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A seleção de funcionários públicos pode estar ligada à uma forma de recompensa aos apoiadores de partidos políticos?

09 fev 2022

Pesquisadora responsável: Eduarda Miller de Figueiredo

Título do paper: Patronage and Selection in Public Sector Organizations

Localização da Intervenção: Municípios do Brasil

Tamanho da Amostra: 1.057.216 doadores de campanha e 1.031.083 candidatos

Setor: Política

Variável de Interesse Principal:  Resultado do mercado de trabalho do apoiador

Tipo de Intervenção: Doação de campanha

Metodologia: Regressão Descontínua

No setor público há a prática de utilizar empregos no setor público como uma forma de recompensar apoiadores de partidos políticos. Os municípios empregam a maior parcela de funcionários do setor público, os quais podem ser selecionados com discrição por parte dos políticos para cargos comissionados e de confiança. Buscando investigar empiricamente se a discricionariedade nas decisões de emprego público é utilizada como uma ferramenta de patrocínio, foi feita uma regressão descontínua com uma amostra de dados que compreende as eleições de 1997-2014. Com dados para 1.057.216 doadores de campanha e 1.031.083 candidatos, os resultados demonstraram que os apoiadores do partido vencedor são 10,5 pontos percentuais mais prováveis de ter um emprego no setor público no período pós-eleitoral.

Problema de Política

A qualidade dos indivíduos no setor público é um determinante crucial para o desempenho do governo, assim, tornando-se essencial identificar e quantificar os atritos no processo através do qual os governos selecionam funcionários públicos (Finan, Olken e Pande, 2015). E, embora haja sistemas rígidos de serviço civil, políticos mantêm descrição acerca da seleção, o que permite que eles selecionem indivíduos capazes e motivados para realizar o trabalho, ou para se envolver em práticas de clientelismo (Grindle, 2012). Sendo clientelismo aquela prática onde os empregos no setor público são usados para recompensar apoiadores de partidos políticos.

Logo, o artigo busca investigar empiricamente se a discricionariedade nas decisões de emprego público é utilizada como uma ferramenta de patrocínio e as consequências no processo de seleção.

Contexto de Implementação e de Avaliação

No Brasil, 5.570 municípios brasileiros são regidos por um prefeito eleito a cada quatro anos. Nestas eleições também ocorre a votação para a Câmara de Vereadores.  Os doadores de campanha eleitoral podem doar até 10% da sua receita anual bruta, sendo necessária a apresentação, ao Tribunal Eleitoral, do detalhamento de todas as contribuições recebidas pelos candidatos[1].

Os municípios são responsáveis pelo fornecimento de bens públicos na área de educação, saúde e transporte (Souza, 2002). Como resultado disso, os municípios empregam a maior parcela de funcionários do setor público: 56% em 2014. Esses funcionários podem ser selecionados através de: (i) concursos públicos; (ii) cargos comissionados; (iii) cargos de confiança: e (iv) empregos temporários. Esses cargos comissionados e de confiança permitem discrição por parte dos políticos na hora da seleção.

Detalhes da Política/Programa

No estudo, os autores concentram-se em dois grupos de apoiadores de partidos políticos locais: (i) candidatos à Câmara de Vereadores que estão associados à um partido específico, que geralmente fazem parte de uma coalizão eleitoral; (ii) doadores de campanha individuais.

Nas eleições de 2008 e 2012, a participação média no total de doações provenientes de pessoas físicas foi de 28% para candidatos a prefeito e 40% para candidatos a vereador.

Os autores buscam realizar testes empíricos para mostrar que:

  1. As conexões políticas são um fator determinante da contratação em organizações do setor público;
  2. O patrocínio é um mecanismo importante;
  3. Considerações políticas levam à seleção de indivíduos menos competentes.

Para a realização do estudo, os autores combinaram a base de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que concentra dados a nível de funcionários, e a base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que possui informações sobre políticos, eleições e doadores de campanha. Foram utilizados os dados que compreende o período de 1997-2014.

Assim, a amostra final inclui 1.057.216 doadores de campanha e 1.031.083 candidatos. Tais dados permitiram que os autores rastreassem todas as carreiras no mercado de trabalho de apoiadores de diferentes partidos. Assim como, analisar o papel das conexões políticas em todas as camadas da hierarquia pública.

Método

Para a realização do estudo foi utilizado um modelo de regressão descontínua. Onde, dentro de uma determinada eleição municipal, os autores comparam as carreiras dos apoiantes do partido vencedor para os apoiantes do segundo colocado. E, como a escolha de quem apoiar não é aleatória, concentraram-se nas eleições em que a margem de vitória entre os partidos foi pequena (diferença de até 5 pontos percentuais).

A variável dependente da regressão utilizada é o resultado do mercado de trabalho do apoiador, que apoia o candidato a prefeito do partido na eleição daquele ano naquele ano. Como controle fora adicionados efeitos fixos de período-município-ano.

Os autores salientam que, por mais que seja sabível que o patrocínio é um segredo, um acordo ilegal entre as partes, sendo difícil isolar a sua magnitude, os dados permitiram realizar os testes empíricos necessários para o estudo (Olken e Panda, 2012; Banerjee, Hanna e Mulainathan, 2013).

Assim, foi possível estimar o impacto do apoio ao partido vencedor sobre a probabilidade de ser empregado no setor público e sobre os rendimentos totais anuais nos quatro anos após a eleição.

Principais Resultados

Os resultados mostram que os apoiadores do partido vencedor são 10,5 pontos percentuais mais prováveis de ter um emprego no setor público no período pós-eleitoral: uma probabilidade 47% maior do que os doadores do partido em segundo. Onde as maiores probabilidades de emprego se traduzem em aumento significativos no total de ganhos, 34% para candidatos e 10% para doadores. Como pode ser visto na Figura 1, há um salto descontínuo na probabilidade de emprego no setor público, tanto para candidatos quando para doadores.

Ademais, os resultados demonstraram um efeito grande e estatisticamente significativo para empregos como médico, diretor de escola, diretor de hospital público, agente comunitário de saúde, supervisor de operações na construção civil e outras ocupações que requerem habilidades específicas.

Figura 1: Efeito do apoio à parte vencedora na probabilidade de emprego público

Os autores salientam que os resultados encontram mostram um quadro onde a discrição na contratação é utilizada como uma ferramenta política, no qual até mesmo a presença de serviço civil pode não ser suficiente para proteger os empregos públicos de influência.

Ademais, não foi encontrado nenhum efeito sobre a probabilidade de obtenção de um emprego sobre o qual o prefeito não pode exercer influência direta. Ou seja, todos os efeitos documentados são impulsionados por empregos sobre o qual o prefeito tem poder discricionário.

Outra investigação realizada no estudo é de observar se os apoiadores de longo prazo do partido do prefeito são mais propensos a se beneficiar da alocação de empregos públicos do que os apoiadores de curto prazo. Onde a justificativa para este teste é analisar se a ideologia e a lealdade ao representante do partido são importantes, assim, os leais ao partido devem se beneficiar mais quando o partido está no poder. No entanto, tal hipótese não foi confirmada, visto que há pequenas diferenças nos efeitos estimados para essas subamostras.

Ao analisar as estimativas relativas a apoiadores de partidos que perdem ambas as eleições, os resultados sugerem que têm uma probabilidade maior de emprego no setor público, que persiste além da eleição do ano 4, os apoiadores de partido que continua no poder nas duas eleições. Em contraste, os apoiadores cujo partido perde na eleição subsequente, veem uma queda acentuada na probabilidade de emprego no setor público após a eleição do ano 4. Ou seja, esses padrões mostram que os empregos do setor público alocados aos apoiadores são profundamente ligados à sorte de seu partido.

Figura 2: Patrocínio e Rotatividade no Setor Público Municipal

            A Figura 2 demonstra, ainda mais, que a rotatividade dos trabalhadores do setor público, tanto os novos contratados (Painel A) quanto os desligados (Painel B), aumentam em torno das eleições.

Lições de Política Pública

As evidências sugerem que esta discrição na contratação pode resultar em patrocínio. Ou seja, que empregos no setor público sejam usados para recompensar apoiadores (doadores) de campanha aos partidos políticos que estão no poder, substituindo a competência pelo apoio político como fator determinante de decisões de contratação.

Referências

COLONNELLI, Emanuele; PREM, Mounu; TESO, Edoardo. Patronage and selection in public sector organizations. American Economic Review, v. 110, n. 10, p. 3071-99, 2020.


[1] Lei N° 8.713/1993.