Pesquisadora responsável: Eduarda Miller de Figueiredo
Autores: Sule Alan, Ceren Baysan, Mert Gumren e Elif Kubilay
Localização da Intervenção: Turquia
Tamanho da Amostra: 6.500 crianças (222 salas de aula)
Setor: Educação
Variável de Interesse Principal: Interesse da criança
Tipo de Intervenção: Programa para criar uma coesão na sala de aula entre alunos refugiados e alunos anfitriões
Metodologia: OLS
Resumo
A educação tem um papel importante no desenvolvimento de habilidades sociais, em que se torna mais importante em condições sociopolíticas turbulentas. Na Turquia houve uma alteração da composição étnica das escolas devido ao grande influxo de crianças refugiadas. Para alcançar uma coesão social dentro das escolas, foi aplicado um programa que incentivava os alunos a se esforçarem para entender a perspectiva de qualquer indivíduo, independentemente de sua identidade. Os resultados sugerem que além de uma melhora na coesão social, houve uma redução de eventos violentos nas dependências das escolas e uma melhora significativa do aprendizado das crianças refugiadas.
A educação pública tem demonstrado um papel crítico no desenvolvimento de habilidades sociais, no qual reduz a distância social entre indivíduos em ambientes culturalmente diversos. Embora os humanos são melhores em ambientes coesos com alto capital social, os ambientes não-coesos (caracterizados por violência, intolerância e segregação baseada em identidade) podem surgir em condições sociopolíticas turbulentas. Nessas condições, o capital social existente pode ser danificado, impedindo o crescimento econômico, e a reconstrução por meio de intervenções educativas pode se tornar um imperativo político (Rodrik, 1999; Fryer e Loury, 2013; Voigtlaender et al., 2020).
Os autores avaliam neste artigo um programa educacional elaborado para desenvolver habilidades sociais e construir a coesão social na escola. Em que pese, este programa foi aplicado em escolas primárias turcas, onde a composição étnica nas escolas mudou devido a um influxo grande de crianças refugiadas. Portanto, em um contexto de alto risco, visto que as tensões étnicas nas dependências das escolas e nos bairros vizinhos tem aumentado de forma alarmante.
O programa requer uma habilidade sociocognitiva particular e uma capacidade de tomada de perspectiva, que é a capacidade de perceber os estados de espírito dos outros, e compreender seus objetivos e intenções. Estudos mostram que a tomada de perspectiva está associada a menor agressão social, maior confiança e maior cooperação social (Galinsky e Ku, 2004). A alta capacidade de tomada de perspectiva também está relacionada a ser capaz de analisar situações sociais pesando os custos e benefícios de uma ação antes de se envolver no ato, o que é eficaz na redução do crime e do comportamento violento em vários contextos (Alan e Ertac, 2018).
Desde o início da guerra civil na Síria em 2011, a Turquia recebeu mais de 4 milhões de refugiados, sendo que atualmente existem mais de 1 milhão de crianças sírias na Turquia. Em razão disto, o Ministério da Educação turco (MoE) tem enfrentado grandes desafios para colocar crianças refugiadas em escolas públicas, as quais precisam de treinamento e orientação de forma adequada para facilitar a coesão entre anfitriões e refugiados.
O programa avaliado pelos autores foi desenhado, implementado e também teve sua avaliação ocorrida dentro deste contexto sociopolítico.
Em razão dos achados demonstrado pela literatura acerca dos impactos importantes trazidos pela capacidade de tomada de perspective, a equipe multidisciplinar projetou um programa como um conjunto de atividades para desenvolver a capacidade das crianças de entender as perspectivas[1]. O design do programa foi feito de uma forma que garanta que o conteúdo não faça referência explícita à etnia, apenas encorajando os alunos a se esforçarem para entender a perspectiva de qualquer indivíduo, independentemente de sua identidade. Ou seja, em vez de fazer qualquer referência étnica explícita, o programa incentiva a tolerância aos demais, valorizando as diferenças individuais.
É um programa de coesão educacional voltado para crianças de terceira e quarta série do ensino fundamental, que visa fornecer aos professores um currículo fácil de seguir para criar coesão na sala de aula e garantir um ambiente de aprendizado saudável para todas as crianças. O programa inclui várias atividades e jogos a serem implementados pelo professor.
O programa foi implementado como um estudo randomizado controlado em grupo. Com uma amostra de 222 salas de aula de 80 escolas primárias em duas províncias na Turquia. Portanto, o estudo abrangeu mais de 6.500 crianças da terceira e quarta séria, em que 16% das crianças da amostra são refugiadas.
Foi coletado dados de linha de base em 2018 e, logo após, foi conduzida uma aleatorização no nível escolar. Atribuiu-se 40 escolas ao grupo de tratamento e 40 escolas ao grupo de controle. Os seminários de treinamento dos professores das escolas tratadas ocorreram em novembro de 2018. Os dados finais foram coletados em maio de 2019.
Os autores estimaram o efeito do programa nos resultados de coesão utilizando uma especificação empírica que tinha como variável dependente era o resultado de interesse da criança i na escola s. Foi adicionado variáveis de controle que incluíam idade, gênero, status de refugiado, pontuação em Raven’s[2] e no Eyes Test[3], tamanho da sala de aula e da escola.
O programa reduziu significativamente o número de eventos violentos perpetrados por crianças. Nas salas de aula do grupo de controle, em média, há 1,88 eventos registrados em 10 dias. O efeito do tratamento é de 1,21 eventos a menos, o que implica um declínio importante em cerca de 64%. Também foi demonstrado através de resultados que o programa também reduziu significativamente o número de ocorrências que vitimizaram as crianças atendidas, em torno de 50% menos nas escolas de tratamento. Segundo os autores, os resultados sugerem que o programa, ao manter as crianças longe do conflito, reduziu o risco de a criança ser vítima de um conflito.
O número médio de episódios violentos em 10 dias é de 7,83 nas escolas de controle, e o programa o reduz em 2,4 episódios. Os autores salientam que quase metade dessa redução geral foi de salas de aula não tratadas, portanto, sugerindo efeitos colaterais do programa nas escolas. Em que um dos motivos que pode ter influenciado esses efeitos colaterais, segundo os autores, é que as salas de aula participantes receberam muitos materiais visuais (cartazes e panfletos) e, como são bastante visíveis, provavelmente foram observados também pelos colegas de sala de aula próximas às salas participantes. Ou também pode se dar pelos transbordamentos das mudanças ocorridas nas interações entre alunos.
Em relação ao bullying, embora o programa não tenha efeito sobre a probabilidade de as crianças anfitriãs serem intimidadas por um colega, as crianças refugiadas tratadas relataram menor probabilidade de intimidação do que as crianças refugiadas não tratadas.
Portanto, os autores descobrem, através da avaliação do programa, que há redução significativa da violência entre pares de alta intensidade e a vitimização nas dependências da escola. Também se notou uma redução da exclusão social e da segregação étnica na sala de aula. Além disso, foi observado uma melhora considerável na habilidade das crianças refugiadas no idioma do país anfitrião.
Os autores salientam que, mesmo com a dificuldade de se avaliar o valor individual e social da redução da violência, exclusão social e segregação étnica nas escolas, o programa avaliado continua a ser considerado um sucesso mesmo se for observado apenas os ganhos de aprendizado das crianças refugiadas. Mesmos cautelosos quanto à validade externa do programa, os autores demonstraram o estudo deste programa como um passo significativo para a compreensão do papel causal da educação pública na construção do capital social.
Referências
ALAN, Sule et al. Building social cohesion in ethnically mixed schools: An intervention on perspective taking. The Quarterly Journal of Economics, v. 136, n. 4, p. 2147-2194, 2021.