo nível de habilidades dos distritos tratados apresentaram diferenças significativas e menores na pró-sociabilidade em relação aos distritos controles. De forma geral, esse comportamento indica a comparabilidade entre os candidatos de ambos os grupos, permitindo separar o efeito da seleção do efeito dos incentivos associados à modalidade do cargo. Adicionalmente, os resultados indicaram que os painéis de seleção para ambos os recrutamentos valorizaram as características dos candidatos da mesma forma.
Ao analisar o impacto das oportunidades de carreira dos ACSs no número de visitas nos primeiros 18 meses, os autores identificaram um grande efeito provocado pelo tratamento, de forma que seriam realizadas 13.818 visitas caso os agentes do grupo controle tivessem realizado tantas visitas quanto o grupo tratado. Com relação ao efeito na qualidade dos atendimentos após os 18 meses iniciais, os resultados demonstraram que os ACSs dedicam o mesmo tempo no atendimento, são igualmente propensos a visitar os pacientes alvo (mães e crianças), e realizam atendimentos em mais domicílios e mais visitas de acompanhamento. Além disso, não foram identificados efeitos de compensação na execução de atividades secundárias, pelo contrário, foram auferidos efeitos positivos dos ACSs no número de reuniões comunitárias e pacientes atendidos no posto de saúde.
Os resultados das análises sobre o efeito do tratamento na utilização das instalações das unidades de saúde apresentaram resultados significativos positivos em diversos aspectos. Os distritos que contaram com ACSs observaram elevações significativas de 30% no número de partos realizados em centros de saúde, 24% no número de visitas a crianças, 22% no número de crianças submetidas a pesagens, e 20% no número de crianças vacinadas para poliomielite.
A intervenção também incorreu em avanços com relação a práticas de saúde dos pacientes, incidência de doenças e índices de desnutrição. A presença de ACSs implicou em aumento na probabilidade de as crianças serem amamentadas até os 2 anos de idade, de adoção de práticas adequadas para o manejo de dejetos das crianças, e de as crianças estarem em dia com o cronograma de imunização. Em termos de resultados de saúde, as crianças apresentaram queda na chance de apresentarem tosse nas últimas duas semanas antes da entrevista e redução na incidência de indicadores de desnutrição.
Este artigo apresentou evidências de que a oferta de cargos no serviço público com oportunidades de carreira para trabalho comunitário atrai agentes que prestam serviços de saúde. De forma geral, esse comportamento não implica em redução no nível de pró-sociabilidade dos agentes de saúde, e a oferta de cargos induziu a melhoria na qualidade e frequência de serviços prestados nos distritos que contavam com ACSs. O acesso a esses serviços resultou em melhorias nos cuidados e indicadores de saúde das crianças das respectivas comunidades.
Embora os resultados deste estudo demonstrem a efetividade desse tipo de política, os autores ressaltam que os mecanismos de seleção usualmente não se dão de forma aleatória. Nesse sentido, os formuladores de políticas devem atentar-se ao adotarem estratégias que selecionem devidamente os candidatos mais aptos para o exercício dos cargos desejados, fazendo-se necessários incentivos corretos para os recrutados e recrutadoras.
Referências
Aron, A., McLaughlin-Volpe, T., Mashek, D., Lewandowski, G., Wright, S. C., e Aron, E. N. (2004) Including others in the self. European Review of Social Psychology, 15(1), 101–132.
Ashraf, N., Bandiera, O., Davenport, E., e Lee, S. S. (2020) Losing Prosociality in the Quest for Talent? Sorting, Selection, and Productivity in the Delivery of Public Services. American Economic Review, 110(5), 1355–1394.